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Médicos cubanos em Goiás esperam voltar a trabalhar

Diomício Gomes
A médica cubana Julieh Paz vende roupas para manter as contas da casa

Uma decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), sediado em Brasília, na sexta-feira (27), em liminar deferida pelo desembargador Carlos Augusto Pires Brandão, retomou o debate sobre médicos cubanos que chegaram ao Brasil para atuar no programa Mais Médicos. A medida beneficia somente os profissionais que ficaram no País após o fim do contrato com a Organização Panamericana de Saúde (Opas), que intermediou a contratação. Em Goiás, muitos deles estão desempregados ou trabalhando em outras funções.

É o caso da médica Julieh Paz Borroto, 46 anos, que vive em Piracanjuba, a 88 km de Goiânia. Ela trabalhava no município dentro dos termos do 20º ciclo do programa, mas o contrato acabou em 2022. Desde 2020 ela faz tratamento contra um câncer de mama e, entre idas e vindas para o Hospital Araújo Jorge, na capital, montou com o marido brasileiro uma loja de roupas. Não deu certo. O que sobrou de mercadoria, ela tenta vender para manter as contas da casa. Julieh não perde a esperança de retomar as atividades como médica.

“Tive de fazer cirurgia de reconstrução da mama. Se tiver que ir para Roraima, no atendimento aos Yanomami, não tenho condições porque não posso abandonar meu tratamento. Meu desejo é continuar em Piracanjuba, onde fui bem acolhida”, salientou. Julieh Borroto está no Brasil desde 2014 e há três anos não vê os filhos de 10, 19 e 28 anos que ficaram em Cuba. “Não tenho condições financeiras, nem mesmo para fazer o Revalida”, lamenta. Por meio do Revalida, médicos formados fora do Brasil podem validar o diploma para exercer a profissão aqui no País.

Como Julieh, Raúl Leyva Vega, que trabalhava no Setor Garavelo, em Aparecida de Goiânia, é um deles. Há nove anos no Brasil e sem atuar como médico desde o final do contrato correspondente ao 20º ciclo do programa, ele conseguiu um emprego numa farmácia do bairro e aguarda a chance de ser reintegrado.

Em 2018, primeiro ano do governo Jair Bolsonaro, quando houve o rompimento do contrato com a Opas, 3 mil médicos cubanos decidiram permanecer em solo brasileiro, até porque muitos haviam constituído família. Sem o registro no Conselho Federal de Medicina (CFM), ficaram sem atuar e partiram para sub empregos ou funções alheias à medicina. Em 2019, foi criada a Associação Nacional dos Profissionais Médicos Formados em Instituições de Educação Superior Estrangeiras e dos Profissionais Médicos Intercambistas (Aspromed) que decidiu reagir.

O advogado da Aspromed, Humberto Jorge Leitão de Brito explica que por sensibilidade do Congresso Nacional foi aprovado em 2019 um artigo à lei do Mais Médicos, assegurando a reincorporação dos profissionais por um período de três anos. Voltaram para o programa, no 20º ciclo, 2.637 médicos cubanos, mas o Ministério da Saúde, aceitou que eles atuassem somente por dois anos, cujos contratos terminaram em abril de 2022. “Ficou claro que o problema deles não era jurídico e sim político”, afirma o advogado.

A Aspromed apresentou ao TRF1 uma ação civil pública baseada em duas teses: o tratamento aos profissionais cubanos foi discriminatório, porque os outros médicos do programa tinham direito a três anos e os contratos foram prorrogados; e as populações que os cubanos atendiam ficariam sem atenção à saúde. “Não deu outra. Somente em distritos indígenas, tínhamos 50 desses médicos”, reforça Humberto Jorge. Na decisão, o desembargador Carlos Augusto Pires Brandão destacou a importância do programa para o atendimento da população que vive em municípios carentes e para auxiliar na crise humanitária envolvendo os indígenas Yanomami.

