Atualizada às 13h27.
Morreu nesta quarta-feira (7) em Goiânia, aos 75 anos, o advogado e jornalista Luiz Fernando Rocha Lima após enfrentar um longo período de enfermidade. Ex-diretor geral do Grupo Jaime Câmara em Palmas (TO) e em Brasília (DF) e ex-diretor de jornalismo da rede, Nando, como era conhecido, vinha se tratando de um tumor cerebral agressivo, descoberto após contrair Covid-19 no início de 2022. “Ele morreu como merecia, como um rei, de mãos dadas com minha mãe”, contou a filha, Leonora Rocha Lima.
A vida de Luiz Fernando Rocha Lima mudou abruptamente a partir de janeiro deste ano, quando precisou ser internado em razão da Covid-19. A doença foi descoberta no Rio de Janeiro, onde costumava passar temporadas, e o levou para o hospital durante oito dias. Logo que voltou para casa, uma forte dor de cabeça o obrigou a buscar novamente cuidados médicos. Um Acidente Vascular Cerebral (AVC) levou à identificação de um tumor cerebral agressivo. “Ele não queria fazer o tratamento. Tivemos de convencê-lo para que pudesse ter mais tempo com a família”, relata a filha Leonora.
A indicação foi cirúrgica. Um dos dois nódulos detectados foi retirado, mas o procedimento mudou completamente a sua vida. “Mexeu com a parte motora e a visão. Ele já não conseguia ler e a leitura sempre foi a principal atividade na vida do meu pai. Ele ficou muito entristecido.” Segundo Leonora, a memória recente do pai também foi afetada, voltando de forma gradativa a partir da radioterapia.
Ainda em tratamento, Luiz Fernando retornou ao Rio de Janeiro em julho, quando pôde aproveitar alguns dias de praia. Mas a família percebeu que a cada dia ele se tornava mais debilitado, com oscilação de memória e perda de energia. Recentemente, já em Goiânia, voltou a ser hospitalizado durante 13 dias, cinco deles na UTI. “Foi uma piora muito rápida. Ele teve uma pneumonia”, conta Leonora.
“Tivemos uma amizade de 60 anos, desde os tempos de estudantes no Ateneu Dom Bosco. Nando fez a campanha do meu pai para a Câmara Federal, em 1982, e depois passou a assessorá-lo. Quando terminou o mandato, ele continuou em Brasília e se tornou nosso diretor. Nunca perdemos o vínculo. Ele foi um amigo fiel em todos os sentidos. Dentro da empresa seu desempenho foi impecável. Sabia ouvir e dialogar e isso se repetia na relação pessoal”, comentou Jr. Câmara, presidente do Grupo Jaime Câmara.
Tadeu Câmara é um dos amigos de longa data que acompanhou a enfermidade de Nando muito de perto. “Logo que ele deixou o hospital eu e Guliver Leão estivemos com ele. Era o mesmo Nando de sempre, falando, dando opinião sobre a política, mas dois dias depois entrou novamente no processo da doença”, lembra o diretor do Grupo Jaime Câmara. A amizade cultivada em viagens ao Araguaia e ao exterior se fortaleceu dentro da empresa. “Ele era muito competente na coordenação dos trabalhos de jornalismo. Exigente na retidão das linhas de cobertura e passava isso para para a equipe. Acompanhava tudo de perto.”
Diretor do Grupo Jaime Câmara, Guliver Leão se tornou amigo de Nando ainda na infância, quando moravam na Avenida Tocantins. “Foi um amigo de vida, tanto na relação juvenil, quanto na profissional. Temos um grupo de amigos, uma espécie de confraria, que se encontrava toda semana. Um hábito para cultivar uma amizade de mais de 60 anos. É difícil ter essa união, sem conflitos, sem desgaste pessoais. Nando sempre foi uma pessoa combativa, coerente e equilibrada. Sempre lutou por suas convicções.”
Entre a vida pública e a comunicação
Luiz Fernando Rocha Lima nasceu em Goiânia, em 28 de abril de 1947. Foi um jovem atuante nas atividades culturais e esportivas do seu tempo. Aluno de escolas renomadas como Externato São José e Ateneu Dom Bosco, além do Lyceu de Goiânia, estruturou uma formação sólida que o levou ao curso de Direito na Universidade Federal de Goiás, onde se graduou em 1976. Antes disso, porém, dividia seu tempo com os amigos, as alegrias da juventude e pavimentava o caminho profissional.
