Com a retomada do programa Mais Médicos para o Brasil pelo Governo Federal, médicos cubanos que moram em Goiás esperam ansiosos pela oportunidade de voltar a trabalhar em sua área de formação. No estado, são 717 vagas ativas em 162 municípios goianos. Deste total, 173 estão desocupadas, segundo informações da Secretaria Estadual de Saúde (SES-GO).
Enquanto há postos de trabalho sobrando, médicos formados no país caribenho, que decidiram continuar no Brasil mesmo após o fim de seus contratos, precisam procurar outros meios de se sustentar, visto que não podem exercer suas funções como médicos se não possuem registro no Conselho Federal de Medicina (CFM).
Os profissionais poderiam atender de forma particular, em hospitais comuns, por exemplo, se tivessem feito o Revalida, que é a revalidação de diplomas médicos estrangeiros compatíveis com as exigências de formação das universidades brasileiras. Esse é o caso da médica Julieh Paz Borroto, que veio para o Brasil em 2014.
Julieh vive em Piracanjuba, no sul do estado. O contrato dela terminou em 2022 e, para conseguir pagar as contas de casa, montou uma loja de roupa com o marido brasileiro. Mas o negócio acabou não dando certo. Ela conta que ainda tem esperanças de voltar a trabalhar como médica e que é comum ex-pacientes a procurarem em busca de atendimento.
“As pessoas aqui ficaram muito chateadas, pois tinham várias que faziam atendimento comigo. De uma hora para outra, tivemos que parar”, conta a médica. Ela trabalhava no município dentro do 20º ciclo do programa, mas o contrato acabou em 2022 e não foi renovado, diferente do que aconteceu com os outros ciclos do projeto.
Recontratações
Os médicos do 20º ciclo chegaram a ganhar na Justiça Federal o direito de serem recontratados no Brasil por mais um ano. O documento foi assinado em fevereiro pelo desembargador Carlos Augusto Pires Brandão, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). O pedido foi apresentado pela Associação Nacional dos Profissionais Médicos Formados em Instituições Estrangeiras e Intercambistas (Aspromed).
“Quando acabou o contrato, as coisas complicaram, pois além do aluguel da minha casa, também tinha o da loja. Eu trabalhava no posto de saúde e meu marido na loja. Contraímos dívidas e fechei o comércio. Agora tento vender as o restante das roupas aqui em casa para assim conseguir pagar as contas de água e luz”, diz a médica Julieh.
"Eles me procuram para atendimento e eu digo que não posso, pois eu estaria fora da lei”.
Por não ter o diploma válido no Brasil, além da venda das roupas, Julieh também já trabalhou em outras funções alheias à medicina e chegou a levar calote. “Eu atuei como cuidadora de idosos e quando foi para me pagar, disseram que não me pagariam, pois eu era estrangeira e estava trabalhando de forma ilegal. Eu disse ‘não estou como médica, estou cuidando de uma pessoa’. No final, trabalhei de graça. Também dei aulas de primeiros socorros a um bombeiro civil. Ele me pagou só uma parte e até hoje nada mais”, diz a médica.
Julieh conta que está a cinco anos sem ver os filhos que moram em Cuba, pois não tem condições de ir para lá. Eles têm 10, 19 e 28 anos, o mais velho, inclusive, seguiu os passos da mãe e também é médico.
Assim como a médica, Malawy Hernández, também enfrenta dificuldades por não atuar em sua formação. Ela mora em Professor Jamil, no oeste de Goiás. A médica diz que seu contrato terminou em novembro de 2018 e chegou a ir para Cuba para ver a família, mas voltou, pois, é casada aqui no Brasil.
Após o fim do meu contrato, trabalhei em uma farmácia por um ano. Quando chegou a pandemia do coronavírus, fui para o estado do Pará e em agosto de 2020 consegui entrar novamente ao programa através de uma medida provisória. O meu contrato ficou ativo até agosto de 2022”, conta.
Atualmente, ela trabalha como atendente em uma empresa de pedágio.
Malawy chegou no Brasil em 2015 e trabalhou por cinco anos como médica em Goiás. “As pessoas sentem muito a minha falta aqui. Até hoje me procuram e fazem perguntas sobre doenças. Chegam até mesmo a me mostrar exames”, diz a médica.
Chamamento
O advogado Humberto Jorge da Associação Nacional dos Profissionais Médicos Formados Em Instituições de Educação Superior Estrangeiras (Aspromed) explica que os médicos cubanos em Goiás aguardam o chamamento devido a vitória na Justiça e esperam que isso ocorra antes da publicação de qualquer edital do novo programa.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) informou que o Mais Médicos para o Brasil tem como foco profissionais brasileiros e, caso as vagas não sejam preenchidas por esses profissionais, o governo optará por médicos estrangeiros.
“Há médicos cubanos desamparados em Goiás. Nós já passamos ao Ministério da Saúde os municípios em que esses profissionais estão morando. Estamos na expectativa de que até semana que vem essa medida possa ser executada. Isso acontecendo, dezenas de médicos podem retornar ao programa, e poderão trabalhar por pelo menos mais um ano", disse Humberto.