O desembargador deferiu o pedido de tutela de urgência no sentido de prorrogar os contratos dos associados da Aspromed por mais um ano, a partir do primeiro dia após o vencimento do termo de adesão original de todos os médicos intercambistas que foram reincorporados através do edital nº 9, de 26 de março de 2020. Presidente da Aspromed, o médico Yonnel Gomez Barrer, que mora em Luziânia, disse à reportagem que irá entregar ao Ministério da Saúde a lista de todos os associados da instituição e caberá ao governo decidir quem cumpre os requisitos. “Nosso objetivo final é de que todos trabalhem”, afirmou. O próprio Yonnel está desempregado desde a ruptura do contrato.

O advogado Humberto Jorge acredita que os 2.637 médicos cubanos que integravam o 20º ciclo do Mais Médicos serão incorporados ao programa e terão os contratos prorrogados. “Vai depender do governo federal. Esta é uma questão administrativa”. A ministra da Saúde, Nísia Trindade, já anunciou que o Mais Médicos está dentro da prioridade de sua gestão e que médicos estrangeiros poderão ser contratados, caso não haja interessados brasileiros para ocupar as vagas.

A Aspromed não sabe exatamente quantos médicos cubanos remanescentes do programa Mais Médicos continuam em Goiás. A Secretaria Estadual de Saúde (SES) informou que todos os profissionais médicos cubanos que trabalharam pelo programa Mais Médicos, desde outubro de 2013, encerraram suas atividades. Em 2021, já dentro do 20º ciclo, eram 54 médicos, mas atualmente só restam sete que assumiram as funções por demanda judicial. Atualmente eles estão distribuídos nos municípios de Cristalina, Firminópolis, Goiânia, São Domingos e Valparaíso. Em relação à última decisão judicial, a SES diz que aguarda um posicionamento do MS.

CFM quer Revalida e vai recorrer 

Na segunda-feira (30), o Conselho Federal de Medicina (CFM) divulgou nota afirmando que irá recorrer da medida. Para o CFM, médicos estrangeiros só podem atuar no Brasil depois de aprovados no Exame Nacional de Revalidação de Diplomas (Revalida), exigência prevista pela Lei nº 13.959/19. “Seguindo na mesma linha, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) ingressou com uma ação civil pública para impedir a recontratação de médicos sem revalidação do diploma, para atuar no Mais Médicos. 

“Medida protetiva semelhante é adotada por países como Estados Unidos, Inglaterra, Espanha, França e Portugal, entre outros, como pré-requisito para autorizar a atuação de médicos estrangeiros em território nacional”, diz o CFM. O Conselho cita relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), que teria apontado que “a alocação de participantes do Mais Médicos privilegiou áreas onde já se concentravam médicos com CRM em detrimento dos chamados vazios assistenciais”. 

Com base em dados que teria obtido junto ao Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), o advogado Humberto Jorge contesta a nota do CFM. “Em muitas cidades a cobertura médica despencou. O Mais Médicos chegou a ter 18.240 profissionais em 4.058 municípios, hoje são 9.694 vagas ocupadas. Em 2021, quando o governo de Jair Bolsonaro lançou o programa Médicos pelo Brasil para substituir o Mais Médicos, das 21.527 vagas previstas, apenas 3.802 foram ocupadas. Muito em breve vamos ter um apagão na saúde, principalmente entre as populações mais vulneráveis.” 

As inscrições para a primeira fase do Revalida 2023 terminaram no dia 20 de janeiro. As provas serão aplicadas no dia 5 de março em oito cidades brasileiras. Nesta etapa, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) cobrou uma taxa de R$ 410. O presidente da Aspromed, Yonnel Gomez Barrer, explica que a grande maioria dos médicos cubanos não possuem condições financeiras de arcar com os custos da prova em razão do desemprego.
 
“Como vamos pagar os cursos preparatórios para o Revalida, que custam entre R$ 12 mil e R$ 15 mil? A taxa de R$ 410 é somente para a primeira etapa. Na segunda, cobram quase R$ 5 mil”, afirma Yonnel. Para o advogado Humberto Jorge, que defende a Aspromed, o argumento do CFM, de exigência do Revalida para atuar no Mais Médicos já foi derrubado pelo Supremo Tribunal Federal. “Isso é coisa passada. O STF já declarou que o programa é constitucional. A reação do CFM e do Cremerj é mercantilista. Não vamos ceder a esse ataque.” 

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