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Jovens com Down vivem experiência de moradia e autonomia

Wildes Barbosa
No próximo final de semana, 15 jovens com síndrome de Down vão viver em Goiânia uma experimentação imersiva de moradia e participar de oficinas sobre autonomia e capacitismo

Criado de forma solitária pela psicóloga Patrícia José de Oliveira há quase 20 anos, e hoje fortalecido após a adesão voluntária de outros profissionais e estudantes da área, o grupo terapêutico “Vem com a Gente!”, voltado para pessoas com síndrome de Down, realiza no próximo final de semana, em Goiânia, uma de suas mais ousadas ações. Durante dois dias, jovens adultos com a síndrome vão se reunir numa casa para trabalhar independência, autonomia, capacitismo e autodefensoria.   

“Estamos muito empolgados”, afirma Patrícia José sobre o workshop que irá reunir no sábado (29) e domingo (30) 15 participantes do “Vem com a Gente!” numa imensa casa no Jardim América, alugada para esse fim. Nos dois dias, o grupo será orientado por uma equipe que irá realizar oficinas direcionadas para independência, autonomia, autoconhecimento, regras e em especial a desconstrução do capacitismo. Embora seja recente no Brasil, o termo significa o que existe há séculos: o preconceito contra as pessoas com deficiência. 

“Essas pessoas merecem pensar a autonomia, ter um futuro melhor, entrar no mercado de trabalho e ter uma vida pessoal como qualquer outra pessoa”, lembra Patrícia José, ressaltando que foi esse pensamento que a impulsionou para o trabalho voluntário. Com o apoio de Ana Maria Motta, fundadora e presidente da Associação Down de Goiás (Asdown), a psicóloga começou sozinha o “Vem com a Gente!” e hoje conta com a adesão de outros profissionais e acadêmicos. A equipe realiza reuniões mensais com pessoas com síndrome de Down e seus familiares, filiados ou não à Asdown, quando são trabalhados temas diversos. 

O “Vem com a Gente!” é um trabalho voluntário e totalmente gratuito para os participantes. Patrícia José conta que decidiu doar uma parte de seu tempo a essa comunidade por entender que ela é formada por pessoas capazes de ter uma vida plena e independente. Uma percepção que veio da infância quando os pais eram apoiadores da Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais, em Jaraguá. Atualmente, as reuniões mensais do “Vem com a Gente!”são realizadas no Solus Instituto de Desenvolvimento Humano, localizado na Rua 104, Setor Sul, do qual a psicóloga é uma das co-fundadoras. Outros eventos como passeios, sessões de cinema e reuniões em parques também são realizados. 

Enzo Ferreira Lavall, 19, integrante do “Vem com a Gente!”, estará no workshop. Dedicado à arte da escrita, ele lançou recentemente o livro de poemas Memórias e Desejos. “Estou animado”, disse o jovem ao jornal sobre a expectativa para a ação do final de semana com seus pares. Enzo projeta cursar Letras na universidade, mas também preenche seu tempo com uma variada gama de possibilidades esportivas, como o motociclismo e o caratê, modalidades nas quais tem conquistado reconhecimento e simpatia.     

"É necessário caminhar sozinhos"

A experiência imersiva com pessoas com síndrome de Down tem sido realizada pelo Instituto Cromossomo 21, criado há 15 anos no Rio de Janeiro pelo educador e comunicador Alex Duarte. Produtor do longa-metragem Cromossomo 21, que despertou debates para a vida autônoma de quem possui a trissomia do 21, Alex Duarte criou também a websérie Geração 21, disponível no You Tube. Em 2024 ocorreu a quarta edição do Expedição 21, que simula a experiência de jovens adultos com síndrome de Down de morar sozinho durante quatro dias e resolver as questões do dia a dia da vida adulta. 

Segundo o Instituto Cromossomo 21, os resultados observados são de que a imersão influencia na vida dos participantes. Alguns decidiram morar sozinhos, outros se casaram dentro do projeto e muitos outros foram para o mercado de trabalho e construíram uma carreira profissional. Em março deste ano, seis desses participantes, denominados pelo instituto como “autodefensores e expedicionários”, participaram em Nova York (EUA) da 13ª Conferência do Dia Mundial da Síndrome de Down, na sede da Organização das Nações Unidas (ONU). 

O goiano Pedro Rattes Motta Jayme Fernandes, 26, foi um desses expedicionários. Ele e a irmã, Maria Thereza, 28, que também tem síndrome de Down, estarão no workshop. Foram eles que levaram a mãe, Ana Maria Motta, a criar em 1993 a Asdown. “Estamos muito felizes com essa ação porque é um momento único. Alguns dos participantes nunca saíram de casa sem os pais, nem mesmo dormiram fora. Será um período curto, mas de uma vivência rica”, afirma a presidente da Asdown, parceira do “Vem com a Gente!”.    

Ana Maria revela que há poucos anos, diagnosticada com um câncer de difícil tratamento, ela e o marido Genserico, perceberam “a necessidade urgente de soltar Maria Thereza e Pedro para que tenham uma vida plena como a do Matheus”, o filho primogênito, de 31, que não tem a síndrome. “Não é fácil, mas não é impossível. Os meninos estão, a cada dia, mais propícios a caminhar sozinhos.” Pedro é bailarino e tem projetos na fotografia. Maria Thereza gosta de computação e busca trabalho na área.    

“Hoje, eu, meu marido e meu filho Matheus desejamos que eles dominem suas vontades, façam e tenham consciência do que querem.” Ana Maria reforça que, quando os filhos nasceram, ela disse que caminharia junto com eles. “Amar não é o mesmo que aceitar. O amor de pai e mãe não deve ser colocado à prova, mas o aceitar é muito difícil. Vemos jovens com dificuldade de ser aceito no mundo porque não é aceito em casa. Sempre penso no coletivo. Este é o desafio diário da Asdown”, salienta Ana Maria.   

História

O pediatra inglês John Langdon Down foi o primeiro a descrever clinicamente, em 1866, os sinais e sintomas da trissomia do cromossomo 21, que ficou conhecida como síndrome. Trata-se de uma alteração genética causada por um erro na divisão celular durante a divisão embrionária. Os portadores da síndrome de Down, em vez de dois cromossomos no par 21 (o menor cromossomo humano), possuem três. Estima-se que hoje, no Brasil, entre crianças, adolescentes e adultos, haja uma população de quase 300 mil pessoas com síndrome de Down.  

Quer participar do “Vem com a Gente!”? 

Siga no Instagram: @vemcomagente.21

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