A Justiça suspendeu parcialmente o processo de desocupação do Morro da Serrinha e autorizou a intervenção da Comissão de Conflitos Fundiários (CCF) do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) para definir um novo cronograma para a saída das pessoas que ocupam o espaço. A decisão – tomada a partir de uma demanda da Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO) e da Polícia Militar - é uma vitória para os grupos religiosos que lutam para não serem expulsos do local.
Historicamente, o alto do morro é usado por religiosos e fiéis para orações e realização de cultos e eventos. Com o tempo, foram sendo montadas tendas que funcionam como templos e barracas improvisadas com camas e utensílios domésticos para moradia de fiéis em tratamento ou voluntários.
Desde 2015, a Justiça vinha reiteradamente ordenando a retirada das tendas e estruturas montadas no alto do morro e a saída dos possíveis ocupantes. A partir de 2018, uma nova ação judicial obrigando o Estado a recuperar ambientalmente o espaço reforçou o argumento do governo para que a área fosse desocupada, porém uma série de fatos atrasou o cumprimento da demanda, como a pandemia da Covid-19.
No último dia 17, a juíza Zilmene Gomide da Silva, da 4ª Vara da Fazenda Pública Estadual da Comarca de Goiânia, havia dado 30 dias para que as estruturas irregulares fossem todas retiradas do morro, porém no dia 26 a DPE-GO entrou na causa e defendeu a inclusão da comissão conciliadora sob alegação de que no local há famílias, idosos e pessoas com deficiência residindo e que não podem ser apenas expulsas pelo poder público.
O juiz Vitor França Dias Oliveira, da 4ª Vara da Fazenda Pública Estadual, acatou pedidos formulados pela defensoria e pela PM e autorizou que a CCF estabeleça um novo calendário para a retirada das pessoas e das estruturas do morro, buscando uma “solução pacífica para o conflito”. “Esclareço que a ordem de desocupação não foi revogada, mas que caberá à comissão promover o seu cumprimento conforme os prazos e condições que entender adequados”, afirmou no despacho.
O governo estadual e a DPE-GO chegaram a apresentar, cada um, um relatório de vistoria do Morro da Serrinha mostrando cenários bem distintos. O Estado defende que não há moradores fixos no local, pois assim tornaria mais ágil a desocupação. Já a Defensoria pedia o reconhecimento da presença de famílias em situação de vulnerabilidade, o que exigiria a busca por uma solução de moradia para estas pessoas.
A Secretaria Estadual de Administração (Sead) mandou uma equipe no local no dia 27 de abril e informou não ter encontrado “nenhuma família constituída (pai, mãe e filhos)” nas estruturas improvisadas e uma rotatividade de pessoas que usam os templos como moradia. Já a defensoria esteve no dia 4 de maio e informou ter encontrado 18 “famílias unicelulares” (constituídas de uma pessoa) morando em tendas e barracas.
Nesta quinta-feira (11), a Procuradoria Geral do Estado (PGE) fez uma última tentativa para convencer o Judiciário de que não mora ninguém no alto do morro e protocolou um trecho da certidão do oficial de Justiça que esteve nesta semana no local para notificar as pessoas presentes. No documento, é dito que após diligência se verificou “não existir pessoas morando/habitando no local, nenhuma construção de alvenaria, tijolo e cimento, e sim barracões de lona preta”.
Em nota à imprensa, o defensor público Gustavo Alves de Jesus defende a necessidade do envolvimento do órgão, tendo em vista a vulnerabilidade social das pessoas que vivem na ocupação. “A Defensoria está atuando para que não seja usurpada a competência da Comissão de Conflitos Fundiários e do STF, respeitado o diálogo no processo de reintegração de posse.”
Ainda segundo a Defensoria, a comunidade atualmente presente no morro estaria ali há cerca de cinco anos. Gustavo afirma que agora deve ser elaborado um plano de desocupação, com a participação dos atingidos, “garantindo-se o reassentamento das populações afetadas em locais adequados para fins de moradia ou a garantia de acesso à terra produtiva”.
História
O Morro da Serrinha tem um papel na história de Goiânia, pois na década de 30 o fundador da capital, Pedro Ludovico Teixeira, teria escolhido a região para a instalação do município após observar o horizonte do alto do morro. A partir dos anos 60, o local passou a ser usado para abrigar antenas de telefonia e depois um reservatório de água.
Desde 1994, o topo e a encosta do morro se tornaram área de proteção permanente (APP) e em 2002 se tornou uma área pertencente ao governo estadual. Durante todo este tempo, a região sofreu com forte degradação ambiental, com a presença de depósito de lixo clandestinos e moradias precárias. Nos últimos anos, houve pressão popular para transformação do espaço em um parque e ações governamentais para retirada de famílias vulneráveis.