Dezenas de motociclistas realizaram, na noite desta quarta-feira (1º), um protesto no ponto onde um colega foi arrastado pela enxurrada há dois dias, no Jardim América, em Goiânia. A maioria dos manifestantes era formada por entregadores de aplicativo, que se dizem revoltados diante da informação de que não há previsão de nenhuma intervenção estrutural no local mesmo após a morte de Warley de Melo Adorno, de 22 anos.
O ponto em que o motociclista caiu fica na Avenida C-107 no trecho em que passa pela Rua C-190. O local já conhecido pelos alagamentos tem vão que dá acesso do fluxo de chuvas para dentro do Córrego Cascavel, local para onde Warley foi arrastado. A área já era conhecida pelos motoristas, que tinham visto um colega entregador se salvar após cair no mesmo local no ano passado, também durante uma chuva. Diante da morte desta semana, a cobrança é de que ações sejam implementadas para que novas tragédias não ocorram.
Um dos manifestantes, Murilo Ferraz, de 32 anos, entregador de aplicativo, diz que ele e os colegas sentiram um “tapa na cara” diante da inação após o caso. “O ser humano em Goiânia está virando esgoto, sendo arrastado pela enxurrada e levado para dentro de bueiro. Um companheiro nosso perdeu a vida e dizem que não vão fazer nada?”, questiona o entregador.
Um outro motociclista que participava do protesto nesta quarta disse que a manifestação buscava justiça por todos os motoristas de Goiânia. “A Prefeitura é a primeira a multar, mas não cumpre com suas obrigações. Isso para nós era uma tragédia anunciada e não dá para aceitar”, reclamou.
A Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seinfra) diz que técnicos realizaram inspeção no local após o acidente e constataram que a estrutura está de acordo com as normas. A área aberta conta com grades de proteção contra o impacto de veículos, o chamado guard rail. A estrutura foi instalada a cerca de dois meses e, segundo a Seinfra, serve para que carros não sejam arrastados para a margem, mas não foi projetada “para contenção de pedestres e motociclistas”.
Em reiteradas notas, diferentes pastas da Prefeitura de Goiânia dizem, após o acidente, que para a área o indicado aos motoristas é não enfrentar a chuva e evitar passar pelo local, já que é conhecido pelos alagamentos. No entanto, não há nenhuma placa indicando que a área está sujeita a alagamentos, ponto esse que é destacado pelo entregador Murilo Ferraz. “Colocam a responsabilidade para o motorista e não tem nenhuma sinalização informando esse risco”, aponta.
A Defesa Civil do município informou nesta quarta que a Secretaria Municipal de Mobilidade (SMM) irá instalar as placas de ponto de alagamento.
O secretário municipal de Infraestrutura, Denes Pereira Alves, disse à TV Anhanguera nesta quarta que, apesar da análise de que a estrutura está de acordo com as normas, equipes estão na região para avaliar o que pode ser feito para melhorar. “Nós fizemos uma avaliação com nossa equipe de engenharia, equipe técnica e eles entenderam que, naquela localidade, o guard rail estava na especificação que as normas determinaram, mas estamos avaliando toda região para ver no que podemos avançar e evitar uma tragédia”, disse.
Intervenções
A reportagem buscou engenheiros e urbanistas para avaliar quais as possíveis intervenções emergenciais que poderiam evitar novos casos. A análise geral é de que de fato não existe uma saída simples e clara para resolver o problema. Todas as intervenções estruturais precisam seguir normas técnicas, destacam os entrevistados. Não há nas normas, por exemplo, previsão de instalação de grades para fechar o vão por onde o corpo de Warley passou.
A arquiteta e urbanista Simone Buiate, conselheira do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás (CAU/GO), diz que intervenções estruturais sem observar as normas podem colocar motoristas em risco. No entanto, Simone diz que a falta de placas sinalizando que a área está sujeita a alagamentos é grave, podendo a instalação evitar casos parecidos. Já para a solução definitiva, ela destaca que são necessárias intervenções visando o longo prazo.
“Precisa-se adotar outros sistemas de captação da água para evitar esse transtorno. É possível colocar pontos de captação antes desse ponto”, diz Simone ao citar como exemplo os chamados jardins de chuva, estruturas já existentes na Praça Universitária. “Seria uma reforma urbana em um sentido mais amplo. Não será a curto prazo, isso leva tempo”, complementa.
A Defesa Civil diz que, juntamente com as secretarias municipais de Mobilidade e Infraestrutura, busca formas de minimizar os riscos nos pontos de alagamentos na cidade. “Entre as medidas, estão o reforço na sinalização e instalação de proteção nos pontos de alagamento”, afirma.
A Seinfra diz que realiza monitoramentos constantes nos pontos de alagamento e faz limpeza periódica das bocas de lobo para evitar o acúmulo de água das vias. “Porém, sempre que há chuva com grande volume, como a que ocorreu no domingo (29) e na segunda-feira (30), as águas levam material terroso para as bocas de lobo e galerias. Por isso, nova intervenção tem de ser realizada”, pontua.
Trânsito da região passou por mudança ano passado
Na esquina da C-107 com a Rua C-190, ponto quase exato onde o motociclista perdeu o equilíbrio, fica a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA). Trabalhando no local há 10 anos, Nilton Cezar Salgado, agente da Polícia Civil, diz que o acidente foi uma tragédia anunciada. “Todos os anos quando ocorre um volume maior de chuva, algum transtorno acontece”, diz ao lembrar que é comum ver carros terem problemas mecânicos quando tentam passar e enfrentam o excesso de água na pista.
A situação do local, segundo Nilton, ficou ainda mais perigosa após intervenção de trânsito realizada no ano passado. A Rua C-190, que faz esquina com a C-107, foi transformada em mão única, sendo proibido o acesso de motoristas da C-107 para a C-190. “Quando era via de mão dupla funcionava como rota de fuga durante os alagamentos”, explica o agente ao detalhar que era comum ver motoristas optando por pegar a C-190 para não enfrentar a força da água.
No entanto, a Secretaria de Mobilidade destaca que o trecho da C-107 entre a C-190 e a C-120, rua anterior a C-190, se tornou de mão dupla no pacote de mudanças implementado no ano passado. Dessa forma, segundo a pasta, é possível que os motoristas em situação de risco durante uma situação de alagamento retorne pelo sentido oposto da C-107, mesmo que o retorno não seja permitido em situação de normalidade.
O gerente de Educação para o Trânsito da SMM, Horácio Ferreira, diz que se é para salvar a vida, o motorista pode tomar qualquer medida corretiva. “No entanto, a melhor atitude seria a preventiva que levaria o condutor a evitar o enfrentamento da enxurrada”, diz o gerente.
A Secretaria de Mobilidade diz que a Rua C-107 passou a ter sentido duplo no trecho entre a Rua C-190 e a Rua C-120 para acesso à ponte da Avenida dos Alpes de quem trafega no sentido Leste/Oeste, na chamada primeira etapa das melhorias do Jardim América, não havendo previsão de alterações imediatas no trânsito da área.