Após quatro meses do início do ano letivo, pais de alunos da educação especial têm reclamado das dificuldades causadas pela retirada dos professores de apoio da sala de aula. Em dezembro de 2022, a função de acompanhar o educando da modalidade passou a ser do profissional de apoio escolar. A Secretaria de Estado da Educação de Goiás (Seduc) justifica que a mudança foi para garantir a real inclusão dos estudantes.
O papel do professor de apoio, que atuava nas atividades pedagógicas, foi extinto pela Lei nº 21.682, de 15 de dezembro de 2022. Com a retirada, a atividade de atuar junto aos alunos passa a ser do profissional de apoio escolar, que fica responsável apenas pela higienização, locomoção e alimentação. Por outro lado, a prática pedagógica fica exclusivamente para os professores regentes.
Diante do anúncio da alteração, ainda no final do ano passado, pais e professores apontaram que a medida causaria prejuízos aos estudantes. Agora, na prática, as famílias relatam à reportagem problemas de aprendizagem para as crianças e adolescentes, perda no ritmo para realização das atividades em sala, e falta de interesse deles em seguir com as aulas.
A dona de casa Jennifer Alvim, de 42 anos, aponta que o filho Guilherme, de 12, possui dificuldade de aprendizagem devido ao Transtorno do Espectro Autista (TEA) e, por isso, era acompanhado por professor de apoio desde o 1º ano do ensino fundamental, que auxiliava na adaptação das atividades pedagógicas em sala de aula.
Com a retirada da função, a mãe relata que Guilherme está deixando de fazer as atividades, e, consequentemente tirando notas baixas. “Ele está no 7º ano do ensino fundamental. Agora vem as matérias mais complicadas, e ele precisa de explicação mais fácil”, diz.
A situação tem feito, ainda, com que ele sinta desânimo em continuar com os estudos. “Estou mandando ele para a escola por questão de rotina”, aponta. Segundo ela, os professores regentes não conseguem acompanhar toda a turma e, ainda, dar o suporte e atenção necessária aos alunos com necessidades educacionais especiais.
“Agora colocaram cuidador (profissional de apoio escolar). Ele não precisa de cuidador, ele precisa de professor de apoio”. E continua: “Criança não vai para escola só para usar banheiro e comer. Ela vai para ter ensino pedagógico e socializar.”
Ainda conforme Jennifer, o professor de inclusão é essencial na rotina escolar, visto que, diante do contato mais próximo, ele vai entender as necessidades pedagógicas do estudante e “fazer a ponte entre o aluno e professor regente”. “E o governo não está vendo dessa forma. É um retrocesso na educação inclusiva”, finaliza.
Para Luciano Almeida, de 50 anos, pai de Ana Luíza, 17, a frustração é a mesma. Ele explica que a filha estudava em uma escola particular e, diante da falta de professor de apoio, buscou a matrícula na rede estadual. Na unidade pública, a jovem, que tem síndrome de Down, ficou cerca de quatro anos com o profissional auxiliando na parte pedagógica. Agora, no 7º ano do fundamental, passou a ser acompanhada pelo profissional de apoio escolar.
“A partir do momento que a professora foi retirada da sala, a dificuldade aumentou muito. A professora regente não consegue dar a atenção que uma criança especial precisa, porque ela tem uma sala inteira para dar assistência”, relata.
Conforme o pai, muitas vezes Ana Luíza não consegue acompanhar a aula, o que tem causado ainda mais dificuldade no aprendizado dela. “A professora auxiliar conseguia identificar as necessidades que aparecem a todo momento. Sem a professora, (a criança) acaba ficando perdida em sala.”
Os desafios têm sido os mesmos para Euzirene Tavares, de 49 anos, mãe de Marcella, de 14. A adolescente com síndrome de Down está no 8º ano do ensino fundamental e tem apresentado maior dificuldade no processo de aprendizagem após a retirada do professor de apoio.
“Agora é o professor regente (que faz a adaptação pedagógica), mas ele não consegue acompanhar a sala inteira e dar a atenção que ela precisa. É o professor (de apoio) que tem que desenvolver da maneira que ela entenda. Ela não consegue acompanhar a turma toda”, pontua.
