A Justiça concedeu prisão domiciliar para a pastora Suelen Amaral Klaus, que responde junto com o marido e mais quatro pessoas por sequestro, cárcere privado e tortura de mais de 70 pessoas em duas clínicas clandestinas para dependentes químicos em Anápolis. Ela estava detida desde 30 de agosto, quando foi flagrada em um dos estabelecimentos durante uma operação policial. Na audiência de custódia, no mesmo dia, ela teve a prisão temporária convertida em preventiva.
O marido, o também pastor Ângelo Mário Klaus Júnior, está preso desde 2 de setembro, quando se apresentou em uma delegacia. Ele havia fugido do flagrante e deixado para trás a mulher e os três funcionários. Ao se entregar, Ângelo contou que a esposa não teria relação com a clínica, mas a Polícia Civil a indiciou afirmando ter provas do envolvimento dela.
Suelen alega ter feito uma cirurgia bariátrica no dia 9 de agosto e seguia em recuperação, sofrendo com as condições do sistema prisional para quem se encontra neste estágio do tratamento. Ela estava detida na ala feminina da Casa de Prisão Provisória (CPP) do Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia.
Em sua decisão, o desembargador Donizete Martins de Oliveira, da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO), diz que há indícios que a manutenção da prisão preventiva trazia “significativo prejuízo para sua constrição e dificuldades para o tratamento médico”.
Também pesou a favor dela o fato de ela ser mãe de quatro filhos, sendo três deles menores de 12 anos e o outro ainda adolescente. Segundo o desembargador, essa é uma entre as situações autorizadoras para a concessão do benefício solicitado. Ela terá de cumprir a decisão com tornozeleira eletrônica e só poderá sair de casa com autorização prévia da Justiça.
A pastora já havia pedido a prisão domiciliar no momento da audiência de custódia, mas como o marido estava foragido, a Justiça a manteve detida no sistema prisional. Suelen “somente não recebeu o benefício da prisão domiciliar por ocasião da audiência de custódia, porque seu marido foragiu no momento do flagrante e havia o receio, naquele momento, que o casal se evadisse em prejuízo da persecução penal”, afirmou a juíza Lígia Nunes de Paula, da 2ª Vara Criminal de Anápolis em um comunicado ao TJ-GO.
Nos últimos dias, outros dois presos viram o pedido de liberdade negado. Jhonathan Alexandre Silva Santos e Francisco Carlos Lira Júnior alegam serem internos e não funcionários e por isso não deveriam responder pelos crimes apontados pela Polícia Civil. Entretanto, a Justiça considerou haver provas suficientes para afirmar que mesmo sendo internos tinham a confiança do casal de pastores para cuidarem das clínicas clandestinas.
“Pelo apurado preliminarmente pela Polícia Civil, a clínica não conta com nenhum registro formal e não era operada por funcionários registrados. Os serviços eram prestados por alguns dos internos, sendo que todos os presos foram identificados pelos demais libertos como aqueles que infligiam maus tratos nos demais, a mando do proprietário, que também foi preso na oportunidade”, escreveu a Lígia, ao informar ao TJ-GO sobre a liminar negada para Jhonathan.
Entenda o caso
O casal de pastores foi indiciado junto com mais quatro pessoas por sequestro e cárcere privado e crime de tortura contra 73 pessoas, entre dependentes químicos a portadores de deficiências diversas, internadas contra a vontade em dois estabelecimentos que funcionavam irregularmente como clínicas de reabilitação na zona rural de Anápolis. Ângelo e Suelen, segundo a Polícia Civil, são os donos destes locais.
O caso veio à tona em uma operação da Polícia Civil no dia 30 de agosto, após um homem de 96 anos ser internado no Hospital Estadual de Urgências de Anápolis (Heana) com diversos ferimentos, mau cheiro, sinais de agressão física e outros indícios de maus tratos. Ao ouvir parentes desta pessoa, uma equipe da Delegacia Especializada no Atendimento ao Idoso (Deai) de Anápolis chegou ao primeiro estabelecimento e encontrou 43 internos.
O delegado Manoel Vanderic Correa Filho, titular da Deai, afirma que os indiciados mantinham os internos em um espaço pequeno e insalubre, submetendo-os a “intenso sofrimento” físico e psicológico, mediante violência e ameaças, “como forma de castigo e para evitar que fugissem” ou contassem a familiares, “mantendo o controle do local clandestino”.
As clínicas clandestinas foram fechadas nos dias 30 e 31 de agosto. Na segunda, havia mais 30 vítimas. Suelen foi presa no primeiro dia de operação, junto com Jhonatan, Francisco, Jonas da Silva Geraldo e Ruimar Márcio Silva Qualhato. O pastor fugiu assim que viu a equipe da Deai e se entregou na manhã de 2 de setembro. Na segunda clínica, dois suspeitos fugiram, mas um deles já foi identificado pela Polícia Civil.
O casal prometia “tratamento completo, incluindo assistência médica” e que restringiam as visitas com a desculpa de que poderia atrapalhar o atendimento, além de cobrar de um salário mínimo a R$ 2,5 mil por mês de cada família. Porém, além da situação presenciada pela Polícia Civil, os internos afirmam que eram agredidos, amarrados e torturados, xingados, humilhados pelos quatro funcionários da clínica. Os relatos das vítimas, segundo Manoel, foram “detalhistas e contundentes”.