Ainda em 1966, com 20 anos, começou a atuar no serviço público. Foram muitas instâncias, como escriturário na ProGoiás, depois na autarquia estadual Suplan, mais tarde na Prefeitura de Goiânia até chegar à chefia de gabinete do então governador Leonino Caiado, entre 1972 e 1975. Ali fez história porque foi alçado à condição de coordenador da construção do Autódromo Internacional de Goiânia, do qual foi um dos idealizadores. Luiz Fernando ainda passou pela assessoria da presidência da Saneago entre 1978 e 1983.
O vínculo profissional com o Grupo Jaime Câmara começou em 1988 quando assumiu a diretoria geral no Tocantins. Dez anos depois foi transferido para Brasília, onde até 2000 comandou os veículos do grupo no Distrito Federal. No ano seguinte, tornou- se o diretor geral de jornalismo de toda a rede. Seu afastamento da empresa se deu em 2016.
Durante 16 anos Sandra Vasconcelos foi secretária de Luiz Fernando no Grupo Jaime Câmara. “O profissionalismo e a forma como sempre defendeu o nome da empresa, com carinho e respeito, me chamavam a atenção. Educado e respeitoso, ele tinha muita habilidade para lidar com o meio político e empresarial, sempre preocupado em unificar a linguagem da empresa.” No cotidiano, Sandra lembra das manifestações do pai amoroso, “apaixonado” pelas três filhas.
Um homem bravo e doce na mesma proporção
Casado há mais de 50 anos com a artista plástica, ceramista Regina Lúcia Arantes Rocha Lima, a D. Regina, como gostava de mencionar, Luiz Fernando passou a maior parte da vida num universo feminino. As filhas, a psicanalista Tatiana; a design de interiores Andréia, e a editora de perfumes, Leonora, recordam do pai como um homem bravo e doce na mesma proporção, mas essencialmente firme, ético, educado e humano. Características evidenciadas também por quem conviveu com ele.
“Eu o chamava de meu guru. Quando eu tinha dúvidas recorria a ele e as opiniões eram certeiras. Sempre confiei nele”, afirma o jornalista Arthur Rezende, de quem foi sócio na agência de propaganda RBA, nos idos de 1980, e também parceiro no Clube do Vinho, um grupo seleto de amigos apreciadores da bebida. “Aquele tamanho todo e a fala grossa escondia uma pessoa respeitosa e humilde”, reconhece Arthur.
Ateísmo
Ao longo dos anos de amizade Arthur Rezende nunca se acostumou com o fato de Luiz Fernando não acreditar em Deus. “Ele era um ateu convicto e era um tema que gostava de discutir. Sempre foi cético em relação a Deus. Quanto mais lia sobre religião, e ele lia muito, mais ateu se tornava. Os argumentos dele eram muito fortes e acabaram, de certa maneira, nos influenciando”, diz Leonora.
A família assistiu nos últimos anos o empenho de Luiz Fernando em registrar suas memórias. Em vários momentos, ao computador, ele escreveu sobre suas muitas vivências. No início de outubro, a jornalista Cileide Alves chegou a ser procurada por Leonora para que sentasse com o pai na expectativa de resgatar algumas de suas histórias. “Eu estive com ele e fiquei de voltar dois dias depois, mas ele piorou”, relata. A filha diz que o projeto é reunir os escritos do pai e as lembranças dos amigos para, num futuro, transformá-los em livro.
Além da viúva, Regina Lúcia e das três filhas, Luiz Fernando Rocha Lima deixa seis netos.
‘Nando’ era um dos nossos no jornalismo
Quando Luiz Fernando Rocha Lima deixou a direção geral dos veículos do Grupo Jaime Câmara em Brasília (DF) para se tornar o diretor geral de Jornalismo da empresa a partir de 2001 houve uma certa apreensão na redação. Era uma novidade a mais, entre tantas a que estávamos acostumados a encarar num cenário de incertezas. Mas o processo foi muito suave.
Rapidamente todos nós absorvemos o “Nando”, o apelido afetuoso que não nos caberia se fôssemos seguir à risca o protocolo hierárquico. Baseado em Goiânia, na sede da empresa, Nando estava sempre na redação atento a todos os detalhes, observando, comentando e sorrindo com o olhar sob os óculos, como era natural em seu semblante.