Euzirene relata que a filha começou a ser acompanhada por um professor de apoio desde o 1º ano do ensino fundamental, enquanto ainda estava na rede municipal de Aparecida de Goiânia, e continuou contando com o profissional ao ingressar na rede estadual, logo no 6º ano.
O suporte, para ela, era essencial e promovia avanços no aprendizado de Marcella, que conseguia realizar as atividades propostas em sala e avançava no processo de alfabetização. “Agora tem cuidador, só que ele não desenvolve a parte pedagógica, e ela não precisa de cuidador”, diz, explicando que a filha consegue se alimentar, se higienizar e se locomover sozinha.
Professora da rede estadual há 30 anos, Romênia de Sousa lamenta a retirada do professor de apoio da sala de aula, e explica que a medida tem “causado transtorno imenso para a parte pedagógica (dos professores), perda pedagógica para os alunos e total desamparo às famílias”.
A profissional relata que não está sendo possível atender todas as crianças juntas, pois as salas estão cheias e, ainda, os professores regentes não possuem formação para atuar na prática junto aos alunos da educação especial. “Como que a gente trata os diferentes como se fossem iguais?”, questiona.
Ela denuncia, ainda, que “não há educação inclusiva na rede estadual” e os estudantes “estão nas escolas, mas não estão sendo incluídos”. “É muito frustrante para mim que estou na educação há 30 anos ver gradativamente a perda desses adolescentes e jovens que necessitam de apoio para se integrarem, para serem incluídos. É um processo grave de exclusão da pessoa com deficiência”, diz.
Seduc diz que mudança era necessária
Gerente de Educação Especial da Secretaria de Estado da Educação de Goiás (Seduc), Weberson de Oliveira explica que a mudança tem causado reclamações de servidores e famílias de alunos da educação especial, mas foi necessária diante da falta de regulamentação da função do professor de apoio e, ainda, para garantir a “inclusão total do aluno”. “O Estado há muito tempo trabalhou a oferta de inclusão na linha de um professor pedagógico e um higienizador para atividades de vida diária, mas nunca teve uma legalização da função”, aponta.
Segundo ele, a regulamentação teve como parâmetro as leis federais 13.146/2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), e 12.764/2012, que dispõe sobre a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.
Weberson explica ainda que, anteriormente, o aluno era acompanhado apenas pelo professor de apoio, que fazia as atividades, as provas, e fechava as notas. Conforme ele, agora, com a mudança, todos os professores regentes terão que atuar na flexibilização do conteúdo da aula e na adaptação das atividades pedagógicas.
“O fim do professor de apoio pedagógico não significou o fim do serviço ao estudante. Pelo contrário. Antes tinha um professor de apoio que fazia o papel pedagógico. Agora tenho todos os regentes fazendo isso, flexibilizando as atividades para esses estudantes serem inclusos. No fazer pedagógico o aluno está agora mais assistido”, diz.
Conforme ele, a forma como era feita a educação especial gerava um processo de “exclusão dentro da sala”. “O processo não tem sido fácil, uma mudança que tem causado desgaste. Mas estamos trabalhando para que o serviço ao aluno seja entregue. Para que ele seja incluso na sala.”
O gerente da Seduc explica, ainda, que os servidores da escola irão atuar em conjunto para definir um plano educacional para cada aluno que necessite de necessidades educacionais especiais. “Professor regente, profissional de apoio, coordenador pedagógico, professor do AEE (atendimento educacional especializado). O primeiro passo é o plano escolar individualizado, identificando as potencialidades e fragilidades do aluno”.
A respeito da atuação do agora profissional de apoio escolar, Weberson explica que eles serão responsáveis por fazer o “apoio do processo” de aprendizagem. “Se ele está numa turma que demanda serviços de alimentação, ele desempenha o papel de alimentador. Se for de higiene, é higienizador. Se for cadeirante e precisa de ajuda para se locomover, ele faz a locomoção. Se tiver dificuldade motora e não consegue copiar, ele vai ser um copista. Se precisar ler porque o aluno não consegue, vai ser um ledor”, pontua.
