“Me sinto orgulhosa da idade que tenho porque a maioria das travestis não chegam vivas nem com 20 anos.” O duro testemunho vem da maranhense Denise Mendes Campos, que tem 47 anos e mora em Goiânia há quase três décadas. A afirmação acerta em cheio a atual situação de envelhecimento da população das travestis e diz muito sobre o tema da edição deste ano da Parada do Orgulho LGBTQIAPN+ da capital, que acontece neste domingo (8), no Centro.
A 29ª edição do projeto tem como slogan A Melhor Idade LGBT+: Respeita Minha História, que busca dar visibilidade aos desafios e também às conquistas da comunidade na terceira idade. Também reitera todos os preconceitos com o envelhecimento, tópico que sempre serviu de tabus entre os gays, lésbicas e transexuais.
A concentração da Parada acontece a partir das 12 horas na Praça Cívica e o percurso segue o mesmo de todos os anos: o cortejo desce a Av. Araguaia, segue pela Av. Paranaíba, sobe a Av. Tocantins e termina novamente na praça. Ao longo de todo circuito haverá apresentações de DJs nacionais e locais, como Felipe Ferr, do Rio de Janeiro, e Nell Duart, de São Paulo. Neste ano, o evento tem apoio estadual por meio da Lei Paulo Gustavo e a expectativa é de 100 mil pessoas.
A novidade deste ano é o after da festa intitulada New Age, localizada no Sol Nascente Eventos, próximo ao Passeio das Águas Shopping. O evento, que sobrevive há quase três décadas no calendário cultural de Goiânia, envelhece assim como os seus idealizadores, passando por todas as transformações e pautas relacionadas à diversidade sexual.
“Não é fácil envelhecer dentro de uma comunidade que sempre cultuou e ainda cultua a juventude, a beleza, o corpo”, adianta Denise, que tem uma pensão localizada na Rua 24, no Centro, aberta para outras travestis e pessoas marginalizadas. “Aqui ajudamos todo mundo, mas principalmente aquelas que foram abandonadas pela família. Agora pense bem: se os familiares abandonam crianças e adolescentes, imagina o que acontece com as pessoas mais velhas”, indaga.
Dos tempos em que ainda morava na zona rural do Maranhão, Denise acabou migrando para Goiás quando foi ficando mais velha. Morou também na Suíça, mas foi na capital goiana que ela encontrou um porto-seguro e um lugar para chamar de casa. A transexual diz que não acha que a cidade seja tão preconceituosa assim como dizem e tampouco gosta de falar mal dos goianienses.
“Goiânia é uma espécie de mãe para mim, que me acolheu, abraçou e abriu as portas. Tenho envelhecido na cidade e vejo a mudança acontecendo ano após ano. O que eu sei é que a educação, o estudo, realmente transforma a vida de muita gente”, conta Denise, que participa desde as primeiras edições da Parada do Orgulho LGBT da capital. “É um momento importante para reafirmar nossa existência e promover os nossos direitos”, completa.
Revés
À medida que as pessoas da comunidade estão vivendo mais elas também se deparam com uma série de desafios e necessidades, como a implementação de políticas públicas efetivas de saúde, moradia, assistência social e psicológica. Para um dos organizadores da Parada LGBT, o militante Marcos Silvério, o que chama a atenção é o aumento de crimes contra a comunidade, desrespeito em espaços públicos e a solidão enfrentada por essas pessoas.
“É preciso que as novas gerações reconheçam que os direitos que a comunidade LGBT+ tem nos dias de hoje são fruto das lutas e conquistas dessa parcela que hoje se vê idosa e desamparada”, reitera Silvério, que tem 53 anos já revistos em sua barba e cabelos grisalhos. “Na comunidade, quando a pessoa já passa dos 30 anos ela já é vista como velha. Começa a ser discriminada, ignorada nos espaços de sociabilidade. O preconceito é sentido desde o momento que surgem as primeiras rugas e fios brancos”, diz.
É importante destacar, segundo Silvério, que o envelhecimento é uma questão da sociedade em geral. “O Brasil está envelhecendo e a nossa população ainda não aprendeu a lidar a valorizar as pessoas idosas, mas dentro da comunidade LGBT+ a questão do etarismo tem um peso muito maior porque a identidade de gênero e a orientação sexual são marcadores que potencializa o preconceito e a discriminação”, afirma o organizador.