GABRIELLA BRAGA
O laudo pericial feito pela Polícia Técnico-Científica do Estado de Goiás (PTC-GO), que apontará as causas do deslizamento de terra em uma construção predial no Setor Marista, em Goiânia, deve ficar pronto em até 20 dias. Peritos de engenharia forense estiveram nesta quarta-feira (17) no local do acidente para colher indícios. Após ser concluído, o parecer será remetido à Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra o Meio Ambiente (Dema), que investiga se houve crime.
Na madrugada desta segunda-feira (15), uma obra da Opus Incorporadora na Rua 1.128 sofreu um deslocamento de maciço de terra, como é tecnicamente chamado pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Goiás (Crea-GO). Dois prédios vizinhos tiveram de ser evacuados. Em um deles, o Edifício Catas Altas, na Rua 1.127, o retorno foi liberado nesta terça-feira (16), mas moradores ainda se sentem inseguros de voltar apenas com um laudo de avaliação do imóvel feito por uma empresa terceirizada pela Opus.
No mesmo dia, residentes no edifício que faz divisa pelos fundos com o terreno de 3 mil metros quadrados (m²) em obras e do Edifício Villa Lobos, logo ao lado da área, registraram ocorrência na Dema. Na ocasião, o delegado Luziano Carvalho solicitou um laudo pericial para apurar as causas do acidente. Até o momento, a incorporadora foi ouvida apenas informalmente, na manhã desta quarta, durante as oitivas no local.
Saneago
Segundo Carvalho, a Polícia Civil aguarda o laudo para levantar hipóteses do que causou o deslizamento de terra. “Quero saber se houve crime, e quem vai falar é a PTC”, pontua o titular da Dema. Representantes da Opus e da Companhia de Saneamento de Goiás (Saneago) devem ser intimados para prestar esclarecimentos, além de outras partes envolvidas.
A Saneago passou a ser citada no caso após hipóteses de vazamento de água serem levantadas como possíveis causas para o deslizamento. Em nota, a incorporadora chegou a mencionar que “fatores externos podem ter contribuído para o incidente, já que no ponto do rompimento do asfalto foi encontrada uma tubulação com grande vazamento de água, e o solo saturado aumenta consideravelmente a carga sobre a contenção.” A companhia nega que tenha relação com o incidente.
Também em nota, a Saneago diz que a adutora de 150 milímetros (mm) de diâmetro, “construída por empreiteira para atender ao Edifício Fluence Marista, encontra-se intacta e não foi afetada pelo desmoronamento”. “No entanto, a rede de água de 75 mm, da qual derivam ramais de 20 mm de diâmetro, que atendem aos demais imóveis da rua, foi danificada com o desmoronamento, gerando um vazamento após o ocorrido.”
A companhia diz que a Opus informou às 4h de segunda-feira (15), cerca de 1h30 após o deslizamento de terra, “vazamento decorrente do desmoronamento, sendo esta a única ocorrência de vazamento registrada no endereço nos últimos dias”. “A narrativa construída pela incorporadora é absurda do ponto de vista técnico e de engenharia, visto que o vazamento ocorreu em decorrência do acidente e não o contrário”, continua a nota. E aponta ainda que está “tomando as medidas cabíveis” em relação aos “fatos levianamente a ela imputados.
Sobre as alegações da Saneago, a Opus informou inicialmente que não iria se manifestar. Depois, encaminhou nota ao DAQUI alegando que "repudia veementemente as acusações da Saneago e esclarece que está realizando os levantamentos necessários para se determinar com segurança as causas do acidente." Em seguida, destacou que "em nenhuma momento a incorporadora apontou causas ou culpados do evento, sendo ela a maior interessada em esclarecer o que de fato aconteceu."
Além da hipótese de que a causa seria um vazamento de água, outros potenciais motivos foram levantados, ainda na segunda-feira (15), pelo presidente do Crea-GO, Lamartine Moreira. Ao jornal, naquele dia, o engenheiro civil chegou a mencionar que a falha na compactação da malha asfáltica retirada para obra de adutora de água, erro no projeto de engenharia, e o próprio peso dos caminhões que passam diariamente pelo local, além das chuvas, podem ter contribuído. Mas para ele, um conjunto de fatores levou ao acidente.
