A morte do padre Jesus Flores, de 88 anos, no último sábado (13) abalou toda a comunidade católica goiana. Das 13 pessoas que moravam com o padre no Convento Redentorista Divino Pai Eterno em Trindade, dez eram padres e cinco foram infectados pela doença. Um ainda continua internado.
A primeira pessoa a testar positivo da casa foi o padre Geraldo Teixeira, de 65 anos. Depois, veio o resultado positivo do padre Henrique Demartini, de 80 anos. A seguir, o padre Jesus positivou para doença e, em seguida, foi a vez do padre José Zamuner, de 81 anos e do padre Welliton Silva, de 34.
O padre Jesus testou positivo para a doença no dia 6, uma segunda-feira, depois de passar mal no dia 4. Ele teve dois desmaios enquanto celebrava uma missa durante a manhã, no Carmelo, em Trindade. Na terça-feira (7), ele foi internado. “O que nos assustou muito foi a rápida evolução da gravidade do quadro dele”, diz Welliton Silva.
Dos outros quatro sacerdotes infectados, apenas Zamuner também foi hospitalizado. No momento, ele possui sintomas leves da doença e está internado em uma enfermaria. Teixeira já se recuperou e recebeu alta. Welliton segue em isolamento, mas sem sintomas. Já Demartini, que também está isolado, ainda apresenta sintomas leves da doença.
Jesus ficou internado por cinco dias no Hospital do Coração, em Goiânia, antes de falecer. Tanto ele, quanto todos os outros padres que viviam com ele já haviam tomado as duas doses da vacina contra a Covid-19. Entretanto, além da idade avançada, tinha problemas cardíacos.
Welliton conta que o fato do padre ter morrido por conta da Covid-19 causa muita comoção. “Nos últimos tempos ele vinha falando muito sobre esse assunto. Ressaltando a importância das pessoas se cuidarem, ele sempre foi um homem que combateu o negacionismo. Ele morreu por essa doença, ele morreu indignado com a escassez de vacina”, lembra o padre.
O padre conta que, no momento, todos os moradores do convento e os membros da comunidade católica de Trindade estão abalados com a partida do padre Jesus. “Ele foi uma figura ímpar. Pessoalmente, era a pessoa para quem eu pedia ajuda e sempre me acalmava e me aconselhava”, relata Welliton.
De acordo com ele, no dia a dia, Jesus era uma pessoa muito preocupada com a saúde e o bem estar de todos. “Eles sempre destacava a importância de nos cuidarmos contra essa doença. Era uma pessoa muito atenciosa com todos ao redor”, conta Welliton.
Repercussão
Em um comunicado nas redes sociais, a Basílica do Divino Pai Eterno lamentou a morte do padre, ressaltando que ele “se tornou uma figura de destaque na evangelização e na divulgação da devoção ao Divino Pai Eterno”.
O prefeito de Trindade, Marden Júnior (Patriota) e o governador Ronaldo Caiado (DEM), decretaram luto oficial de três dias pela morte do padre. Nas redes sociais, Caiado afirmou que Jesus era “uma ponte voz em defesa da ética, dos direitos humanos e da vida.”
O governador destacou também que ele ‘sintetiza a biografia dos grandes homens que fizeram a diferença, ao propagar conceitos que foram fundamentais na luta por uma sociedade democrática, consubstanciada nos conceitos de paz, harmonia e bem-comum.”
Jornalismo
Além do sacerdócio, o padre Jesus se dedicou à carreira de jornalista na Rádio Difusora e na TV Pai Eterno. Mesmo com a idade avançada, não deixou de celebrar missas e trabalhar com a comunicação. “Ele sempre estava antenado a tudo. Lia sete revistas diferentes por semana e vários livros”, conta Welliton.
Todos os dias, pela manhã, ele fazia participações na Rádio Difusora e ao longo da tarde, depois de tirar uma hora para rezar entre as 14 e as 15 horas, ele gravava comentários que eram veiculados de noite na TV Pai Eterno. “Ele era assim: se não estava dando notícia, estava rezando.”
Welliton conta que a aposentadoria não estava nos planos de Jesus e que na última semana ficou pronto um estúdio no qual ele iria ancorar um programa semanal na TV Pai Eterno. “Ele sempre via na comunicação uma possibilidade de defesa dos direitos humanos. Era mais do que a comunicação ‘igrejeira’. Isso foi o que ele repassou para todos que aprenderam com ele”, finaliza o padre.
Atuação também no jornalismo
Natural de Luziânia, Jesus Flores, que nasceu em 1933 e morreu aos 88 anos, se tornou padre em 1959. Foram 62 anos de dedicação a Igreja Católica. Inicialmente, ele foi estudar em São Paulo, onde atuou na cidade de Garça e depois na capital paulista.
Em 1962, ele teve o primeiro contato com o jornalismo, quando escreveu um artigo para um jornal local criticando a forma com que alguns donos de terra tratavam os trabalhadores locais. “Ele disse que os trabalhadores estavam sendo tratados como animais. Desde então, não abandou mais o jornalismo”, conta o padre Welliton Silva, de 34 anos, que vivia no mesmo convento que Jesus.
Na década de 70, o sacerdote voltou para Goiás. Atuou por cerca de 20 anos na Matriz de Campinas, em Goiânia, onde foi o pároco responsável por quatro vezes. Depois, foi para Trindade, onde atuou em devoção ao Divino Pai Eterno.
Ele também permaneceu por mais de 20 anos á frente da Rádio Difusora e foi um dos articuladores da criação da TV Pai Eterno. Até antes de morrer, Jesus ainda realizava comentários jornalísticos para ambos veículos de comunicação.
O padre Jesus ficou conhecido por seus comentários e opiniões enfáticas sobre os mais diversos assuntos, muitas vezes tecendo críticas ao poder público e aos governantes.