A diarista Amanda de Souza Dias, de 29 anos, mãe de quatro filhos, moradora de Senador Canedo, na região metropolitana de Goiânia, levou um susto há dois meses. Ela descobriu que estava grávida pela quinta vez, mesmo após ter feito laqueadura em dezembro de 2021, no Hospital Municipal de Hidrolândia. “Eu não esperava. Estava fazendo planos de construir uma casa para minha família, em um lote que acabamos de comprar.” Desde então, com risco de eclâmpsia e lidando com problemas psiquiátricos, a diarista busca respostas para o procedimento mal sucedido.
Amanda conta que após quatro cesarianas, uma amiga sugeriu que ela fizesse a laqueadura. O procedimento foi realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na unidade de saúde de Hidrolândia onde a amiga é servidora. Quando soube da gestação, já com três meses, a diarista esteve no Hospital Municipal de Hidrolândia para conversar com o cirurgião. “Ele me disse que a trompa que foi retirada poderia reconstituir e me ofereceu o pré-natal”, relata. Logo em seguida, Amanda recebeu em sua casa uma assistente social que levou uma caixa de leite e uma cesta básica. “Ela tirou fotos de tudo aqui, dos meus documentos, da minha casa e dos meus laudos psiquiátricos. Depois me disse que meu problema não é a gestação.”
São poucos os documentos obtidos pela diarista no Hospital Municipal de Hidrolândia. A grande maioria consta que ela esteve na unidade em várias ocasiões no mês de julho, quando soube da gravidez. Ela conta que tentou obter o prontuário da cirurgia e ouviu da diretora geral que a unidade não tem obrigação de fornecer o documento por se tratar de procedimento sigiloso. “Como assim? Foi a minha cirurgia”, questionou Amanda. Entre os comprovantes de que ela fez a cirurgia no hospital está um prontuário hospitalar e um atestado assinados pelo médico clínico geral e cirurgião, Alibert de Freitas Chaves.
A diarista mora na periferia de Senador Canedo em dois cômodos, quarto e sala. Nesse pequeno espaço tenta acomodar os quatro filhos - de 3 a 14 anos - além dela e do marido, que trabalha como coletor de lixo. “Eu estava fazendo faxina, mas o médico disse que não estou em condições de trabalhar por causa do risco de descolamento da placenta. Só Deus e eu sabemos o que estou passando. Eu tinha planos, mas com esta gravidez tudo mudou. Há dias que não temos o que comer em casa.” Amanda explica que desde o nascimento da caçula vem lidando com problemas relacionados à depressão pós-parto, um inconveniente que tem reflexos na criação dos filhos.
Eficácia
Em nota, a secretária de Saúde e Saneamento de Hidrolândia, Girlaine Araújo Silva, confirma que Amanda de Souza foi submetida a uma laqueadura no Hospital Municipal da cidade. “Antes da cirurgia ela assinou um termo de consentimento que alertava sobre a não garantia de 100% de eficácia do método”, diz o comunicado.
Segundo a secretária, a taxa de falha gira em torno de “0,41%”, fato que foi mencionado no termo assinado pela paciente. A nota diz ainda que o cirurgião orientou a paciente sobre a possibilidade de reconstituição da trompa “devido à sua condição de saúde”.
Conforme a secretária, Amanda retirou seu prontuário da unidade de saúde no dia 7 de agosto deste ano, ao tomar conhecimento da quinta gravidez. “No dia 16 de agosto foi realizada uma reunião com a equipe administrativa e médica, na qual foram reiterados os esclarecimentos sobre a efetividade do procedimento.”
Nesse encontro, de acordo com a nota, foi oferecida a Amanda a assistência integral no acompanhamento do pré-natal, o que foi dificultado pelo fato de a família não residir no município e sim em Senador Canedo. A nota não mencionou o motivo da assistente social ir à residência da paciente.
Médico ginecologista e obstetra e especialista em reprodução humana, Waldemar Naves do Amaral confirmou que a técnica da laqueadura pode ter falhas. Em média, a sua eficácia varia de 92% a 99%. “Pode acontecer a recanalização espontânea pós-laqueadura, um fato raro, mas ocorre. A culpa não é do médico, da paciente ou do hospital. Isso é da biologia humana”, afirma o médico que é o 1º Secretário do Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego).
Este também é o posicionamento do médico Mario Approbato, coordenador do Laboratório de Reprodução Humana da Faculdade de Medicina e do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás. “A recanalização espontânea é possível, mas muito rara. Para checar a eficácia da laqueadura, o ideal é fazer, após o parto, um exame chamado histerossalpingografia que mostraria se em um dos lados houve recanalização.”