O titular da Dema pondera que houve “interferência humana” e que a situação “não ocorreu de forma natural”, mas ainda não aponta possibilidades. “De forma dolosa (com intenção) claro que não teve. Mas de qualquer forma tem concorrência humana. E pode não ter sido só uma causa”, disse, ainda nesta terça-feira (16). Na ocasião, mencionou ainda que a linha de investigação segue o artigo 256 do Código Penal, que tipifica como crime “causar desabamento ou desmoronamento, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem.”
As causas do acidente serão apontadas no laudo pericial da PTC-GO, e também em laudos emitidos pela Opus. O Corpo de Bombeiros do Estado de Goiás (CBM-GO) foi questionado se faria alguma vistoria técnica, e informou que a participação da corporação é apenas em “questões de prevenções e pânico. “Questões estruturais são com a Defesa Civil”, informa. Nenhum outro órgão da Prefeitura de Goiânia informou se faria algum laudo técnico no local.
O coordenador municipal da Defesa Civil de Goiânia, Robledo Mendonça, explica que a corporação fará um relatório de análise e levantamento de risco dos dois edifícios evacuados. Entretanto, apenas após a ocorrência ser finalizada. “Todo hora é um fato novo”, pontua, ao acrescentar que aguarda o laudo do Edifício Villa Lobos, o mais afetado pela proximidade. A previsão informada pela Opus é de 72 horas, o que deve ocorrer ainda nesta quinta-feira (18).
O presidente do Crea-GO aponta que são necessários ao menos quatro laudos para identificar as causas do deslizamento. “Laudo de ensaios de grau de compactação do material reaterrado, de análise crítica entre obras de contenção e projetos, de análise de solo, com determinação de índice de atrito, e de estudos de resistência do concreto e aço e outras provas documentais e oitivas.” Ainda segundo ele, “qualquer interessado ou parte lesada pode contratar a elaboração de um laudo.” O conselho diz ainda que faz a análise dos dados coletados durante fiscalização da obra, “podendo ser requisitados mais documentos e depoimentos a medida da elaboração do relatório.”
Após o acidente, a obra não foi embargada. O titular da Dema destacou que não viu necessidade de solicitar o embargo da obra. “O que eu precisava era que antes da perícia o local fosse preservado, mas seria um risco também”, pondera, ao explicar o motivo de não ter feito o pedido. O coordenador da Defesa Civil também aponta que não houve embargo, apenas a interdição da via afetada. Conforme eles, caso a obra fosse embargada, não seriam possíveis os trabalhos de contenção. A Opus não respondeu se paralisou os trabalhos da construção.
Saneago diz que obra tinha gato
Após a venda do terreno de 3 mil metros quadrados (m²) entre a Rua 1.128 e a Avenida 136, no Setor Marista, à Opus Incorporadora, o antigo dono da área solicitou à Companhia de Saneamento de Goiás (Saneago), ainda no início de 2023, a retirada definitiva da ligação de água que atendia a três lotes. A informação foi divulgada em nota pela Companhia de Saneamento de Goiás (Saneago) e confirmada pelo reportagem.
“No momento em que os técnicos da Saneago foram ao local para realizar o serviço, foi constatado que o hidrômetro do proprietário anterior já havia sido retirado irregularmente pela construtora, que estava usando água da Saneago de forma indevida. A construtora foi notificada do uso incorreto da rede, o gato foi retirado e a ligação do antigo proprietário, suprimida”, relata, em nota.
A reportagem apurou que a irregularidade foi descoberta ainda em março passado. Ao chegar no local para o serviço de supressão da ligação de água, equipes técnicas da companhia perceberam algumas mangueiras que partiam do ramal à obra.
Em nota, a Opus informou que "não praticou nenhum ilícito ou irregularidade e que adotará todas as medidas cabíveis para que a verdade seja estabelecida."