O Ministério Público de Contas (MPC) quer que a Prefeitura de Goiânia cumpra o que determina a lei municipal 10.462, de fevereiro de 2020, e inclua nos contratos com empresas para prestação de serviços e execução de obras a garantia de que 5% das vagas de mão de obra não especializada para o objeto do contrato seja reservada a pessoas em situação de rua. O Paço Municipal tentou, sem sucesso, derrubar a proposta, seja vetando o projeto aprovado em 2019 seja questionando-a judicialmente.
O procurador-geral de Contas, Henrique Pandim Barbosa Machado, pede ao Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás (TCM-GO) que determine que a administração municipal, em 20 dias após a notificação, caso seja concedida, inclua a cláusula de reserva de vagas em todos os atos preparatórios, editais de licitação e contratações diretas por dispensa ou inexigibilidade de licitação.
Henrique também solicita que a Prefeitura elabore uma lista de pessoas em situação de rua habilitadas para contratação e a disponibilize em seu site e em locais de ampla circulação de pessoas, fazendo a divulgação desta ação considerada afirmativa e de relevância social pelo MPC.
“É nítido o aumento da população de rua na capital do Estado, sobretudo após a pandemia do Covid-19. Em que pese a deficiência na coleta de dados, ocorrida por motivos práticos, dados apresentados pela SEDHS em 2021 contabilizou, de março a agosto de 2021, um aumento de 33% na população que vive nas ruas, totalizando cerca de 1.600 pessoas. Daí a importância de o Tribunal de Contas participar como agente indutor de tais políticas públicas, fazendo valer suas atribuições constitucionais e garantindo o cumprimento do princípio da legalidade”, escreveu o procurador.
A proposta foi apresentada como projeto de lei pelo presidente da Câmara, vereador Romário Policarpo (Patriota), em março de 2019, e aprovada em outubro do mesmo ano. Dois meses depois, os vereadores derrubaram o veto dado pelo então prefeito Iris Rezende. No final da gestão do ex-prefeito, o Paço entrou na Justiça com uma ação de inconstitucionalidade contra a lei.
Em novembro de 2021, a Justiça chegou a acatar um pedido do executivo e suspendeu os efeitos da lei até que o mérito da ação fosse analisado. Um ano depois, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) julgou a ação improcedente e manteve a lei em vigor. A Prefeitura entrou com recurso e em fevereiro deste ano sofreu uma nova derrota. Apesar de ainda estar em fase recursal o processo judicial, para o MPC não cabe mais discussão sobre a constitucionalidade.
“O que a Câmara Municipal de Goiânia propôs, com a aprovação da legislação em comento, foi consolidar uma ação afirmativa, em prestígio à dignidade da pessoa humana, bem como ao princípio da solidariedade”, afirmou o procurador de contas na petição.
Ao apresentar o projeto de lei, o vereador argumentou que a intenção era assegurar o ingresso no mercado de trabalho às pessoas em situação de rua cadastradas e assistidas pelos serviços conveniados ou reconhecidos pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano e Social (SEDHS).
“Não adianta essa política da Prefeitura de hoje que apenas cede espaço para alimentação e banho desses moradores de rua. Nós temos que fazer a reinserção deles na sociedade”, comentou Romário na época em que o veto foi derrubado, segundo nota divulgada pela Câmara.
À reportagem, a Prefeitura reforça o argumento de que a lei é inconstitucional, por violar pontos da Constituição Federal que estabelecem “competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho e normas gerais sobre licitação e contratos administrativos” e da Constituição Estadual que atribuem ao prefeito a “competência privativa para dispor sobre estruturação, atribuições e funcionamento dos órgãos da administração municipal”.
O executivo afirmou também que, por não ter sido concedido efeito suspensivo ao recurso proposto judicialmente, está se adequando à lei citada pelo MPC para “realizar o seu cumprimento até a decisão final do processo” que tramita na Justiça.