Por outro lado, o profissional fica vedado de fazer o “trabalho inerente ao professor regente”, no que diz respeito à elaboração de aulas, atividades, provas ou fechamento de notas. Conforme a Lei 21.682/2022, que regulamentou a função, a atuação do profissional é auxiliar o professor regente “como um mediador durante as atividades educacionais e compartilhar as observações que possam colaborar na discussão e na ampliação da acessibilidade do estudante”.
Sobre os professores que atuavam no apoio à inclusão, Weberson explica que os que “estavam em desvio de função, na função de apoio, foram reintegrados nos cargos de concurso. Assumiram coordenação pedagógica, sala do AEE (400 salas), e regência de sala. Assumiram a função das quais foram concursados”.
De cerca de 1.500 servidores efetivos concursados que estavam atuando como professor de apoio, ao menos 400 continuaram na função de profissional de apoio escolar. Weberson explica que eles não terão prejuízo na aposentadoria pois “são servidores que já passaram por processo de readaptação e já perderam a aposentadoria especial”. A respeito do salário, explica que continua o mesmo, pois o vencimento base está atrelado à função do qual o profissional foi aprovado em concurso.
Rede municipal também é alvo de reclamações
O problema é semelhante ao relatado por pais de alunos da educação especial da rede municipal de ensino de Goiânia. As reclamações são relacionadas à falta de profissional voltado à prática pedagógica, se limitando apenas aos cuidados de higienização, alimentação e locomoção.
De acordo com a Secretaria Municipal de Educação (SME), em 2023, “3.100 estudantes com necessidades educacionais especializadas são atendidos em 304 unidades de ensino do município”. Mas, conforme a pasta, apenas 661 “necessitam, segundo laudo médico e análise da Equipe Multiprofissional, de profissionais de apoio”. O quantitativo é o mesmo de profissionais de apoio para este ano, sendo que cada um fica responsável por um estudante.
Para Priscila Pagotto, de 43 anos, mãe de Yan, 3, a realidade é diferente. O filho tem Transtorno do Espectro Autista (TEA) e ainda não consegue se comunicar verbalmente, usa fralda, mas não conta com nenhum profissional de apoio, conhecido como cuidador, o que, segundo ela, seria necessário para a adaptação escolar da criança.
Ela relata que o filho ingressou no Centro Municipal de Educação Infantil (Cmei) com cerca de dois anos e cinco meses, mas, à época, ainda não possuía laudo médico. Pouco tempo depois, conseguiu o diagnóstico de TEA e, mesmo assim, não foi disponibilizado o profissional.
“A escola apresentou (o laudo) para a equipe multidisciplinar (da SME). Disseram que não teria direito ao cuidador, que ele não precisava”, explica. Ela diz ainda que chegou a ir na secretaria para pedir uma reavaliação, mas a pasta manteve a posição e disse que colocaria a criança no atendimento educacional especializado (AEE), que é realizado no contraturno da escola.
Sem o profissional em sala de aula, Priscila destaca que as professoras regentes do Cmei têm atuado para adaptar as atividades para Yan. “É muito por elas, não tem orientação, não tem nada adaptado que auxilie os professores na inclusão”, destaca.
Professora de Cmei, Kátia Cecília Soares destaca que a falta de um profissional de apoio voltado à prática pedagógica tem prejudicado o desenvolvimento das aulas, pois há dificuldade em dar atenção tanto aos alunos do ensino regular como da educação especial.
“Isso é angustiante, tanto para nós profissionais, quanto para as crianças e, principalmente, para as famílias sabendo que os filhos estão passando um tempo numa instituição e o desenvolvimento está bem aquém do esperado”, relata Kátia.
Segundo a SME, em nota, “a atual gestão realizou concurso público e já convocou 400 novos auxiliares de atividades educativas, que estão sendo lotados nas unidades educacionais para continuar a garantir, conforme apresentação de laudo, atendimento integral aos estudantes”.
A pasta aponta que “além do acompanhamento individualizado, a rede oferece atendimento educacional especializado (AEE) para os estudantes com necessidades educacionais”. Ressalta ainda que a prefeitura tem promovido “ações formativas permanentes a todos os profissionais da rede” e que em 2022 as formações foram estendidas às famílias.