A passagem da tempestade tropical Ida pelo Nordeste dos EUA na noite desta quarta (1º) deixou ao menos 43 mortos, de acordo com as informações oficiais mais recentes. Governadores de Nova York, Nova Jersey e Connecticut decretaram estado de emergência após as consequências do fenômeno, que já é considerado um dos maiores eventos climáticos extremos observados nos EUA nas últimas décadas.
Entre as vítimas, 15 morreram no estado de Nova York, sendo 13 delas, com idades de 2 a 86 anos, na cidade de Nova York —a maioria no bairro do Queens. Outras 23 pessoas foram encontradas mortas em Nova Jersey, e ao menos 4 morreram na Pensilvânia. Houve ainda uma vítima em Connecticut, um agente da polícia estadual de 26 anos, que morreu em Woodbury após seu carro ser levado pela água.
A polícia do estado de Maryland afirmou que a morte de um jovem de 19 anos pode ter sido causada pelas inundações. Segundo os oficiais, ele foi encontrado morto em um apartamento inundado e, enquanto o relatório da autópsia não for concluído, a morte pode ser atribuída à tempestade.
O bairro do Queens em Nova York registrou cenas de desespero, enquanto as inundações causadas pelo Ida transformaram espaços em comuns em armadilhas. Moradora da região, Deborah Torres relatou ao New York Times ter ouvido as súplicas de três membros de uma mesma família, presos em um porão.
Enquanto a água invadia o prédio por volta das 22h nesta quarta, ela ouviu um deles ligar para outro vizinho, Choi Sledge, que implorou para que eles fugissem. A essa altura, no entanto, a força da água já era muito forte, impedindo qualquer um descer para ajudá-los. "Era impossível", lembra Torres. "Era como uma piscina." A família não sobreviveu.
O prefeito de Nova York, o democrata Bill de Blasio, descreveu as enchentes e o clima observado na quarta como um "evento climático histórico", após o Serviço Meteorológico Nacional emitir cinco alertas seguidos de inundação repentina para todo o trecho do oeste da Filadélfia ao norte de Nova Jersey.
Mais de 150 mil residências estão sem energia elétrica —de acordo com a plataforma PowerOutages.US, que monitora o assunto, cerca de 43 mil consumidores foram impactados em Nova York, e outros 61 mil em Nova Jersey.
As chuvas transformaram em rios ruas e estações de metrôs, que tiveram plataformas e trilhos inundaos, com cenas registradas nas redes sociais. Quase todas as linhas foram suspensas. O presidente da Autoridade Metropolitana de Transportes, Janno Lieber, ao comentar as interrupções no serviço público, descreveu o fenômeno como uma "tempestade épica".
Assim, autoridades locais orientaram as pessoas a não transitarem pelas ruas, a pé ou de carro, devido à intensidade das chuvas e dos ventos, e os veículos não emergenciais foram proibidos de circular nas ruas da cidade até às 5h do horário local.
A autoridade de trânsito nova-iorquina chegou a orientar que aqueles que estivessem presos em vagões de trem neles permanecessem. "É o lugar mais seguro para estar", escreveu o serviço em uma rede social.
As inundações constituem o primeiro grande desafio a ser enfrentado pela governadora de Nova York, Kathy Hochul, que assumiu há menos de um mês após o democrata Andrew Cuomo renunciar, pressionado por denúncias de assédio sexual. Durante entrevista nesta quinta (2), Hochul disse que "é a primeira vez que temos um evento relâmpago de inundação dessa proporção".
O volume de chuvas registrado durante a passagem da tempestade Ida já é considerado recorde em diferentes regiões. No Central Park, que tem registros meteorológicos desde 1869, a chuva registrada na quarta quebrou o antigo recorde, de 1927. Na cidade de Newark, em Nova Jersey, o recorde anterior, de 1959, também foi superado.
Ao comentar a destruição, o presidente Joe Biden classificou o furacão Ida como o quinto maior da história americana. O democrata agradeceu aos socorristas, que têm resgatado as vítimas das fortes chuvas, e disse que um amplo plano de ajuda federal já está sendo posto em prática.
