A modelo Jade Fernandes de Oliveira, de 23 anos, disse em coletiva de imprensa, nesta segunda-feira (8), que foi deixada sangrando no porta-malas do carro após o abuso. Ela denunciou ter sido estuprada pelo delegado Kleyton Manoel Dias, titular da 8ª Delegacia Distrital de Goiânia de Goiânia. Segundo Jade, após o ocorrido, Kleyton teria dito que ela estava sangrando e a deixado em casa totalmente nua na madrugada da última sexta-feira (5). O caso está sendo investigado pela Polícia Civil (PC).
Em nota no sábado (6), o delegado disse que repudia as acusações e que se coloca à disposição das autoridades na investigação do caso. Além disso, disse que "irá provar sua inocência" e que está "muito abalado com o ocorrido" (confira a nota na íntegra ao final da reportagem).
O abuso teria ocorrido na madrugada de sexta-feira (5), depois dos envolvidos se conhecerem em uma festa de aniversário de um jornalista em uma boate da capital. Segundo Jade, eles deixaram o local com uma outra mulher, com planos de continuarem a “curtir como amigos” em outro local. Saíram no carro dele, com Jade no banco da frente e a mulher no banco de trás.
No trajeto, a mulher pergunta para Jade se é ‘menino ou menina’, ao que ela responde: “sou boneca”. A miss diz que, depois desse momento, o comportamento do delegado mudou e ele sugeriu que todos fossem para casa. As meninas teriam concordado e disseram que iam pedir carros de aplicativo, mas ele insistiu em deixá-las em casa “em segurança”.
Depois de deixar a mulher em casa, os dois estariam seguindo para a casa de Jade. Segundo a miss, o delegado Kleyton teria exposto o próprio órgão genital enquanto “pedia para gente fazer alguma coisa”. Ela explicou que ele não a ameaçou com arma nem a agrediu fisicamente, mas que “foi ficando mais agressivo”.
Ela disse que foi arrastada do banco da frente pelo delegado e conduzida para o porta-malas do carro, onde o estupro teria ocorrido. Jade descreve o que bebeu naquele dia: uma taça de gin, dois copos de whisky, e, antes da festa, dois espumantes. Ela disse que estava “bem lúcida”, mas as memórias do abuso são “turvas”, por isso, acredita ter sido dopada, mas ainda aguarda o laudo do Instituto Médico Legal (IML).
A única coisa que você espera é que acabe logo e torce para não morrer. [...] Eu só lembro de vultos e sangue, muito sangue”, disse Jade.
Segundo Jade, foi o delegado quem disse após o ocorrido: “você está sangrando”. A miss disse que teria sido transportada sangrando e nua, no porta-malas do carro, até chegar em casa, onde um amigo, Ricardo Amaral Dias, que mora com ela a recebeu. Imagens de câmera de segurança registraram o momento em que ela deixa o veículo. (Veja a seguir)
Eu não estava na minha maior sanidade. A única coisa que eu sabia fazer era chorar. Eu lembro porque eu fiquei assim desde quando eu estava na carroceria do carro, que era pedindo para Deus para eu parar de sangrar. Eu chorava. Eu só falava ‘para de sangrar’”, explica.
Ela diz ter certeza que sua roupa foi arrancada, porque o vestido saía com facilidade, mas ainda estava de cinta e meia-calça quando chegou em casa. “Minha meia-calça estava toda rasgada. Ele [o amigo] me viu segurar meu salto, protegendo minha parte íntima, e segurando meu celular”, disse. O delegado teria voltado à casa de Jade depois para devolver o vestido.
Jade denunciou o delegado, e o caso é investigado pela Delegacia da Mulher (Deaem) com auxílio e acompanhamento da Corregedoria. “Ele acredita na inocência dele e eu acredito na minha verdade”, reitera.
"Do momento em que eu não tenho interesse algum, em que eu me nego a me deitar com homem, eu acredito que seja estupro. Porque eu não acredito que ninguém faça um tipo de relação sexual e joga num carro ensanguentada”, disse Jade.
A advogada de defesa, Kesia Oliveira Souza, informou que o laudo do IML que comprova a conjunção carnal já ficou pronto. “Agora está especificando outros, outras situações, tais como exame toxicológico de sangue para ver se ela realmente foi dopada no fato”, disse.
Dopada e ferida
À TV Anhanguera, Ricardo Amaral Dias, amigo da miss, que mora junto com ela, relatou que Jade chegou em casa dopada e bastante ferida. Ele chamou o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e ela foi levada para um hospital, onde recebeu atendimento médico.
"Estava muito dopada, muito dopada. Então, ela chegou na porta de casa completamente nua, com alguns pertences, que era um sapato e um vestido”, lembra o amigo.