Nós, do “baixo clero”, sabíamos pouco de sua trajetória. Tínhamos como referência a amizade cultivada com Jaime Câmara Jr. e outros diretores da empresa desde muito cedo. Com toda aquela estatura e voz empostada, ele poderia se impor, mas não foi o que fez. “Nando” nunca foi superior a nós, era um dos nossos. Gostava de se sentir um jornalista, como depois sua filha Leonora me confirmou. “Ele sempre demonstrava isso. Gostava de estar na redação e ver o jornalismo acontecer.”
Mais tarde, já afastado do nosso convívio, senti que os vínculos não foram desfeitos. Nos acompanhava pelas redes sociais. Nos anos seguintes, em todos meus aniversários, a mensagem afetuosa de “Nando” estava lá no espaço privado. Um homem de coração gigante que, de forma sutil e respeitosa, sempre achava um jeito de dizer: Sim, você fez a diferença e não me esqueci! (Malu Longo).
Em Os Zambis como Ringo Starr
Luiz Fernando Rocha Lima tinha 17 anos quando enveredou por uma aventura musical influenciada pela revolução liderada pelos Beatles. Naqueles anos de 1960 não havia no mundo jovem indiferente aos acordes disparados de Liverpool. No coração do Brasil, ele se sentiu meio Ringo Starr ao encarar a bateria do grupo Os Zambis - naquela época não se falava em banda. Na formação estavam também os amigos inseparáveis Júnior Câmara, Guliver Leão, César Gordo, Renato Castelo e Antônio Siqueira Júnior, o Banana, os dois últimos arregimentados na fanfarra do Colégio Ateneu Dom Bosco, onde todos estudavam.
Formado em 1964, Os Zambis fez muito barulho com Luiz Fernando (bateria), Jr. Câmara (contrabaixo) Guliver Leão (violão e guitarra solo), César (guitarra base), Renato Castelo (saxofone) e Antônio Siqueira Júnior (piston). O vocal era dividido entre Guliver, César, Renato e Siqueira.
O nome curto dos The Beatles também inspirou o grupo. O nome da trupe precisava ser pequeno, para caber no bumbo da bateria. De Zumbi, que não agradou, veio Zambi, que significa divindade, o deus supremo do candomblé bantu, mas na época eles não sabiam disso. A banda fazia shows, tocava em festivais e abriu apresentações de cantores renomados em Goiânia, como Roberto Carlos, Ronnie Von, Wilson Simonal e Leno e Lilian. De vez em quando embarcavam no trem para shows no interior em cidades como Pires do Rio e Catalão.
“Eles se apresentavam muito no meu programa, A Juventude Comanda”, lembra o jornalista Arthur Rezende. No ar entre 1964 e 1969 na TV Anhanguera, do Grupo Jaime Câmara, A Juventude Comanda era um programa voltado para música jovem, como o efervescente e então inovador rock’n roll.
Os ensaios eram sempre no quarto de Gulliver, na residência da família na Avenida Tocantins. Depois, com o dinheiro do cachê entrando, o que possibilitou a compra de novos instrumentos, o grupo ganhou novo espaço para os treinos: a garagem da casa. Foram dois anos intensos, mas com a necessidade de buscar caminhos profissionais consistentes, Os Zambis colocaram um ponto final na aventura em 1966.
Um dos idealizadores do Autódromo de Goiânia
Ainda sem saber da gravidade da doença de Luiz Fernando Rocha Lima, o presidente da Federação Goiana de Automobilismo (Faugo), Sérgio Crispim, comunicou à família que gostaria de homenageá-lo por ocasião dos 50 anos do Autódromo Internacional de Goiânia, em julho de 2024. Apaixonado por automobilismo, esporte que já era uma febre em competições nas vias centrais de Goiânia, ele foi um dos idealizadores do circuito e colaborou no desenho da pista, inaugurada em 28 de julho de 1974.
“Ele lutou muito pela construção do autódromo, gerando oportunidades, empregos e levando Goiânia para o circuito nacional de automobilismo. A nossa pista é muito elogiada por pilotos de todo o país, a forma como ela foi desenhada. É uma pista excepcional”, salienta Sérgio Crispim, que conheceu Nando ainda na infância. “Tenho dele as melhores lembranças. Sempre foi uma pessoa alegre e brincalhona. Uma pessoa maravilhosa”.
Luiz Fernando, que foi um dos fundadores da Faugo, presidiu a entidade em duas ocasiões: entre 1972 e 1976 e mais tarde entre 1983 e 1987. No período de 1985 e 1987 foi também vice-presidente da Confederação Brasileira de Automobilismo.