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Pastores pegam 10 anos de prisão por tortura de internos em clínica clandestina em Anápolis

Divulgação
Ângelo Klaus ao lado da mulher, Suelen: apenas ele se encontra preso

O pastor Ângelo Mário Klaus Júnior e sua mulher, a também pastora Suelen Amaral Klaus, foram condenados, cada um, a 10 anos e três meses de prisão pelo crime de tortura e cárcere privado contra pessoas internadas contra à vontade em duas clínicas clandestinas que o casal mantinha na zona rural de Anápolis. Durante a investigação, iniciada após um idoso de 96 anos conseguir fugir de um dos estabelecimentos no final de agosto do ano passado, a Polícia Civil identificou pelo menos 73 vítimas dos pastores. Outros cinco comparsas foram condenados a penas que variam de dois anos e oito meses a oito anos e dois meses de reclusão.

No dia 30 de agosto, o idoso foi internado no Hospital Estadual de Urgências de Anápolis (Heana) com diversos ferimentos, mau-cheiro, sinais de agressões físicas e maus tratos. Familiares contaram à polícia que ele estava internado em uma clínica de reabilitação que pertencia ao casal. Uma equipe da Delegacia Especializada no Atendimento ao Idoso (Deai) de Anápolis foi ao local e encontrou 43 internos em situação similar ao idoso. Na ocasião, Ângelo conseguiu fugir e ficou foragido por alguns dias. Posteriormente, foi localizado mais um estabelecimento casal, com 30 internos.

Na sentença, a juíza Lígia Nunes de Paula, da 2ª Vara Criminal de Anápolis, afirma que as provas colhidas durante o processo atestam que o casal chefiava as clínicas clandestina “onde abusos físicos e psicológicos contra as vítimas ocorriam, sendo que ambos consentiam e permitiam que os internos no local fossem objeto de tortura”.

Ainda segundo a juíza, os relatos dos cinco funcionários e de vários internos durante os interrogatórios apontam de forma inequívoca a presença constante de Ângelo e de Suelen nas dependências da clínica, além da interação direta do casal com os internos e o fornecimento de ordens aos monitores, “o que denota, sem sombra de dúvidas, a ciência e supervisão por parte dos mesmos quanto à rotina, as condições físicas do local, as condições sanitárias, os tratamentos dispensados aos internos, e, por extensão, das torturas impingidas”.

“Ora, seria impossível aos acusados não se aperceberem das condições desumanas e dos crimes ali cometidos, pois, além de administradores gerais do local, lá compareciam pessoalmente com considerável frequência”, afirmou Lígia.

Ao indiciar o casal e mais cinco pessoas, entre eles funcionários das clínicas, o delegado Manoel Vanderic Correa Filho, titular da Deai Anápolis, afirmou que os internos eram mantidos em um espaço pequeno e insalubre, submetidos a um “intenso sofrimento” físico e psicológico mediante violência em estabelecimentos sem autorização para funcionarem como clínicas de reabilitação. Além disso, as vítimas eram ameaçadas e castigadas para evitar que fugissem ou que contassem aos familiares sobre o que sofriam no local.

No relatório da Polícia Civil encaminhado à Justiça, o delegado diz que muitos dos internos resgatados precisaram ser hospitalizados por apresentarem hematomas, queimaduras, infecções e sintomas de desnutrição. Foram encontrados muitos idosos e menores de 18 anos. Além disso, descobriu-se que as visitas de parentes eram restritas e que se cobrava uma mensalidade que variava de um salário mínimo a R$ 2,5 mil de cada família.

Além do casal, foram condenados Jhonathan Alexandre Silva Santos, Ruimar Márcio Silva Qualhato, Francisco Carlos Lira Júnior, Jonas da Silva Geraldo e Cleiton dos Santos Silva. Apenas os três últimos tiveram a pena colocada em regime aberto por terem pego menos de quatro anos de reclusão. Jonathan vai para o semiaberto. Ainda há mais três pessoas que não foram identificadas e que teriam ajudado os pastores a manter os internos em cárcere privado. A Justiça determinou que sejam localizadas estas pessoas, que só tiveram o primeiro nome colocado no inquérito: Maicon, Marcos e João Paulo.

Dos sete condenados, apenas Ângelo se encontra preso e assim vai ficar. A juíza argumenta que ele já se encontrava preso no momento da sentença e sua pena foi superior a oito anos. Já Suelen e Ruimar devem ser presos só quando o processo for concluído na Justiça e se não conseguirem reverter a decisão até lá. Francisco, Jonas, Cleiton e Jhonathan também vão aguardar em liberdade o trânsito em julgado dos autos para começarem a cumprir suas penas.

Streaming

Antes de entrar no mérito do caso, a juíza fez um contexto histórico e social sobre o tratamento dado a dependentes químicos e com alguma doença mental, perfil das vítimas do casal, e sugeriu com link um documentário em um canal de streaming sobre uma instituição psiquiátrica em Minas Gerais onde morreram 60 mil pessoas por falta de cuidados. “Dentro desse cenário de dificuldade de cuidado com os desvalidos e excluídos socialmente, emergem as instituições, que, infelizmente, nem sempre se mostram acolhedoras, refletindo a mesma exclusão da sociedade em relação a essas pessoas”, afirmou.

A magistrada fez referência ao caso do Hospital Colônia, de Barbacena (MG), instituição criada em 1903 e que nos anos 60 e 70, devido à forma desumana como tratava seus pacientes internados, chegou a ser chamado de “campo de concentração nazista”. Apesar de ter apenas 200 leitos, já abrigou de uma só vez mais de 5 mil pessoas, a grande maioria deixada e abandonada por familiares.

“Trago essa lição histórica à baila porque de imediato ela meio veio à mente quando o auto de prisão em flagrante chegou neste juízo. As fotos mostravam um local absurdamente insalubre, onde pessoas indesejadas socialmente eram depositadas em condições a que nem animais podem ser submetidos pela lei. Estávamos diante de internações não prescritas por médico psiquiatra, na contramão do movimento da medicamente pela desinstitucionalização dos pacientes”, escreveu Lígia na sentença.

As defesas dos sete condenados entraram com recurso contra as condenações e aguardam uma resposta do Judiciário.

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