Todos os anos a história se repete. Pais de estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) enfrentam obstáculos para garantir aos filhos o direito de estudar em escolas regulares. Apesar do amparo legal, com punições previstas para os estabelecimentos que negarem receber alunos com necessidades especiais, as dificuldades continuam. Para os pais é muito difícil conseguir provas de que as escolas burlam a obrigatoriedade.
O contador Robson Cândido de Oliveira está indignado com o que viveu nos últimos dias. Pai de dois garotos, de 6 e 4 anos, ele buscou um colégio de maior porte e mais renomado para matricular os filhos. Segundo ele, na primeira escola, no Setor Marista, ao fazer a solicitação de matrícula, ele deixou claro que o filho caçula possui TEA em grau leve. “Eu cheguei a agendar a entrevista, mas depois me ligaram dizendo que não tinha vaga. Deixei passar.”
Foi na segunda escola, no centro de Goiânia, que Robson percebeu que algo estava errado. “Fui pessoalmente, me disseram que as vagas existiam e me passaram os valores da mensalidade, mas antes de concluir o processo, me ligaram falando que houve um equívoco e que não tinha vaga para o Bernardo, meu filho com TEA.” O contador estranhou porque a secretária da instituição nem mencionou o outro filho, embora o pedido de vagas tivesse sido feito para ambos.
Dois dias depois, Robson pediu à sua secretária para entrar em contato com a escola e fazer o mesmo procedimento. “Para ela falaram que havia vagas no período vespertino”, contou. No dia marcado para a entrevista, acompanhado de um cunhado, o contador esteve na escola e ouviu que a informação recebida foi um erro. Robson decidiu manter os filhos na escola onde estavam matriculados e fazer um registro na Polícia Civil sobre os entraves que enfrentou.
A empresária Danielly Pedreira, mãe do Téo, com 6 anos, sabe bem o que é isso. “Na verdade, não há inclusão. É sempre uma luta.” Este ano, ao precisar transferir o filho da escola de ensino básico onde estava matriculado para outra de educação fundamental, mais uma vez enfrentou a barreira. “A diretora me disse que a escola não estava preparada para recebê-lo. A minha resposta foi que ela poderia ter aberto uma ferragista ou uma loja de material de construção.” A empresária contou que amigas disseram que enfrentaram problemas semelhantes em escolas tradicionais de Goiânia.
Danielly encontrou uma escola para Téo, mas lembra que em um ano anterior chegou a convidar os diretores das escolas onde ouviu negativas para tomar um café no Ministério Público. Nenhum deles aceitou”, relata. O contador Robson Cândido foi além. Indignado denunciou a sua peregrinação na 39ª Promotoria de Justiça. “Vou me engajar nessa luta. Vou até o fim”, disse ele.
Prova
Presidente da Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Ordem dos Advogados de Goiás (OAB-GO), Tatiana de Oliveira Takeda explica que Robson agiu corretamente. “É importante que os pais tenham prova da negativa antes de fazer a denúncia na delegacia. O escrivão normalmente pede testemunhas do caso”. A advogada, mãe de um garoto com TEA grave, ressalta que em regra são sempre verdade os relatos dos pais, mas a prova é fundamental.
Os direitos das pessoas com TEA estão assegurados por lei. No dia 27 de dezembro de 2012 foi sancionada a Lei nº 12.764 que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Em 2015, o amparo foi ampliado com a Lei nº 13.146, que ficou conhecida como Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.
Denúncia pode ser feita no CEE
Presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino de Goiânia (Sepe) e do Conselho Estadual de Educação (CEE) de Goiás, Flávio Roberto de Castro lembra que a escola, se tiver vagas, não pode se negar a matricular um aluno portador de deficiência, seja ela qual for, e muito menos dizer que não está preparada. “Se a instituição está autorizada a funcionar, ela precisa oferecer educação inclusiva. Inclusão não é somente acessibilidade.”
Flávio afirma que sempre orienta pais e escolas a formar um grupo multidisciplinar para estabelecer um projeto de estudo para os alunos em questão. “Não há uma fórmula, é preciso respeitar o tempo deles, mas a escola deve jogar aberto, montar uma equipe e trabalhar também com os demais alunos.” Ele explica que pais que enfrentam barreiras para matricular os filhos podem denunciar a instituição junto ao CEE. “Um processo será aberto na Câmara de Legislação e Normas e a escola será chamada a se manifestar.”
O presidente do CEE e do Sepe diz que atualmente não são muitos os pais que buscam o Conselho para fazer esse tipo de denúncia. “Às vezes a família vai a uma escola e não é bem recebida. Ao invés de buscar seus direitos, vai buscando outra até encontrar acolhimento.” A empresária Danielly Pedreira salienta que foi o que ocorreu com ela. “É muito difícil conseguir provar a negativa da escola. Nenhuma vai me dar um documento por escrito. Tudo é feito de maneira verbal e sem testemunhas.”
Falta de cuidados é preocupação
Presidente do Núcleo de Apoio e Inclusão do Autista (Naia), uma organização não-governamental criada na capital em 2016 por uma associação de pais, Marcelo Oliveira explica que sempre recebe pedidos de orientação sobre como proceder em casos de negativas para matrículas. “Hoje o número de escolas que recusam alunos autistas é mínimo, mas temos, sim, muitos problemas com a falta de suporte. Alunos que ficam andando no pátio, sem apoio de um profissional, e outros que chegam ao 9º ano sem saber ler e escrever.”
Para Marcelo Oliveira os pais devem, sim, denunciar escolas que se negam a receber estudantes com TEA, mas partir para uma próxima. “Normalmente elas não recusam a matrícula, quando falamos de autismo a vaga termina no meio da entrevista. Como insistir e brigar pela vaga e depois gerar uma insegurança emocional? Será que haverá zelo e cuidado com nossos filhos?”, questiona.
Em seus primeiros anos, o Naia tentou atuar mais enfaticamente na defesa dos direitos dos autistas, mas com o tempo, em razão da baixa adesão dos pais, decidiu focar na psicoterapia e na arte. Atualmente, cerca de cem crianças com TEA são atendidas na sede do Naia, dentro do Parque Areião, e fazem apresentações periódicas em espaços culturais da capital.