Pesquisa do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV), divulgada ano passado, mostrou que até o final de 2022 havia mais de 11 milhões de mães solo no Brasil. O estudo também apontou o aumento de 1,7 milhão de mães que criam seus filhos de forma independente no período de 2012 a 2022, passando de 9,6 milhões para 11,3 milhões. Dados complementares do relatório mostram que 15% dos lares brasileiros são chefiados por mães solo. Além disso, 72,4% das mães nesta condição vivem só com os filhos, sem ter uma rede de apoio próxima.
A advogada Ana Luisa Lopes Moreira, que integra o escritório Celso Cândido Souza Advogados, analisa esses dados. “Essa realidade é notada na vida familiar da grande maioria das mães que recorrem aos auspícios da justiça. Tanto mães divorciadas ou separadas de fato, quanto mães solo desde o nascimento dos menores, cujos genitores passam a agir de forma relapsa quanto à educação, presença afetiva e, principalmente, cumprimento com obrigações financeiras para com os filhos, o que acaba sobrecarregando demasiadamente a mãe. A realidade é que as mães solo enfrentam grandes obstáculos em todos os aspectos da própria vida e da de seus filhos”, destaca.
“O papel social e familiar da mãe, no geral, é o mais admirável, pois estas enfrentam as agruras do dia a dia, na dificuldade de sustentar sozinhas, sem colaboração do genitor e sem uma rede de apoio, o emocional, o educacional e os gastos demandados por uma criança ou adolescente. E ainda que diante de tais percalços, em regra, o fazem com toda a dedicação e amor por seus filhos”, salienta a especialista.
Contudo, ela ressalta que as crianças têm direitos e a mãe é a representante legal delas. “Historicamente e até mesmo nos dias atuais, a realidade das mães solo foi e é vista sob uma perspectiva misógina e preconceituosa. Essas mães, além da dificuldade que já enfrentam para criar sozinhas os menores, sofrem, ainda, o olhar julgador da sociedade. Por outro lado, o direito dos filhos é firmemente tutelado pelo Código Civil em seu Subtítulo III, que trata da Prestação de Alimentos, tópico de essencial importância para a garantia do melhor interesse dos menores e da busca pela equiparação de deveres patrimoniais entre os pais. Ainda quanto às crianças, estas têm a sua seguridade tutelada pelo Capítulo XI do Código Civil Brasileiro, que respalda a Proteção da Pessoa dos Filhos, elucidando acerca dos tipos de guarda unilateral e compartilhada; e estipulando parâmetros para a definição das visitas e convívio”, pontua.
Direito a qualquer momento
Algumas mulheres optam por não pedir ajuda do pai da criança no início, seja por imaginar dificuldade na justiça, por uma má relação com ele ou outros motivos. A advogada Ana Luisa Moreira esclarece também sobre essa situação. “Infelizmente é proeminente o número de mães que optam por não envolver o genitor nas responsabilidades quanto aos menores, sejam essas as financeiras ou afetivas. Essa problemática traz inúmeros prejuízos aos menores, de modo que estes se desenvolvem sem a figura e o afeto paterno; além de dificultar sobremaneira a própria vida das mães solo, que passam a arcar sozinhas com todo o necessário para a criação dos filhos. Este problema pode ocorrer por inúmeros fatores, contudo, é fundamental que a mãe, em caso do não cumprimento voluntário por parte do genitor de obrigações, acione a justiça, visando a garantia dos direitos do menor por ela representado e, ainda, garantindo à própria realidade um respaldo mínimo no que tange à equidade necessária na distribuição de todas as complexidades que envolvem a criação, educação e sustento de uma criança ou adolescente”.
A especialista revela que a Justiça busca facilitar a resolução dessas questões. “Atualmente existem núcleos jurídicos de mediação que facilitam bastante a comunicação e a parcimônia entre os pais no diálogo referente à pensão alimentícia e guarda de forma mais célere, além de ser a questão da prestação de alimentos e da definição de guarda objetos de tutela bastante contundentes no Código Civil Brasileiro. É importante salientar que a percepção de alimentos é um direito da criança. Portanto, ao optar por não acionar o genitor para que colabore com a melhor estruturação da criança, está, de certa forma, se negligenciando um direito do menor ”, salienta.
“A mãe solo enfrenta maiores dificuldades para o acesso à justiça, principalmente mães solo de baixa renda. Contudo, podem contar com os benefícios da assistência judiciária, ou seja, da justiça gratuita, para ingressar com as ações em face dos responsáveis pela prestação de alimentos aos menores”, completa.
Em qualquer momento é possível acionar a Justiça para garantir o direito das crianças. “Ainda que a mãe não busque os direitos da criança em tenra idade, a qualquer momento da infância e da adolescência é cabível o ajuizamento de Ação de Alimentos para o fim de estipular o valor a ser pago pelo genitor, chamado de alimentante, ao menor, chamado de alimentado. A prestação de alimentos é inerente ao poder familiar e cessa quando o filho atinge a maioridade. Contudo, persiste a relação parental, calcada no dever familiar; assim, o mero alcance à maioridade civil não exime o alimentante de prestar alimentos, desde que haja prova da necessidade por parte do alimentado”, informa a advogada.
As mães solo sofrem preconceitos, mas Ana Luisa Lopes Moreira pontua que o judiciário tem trabalhado para evitar isso na justiça. “O preconceito de gênero infelizmente é uma questão estrutural e está presente em todas as camadas da sociedade, inclusive no judiciário. Historicamente mulheres solteiras foram taxadas com estigmas sociais que segregam, excluem e depreciam a sua dignidade. Até os dias atuais, certa parcela da sociedade vê com maus olhos a realidade da mãe solo. Contudo, de forma bastante positiva, o olhar social e, consequentemente, o olhar jurídico passou a enxergar as mães solo com maior respeito e amparo à sua situação familiar. Em um aspecto geral há ainda julgamentos sob perspectivas excludentes. Para tanto há Protocolos do CNJ cujo fim é ‘reeducar’ a forma de decidir dos magistrados, como o Protocolo para Julgamento sob a Perspectiva de Gênero, que visa proporcionar aos juízes uma visão mais acolhedora às minorias, afastando-se estigmas sociais estruturalmente maléficos às mulheres e, neste caso, às mães solo e seus dependentes”.