Denúncias de fraudes levaram o Ministério Público de Goiás (MP-GO) a recomendar à Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP) que suspenda por 90 dias o Programa de Remição de Pena pela Leitura na Penitenciária Coronel Odenir Guimarães (POG).
O direito, regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), prevê que a cada obra lida o custodiado pode reduzir quatro dias de sua pena. A adulteração de grafias em resenhas de obras literárias foi identificada em pedidos de remição de pena a cargo da 1ª Vara de Execução Penal de Goiânia.
O pedido de suspensão partiu do promotor de Justiça Lauro Machado Nogueira, em substituição na 25ª Promotoria de Justiça de Goiânia, que atua na área de execução penal. Ele explicou ao Daqui que há alguns meses foram identificadas três letras diferentes de um mesmo detento e textos similares em dois processos de pedidos de remição de pena encaminhados à 1ª Vara de Execução Penal.
Comunicada, a DGAP abriu uma sindicância e por consequência 40 procedimentos administrativos disciplinares para apurar a possível conduta dolosa desses custodiados.
O promotor de Justiça expediu ofício ao superintendente da Polícia Científica, Ricardo Matos da Silva, para que dentro de dez dias sejam realizados exames de perícia grafotécnica nos documentos. O objetivo é verificar se as resenhas de obras literárias foram produzidas pelos custodiados em questão ou por outras pessoas.
“A fraude é gritante, é visível a olho nu. Pedimos a perícia para ter a prova”, destaca Lauro Machado. As 40 possíveis fraudes identificadas pela DGAP envolvem um universo de 1.300 apenados da POG que se beneficiam do programa.
“Não é uma estatística irrelevante. Se esses foram identificados, o número pode ser muito maior até porque há o carimbo da servidora. Acredito que não houve um pente-fino em todos os casos, por isso pedi a suspensão para que possamos analisar o rigor que está sendo aplicado”, enfatiza o promotor de Justiça. Na resposta que encaminhou ao MP, a DGAP explicou que a POG não possui espaço físico suficiente para a realização dos trabalhos e que os textos são corrigidos um a um.
“Recomendamos a suspensão para evitar maiores fraudes e para que possamos identificar os gargalos e melhorar a estrutura”, disse Lauro Machado.
Em nota, a DGAP informou que trabalha constantemente na melhoria dos procedimentos de fiscalização interna, de modo a evitar a conduta dolosa de apenados.
Os 40 custodiados que podem ter cometido fraudes no Programa de Remição da Pena pela Leitura, segundo a DGAP, “poderão responder por falta grave”. O órgão explicou ainda que busca parcerias com a Secretaria Estadual de Educação para ampliar os programas de remição de pena pelo estudo e que dentro da POG existe uma biblioteca recém-inaugurada com um acervo de pelo menos 20 mil livros à disposição dos custodiados.
O promotor de Justiça Lauro Machado ressaltou que não analisa a questão sob o ponto de vista de má fé por parte de qualquer servidor do sistema penal. “Até porque para obter o benefício, a solicitação precisa passar pelo promotor de Justiça e pelo juiz e por isso que a fraude foi descoberta. Não há indícios de conivência de servidores. Estou indo mais pela vulnerabilidade, pela forma de avaliação que permite uma fraude".
Segundo ele, o MP vai atuar junto com a DGAP para viabilizar a adequação da estrutura física da POG para que o programa seja retomado.
Modelo de relatório está em Orientação Técnica do CNJ
Desde 2011, quando a lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal) foi atualizada, foi permitido que a educação do apenado e não apenas o trabalho seja revertida em menos dias da condenação a cumprir. Em 2013, a recomendação nº 44 do CNJ estabeleceu os parâmetros para fins de remição de pena pelo estudo e previu sua equivalência para a leitura. Pessoas privadas de liberdade podem ler e resenhar obras literárias para reduzir os dias de pena.
Pelos parâmetros, cada obra lida corresponde à remição de quatro dias de pena, limitando-se, no prazo de 12 meses, a até 12 obras efetivamente lidas e avaliadas, com a possibilidade de remir até 48 dias por ano.
Em julho do ano passado, o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do CNJ publicou a Orientação Técnica nº 1/2022, sugerindo fluxos de trabalho de como reconhecer e contabilizar atividades de estudo e leitura para a remição de pena. A Orientação Técnica apresenta um modelo de Relatório de Leitura, que deve ser o único documento exigido como comprovação da atividade de leitura da pessoa em privação de liberdade.
Em Goiás o Programa de Remição da Pena pela Leitura, resultado de uma parceria entre a DGAP, o MP-GO, o Tribunal de Justiça e a Seduc, está implantado em todas as 88 unidades prisionais. Os números mostram que em 2023, até o dia 31, foram realizadas 18.829 remições de pena em todo o estado. A população carcerária de Goiás é de 21.062 presos. Alguns presídios contam também com extensões escolares, como o Colégio Estadual Dona Lourdes Estivalete Teixeira, na POG, onde os custodiados participam de aulas regulares.