Na quarta, a Organização Meteorológica Mundial (OMM), braço das Nações Unidas para questões do clima, afirmou que o Ida pode se tornar o desastre climático mais caro da história, superando inclusive o furacão Katrina, que há 16 anos deixou cerca de 1.800 mortos.
Levantamento do Centro Nacional de Furacões dos Estados Unidos feito em 2018 apontou que o Katrina provocou danos que chegaram a US$ 125 bilhões (US$ 173,75 bilhões hoje, no valor corrigido pela inflação, ou R$ 902 bilhões na cotação atual). A conta leva em consideração impactos na agricultura, perdas individuais e gastos do governo na reparação dos danos.
A declaração foi dada pouco após a OMM lançar um relatório global demonstrando que a ocorrência de eventos climáticos extremos aumentou cinco vezes nas últimas cinco décadas. As inundações, causa das mortes em Nova York e Nova Jersey nesta quarta, são o tipo de fenômeno mais frequente. Dos mais de 11 mil desastres climáticos registrados de 1970 a 2019, elas corresponderam a 44%.
Outros documentos embasados pela comunidade científica também acendem o alerta para a emergência climática. O último relatório da Avaliação Nacional do Clima, feito por agências federais americanas, indicou que o aumento da precipitação extrema é projetado para todas as regiões dos EUA nas próximas cinco décadas, em especial no Centro-Oeste e no Nordeste americanos.
"O ar mais quente pode conter mais vapor de água do que o ar frio. Análises globais mostram que a quantidade de vapor de água na atmosfera aumentou tanto sobre a terra quanto para os oceanos nas últimas décadas", diz um trecho do documento. Assim, a mudança climática altera as tempestades, cuja ocorrência já é comum em latitudes médias, onde está localizada a maior parte do território americano.
Relatório do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU) divulgado no início de agosto também trouxe projeções preocupantes sobre o tema. Comparando a situação atual com a de 1850, o órgão calculou que o volume de água das tempestades já é 6,7% maior —e pode chegar a 30,2% no pior cenário.
Antes de chegar a Nova York, o Ida, então um furacão, já havia avançado sobre os estados de Louisiana e de Mississippi no início da semana, onde deixou seis mortos e destruiu o sistema elétrico. Até o momento, mais de 900 mil casas e empresas de Louisiana estão sem energia elétrica. Em todo o país, são cerca de 1,2 milhão de consumidores sem energia.
Segundo o governador do estado, o democrata John Bel Edwards, cerca de 600 mil pessoas estavam sem acesso a água em Louisiana, que tem cerca de 4,6 milhões de habitantes. Outras 400 mil foram aconselhadas a ferver a água da torneira antes de bebê-la. Embora a maioria dos hospitais locais —já lotados de pacientes com Covid-19— não tenham sido atingidos pelo furacão, muitos agora funcionam com geradores, e outros tiveram de transferir os pacientes para um local mais seguro.
Em Houma, cidade localizada na paróquia de Terrebonne, o prédio do Sistema Geral de Saúde foi abandonado depois que a chuva arrancou o telhado e inundou o interior, e as ambulâncias usaram o estacionamento como área de espera para responder a chamadas de emergência, segundo informações da agência de notícias Reuters.
Autoridades nacionais não projetam que a situação seja menos difícil nos próximos dias. Em entrevista à rede americana CNN, Deanne Criswell, chefe da Agência Federal de Administração de Emergências (Fema, na sigla em inglês), disse já ter alertado o presidente Biden. "Ida vai continuar. Ela tem deixado seus rastros pelo país, e por isso ainda não estamos fora de perigo."
O furacão, agora uma tempestade tropical, dá sequência a eventos extremos que têm causado mortes e perdas econômicas nos EUA no último mês. No estado do Tennessee, no sul do país, chuvas recordes provocaram enchentes que mataram mais de 20 pessoas há pouco menos de duas semanas.
Um incêndio florestal no norte da Califórnia se aproxima do lago Tahoe, um dos principais pontos turísticos da região. Na segunda, os 22 mil habitantes de South Lake Tahoe, onde está localizado o lago, foram obrigados a deixar a área após as chamas atingirem uma cadeia de montanhas próxima à região.