Em nota, a Polícia Civil informou que, assim que tomou conhecimento do fato, adotou todas as medidas necessárias para seu esclarecimento, sendo o caso investigado pela Delegacia da Mulher (Deam), com auxílio e acompanhamento da Corregedoria.
Repercussão
A denúncia de estupro feita por Jade Fernandes causou repercussão e até polêmica nas redes sociais.
"Meu assessor cortou os comentários do meu perfil e não me deixou mais acessar a internet nem canais de televisão”, contou ela.
A Associação de Travestis, Transexuais e Transgêneros de Goiás (Astral) divulgou uma nota.
"Esse caso compõe uma atroz carrossel de desprezo e fúria que vem atormentando a saúde mental e a vida das mulheres cis e trans de Goiás. A Jade, além da violência sexual que sofreu, ainda precisa conviver com comentários maldosos e impertinentes sobre sua identidade de gênero.”
Beth Fernandes, que preside a Astral e a Comissão Municipal dos Direitos da Mulher afirmou que ambos estão à disposição de Jade. “É assustador o que aconteceu”.
Representando a Rede Nacional de Policiais LGBTQIA+ , o policial rodoviário federal Fabrício Rosa afirmou que espera que haja investigação e, que, caso a culpa seja provada, que o delegado seja responsabilidade. "A quem é conferido mais poder, deve-se cobrar com mais intensidade”.
Débora Andrade Camargo da Silva, que preside a Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil - seção de Goiás, informou que está acompanhando o caso e que espera uma investigação rápida e com a devida responsabilidade, respeitando os parâmetros legais.
Em nota nas redes sociais, o Sindicato dos Delegados de Polícia de Goiás informou que “acompanha com atenção o desfecho de procedimentos apuratórios envolvendo seus sindicalizados, ainda que confie veementemente no trabalho isento e imparcial realizado pela Polícia Civil”.
Ainda conforme a nota, “a Constituição Federal assegura a todo e qualquer investigado a garantia de presunção de inocência, por isso o Sindepol-GO repudia a divulgação midiática precoce, e sem amparo legal, de fotografias de Delegados de Polícia”.
A entidade colocou sua assessoria jurídica à disposição do “ofendido para a tomada de medidas reparadoras justas e necessárias”.
O jornalista Rosenwal Ferreira disse que lamenta ter sido “arrastado para uma coisa da qual não tenho culpa nenhuma”. Ele explicou que não grava podcast e que foi procurado por uma amiga de Jade para uma entrevista na rádio em que trabalha, mas que nem isso estava definido.
“Quando ela me ligou contando o que tinha ocorrido, estava confusa. Eu disse para só fazer a denúncia quando tivesse certeza. Mas alguém distorceu essa informação. Falaram coisas inverídicas e nem me procuraram para esclarecimento. Eu não fechei a boate para fazer uma festa e não a desencorajei de procurar a polícia. Jamais faria isso. Tudo o que eu disse a ela, falaria para minha irmã. Eu até me coloquei à disposição dela”.
Jade confirmou o que disse o jornalista. “Ele me ajudou muito”, afirmou.
Medida protetiva
Jade conseguiu uma medida protetiva que obriga Kleyton Manoel a manter distância dela e de sua família. A decisão, obtida pela TV Anhanguera, foi emitida na sexta-feira (5), pelo juiz plantonista Thiago Soares Castelliano Lucena de Castro. O juiz determinou que o delegado:
- permaneça a uma distância mínima de 300 metros da miss e de seus familiares, sem qualquer tentativa de aproximação;
- não entre em contato com a miss ou seus familiares por qualquer meio de comunicação (telefone, WhatsApp, e-mail e outros);
- não frequente os mesmos locais que a miss.
Delegado afastado
Conforme a Polícia Civil, Kleyton Manoel foi afastado das funções e passará a trabalhar em uma unidade administrativa.
Quem é Jade Fernandes
Jade Fernandes é goianiense, mas tinha sido eleita em outubro Miss Ultra Universe Distrito Federal 2023/2024. Também maquiadora, a modelo foi a primeira mulher transgênero a ganhar o título na capital federal.
Nota delegado Kleyton Dias
"De início, repudia veementemente as acusações e se coloca à inteira disposição das autoridades nas investigações que apuram o caso.
Informa que ainda não foi ouvido no inquérito que investiga o suposto estupro. Irá provar a sua inocência e neste momento está muito abalado com o ocorrido, cuidando de sua família, esposa e filho.
Por fim, pede encarecidamente a todos cautela nas conclusões precipitadas, que aguardem as conclusões das investigações no esclarecimento dos fatos, que ao final irá demonstrar a sua inocência."
Nota da Polícia Civil
"A Polícia Civil de Goiás informa que, assim que tomou conhecimento do fato, adotou todas as medidas necessárias para seu esclarecimento, sendo o caso investigado pela Delegacia da Mulher (Deaem) com auxílio e acompanhamento da Corregedoria."