O casal de pastores Ângelo Mário Klaus Júnior e Suelen Amaral Klaus foi indiciado junto com mais quatro pessoas por sequestro e cárcere privado e crime de tortura contra 73 pessoas, entre dependentes químicos a portadores de deficiências diversas, internadas contra a vontade em dois estabelecimentos que funcionavam irregularmente como clínicas de reabilitação na zona rural de Anápolis. Ângelo e Suelen, segundo a Polícia Civil, são os donos destes locais.
O caso veio à tona em uma operação da Polícia Civil no dia 30 de agosto, após um homem de 96 anos ser internado no Hospital Estadual de Urgências de Anápolis (Heana) com diversos ferimentos, mau cheiro, sinais de agressão física e outros indícios de maus tratos. Ao ouvir parentes desta pessoa, uma equipe da Delegacia Especializada no Atendimento ao Idoso (Deai) de Anápolis chegou ao primeiro estabelecimento e encontrou 43 internos.
O delegado Manoel Vanderic Correa Filho, titular da Deai, afirma em seu relatório final que os indiciados mantinham os internos em um espaço pequeno e insalubre, submetendo-os a “intenso sofrimento” físico e psicológico, mediante violência e ameaças, “como forma de castigo e para evitar que fugissem” ou contassem a familiares, “mantendo o controle do local clandestino”.
“O local era completamente inapropriado e insalubre, com urina pelo chão, sem ventilação, úmido, com comida vencida e sem espaço suficiente para tantos homens, alguns com deficiência intelectual”, afirmou o delegado em seu relatório final. Ainda segundo ele, o local não possuía alvarás e licenças necessárias para funcionamento, nem atuação de médico e outros profissionais exigidos para a atividade prometida.
As clínicas clandestinas foram fechadas nos dias 30 e 31 de agosto. Na segunda, havia mais 30 vítimas. Suelen foi presa no primeiro dia de operação, junto com Jhonathan Alexandre Silva Santos, Francisco Carlos Lira Júnior, Jonas da Silva Geraldo e Ruimar Márcio Silva Qualhato. O pastor fugiu assim que viu a equipe da Deai e se entregou na manhã do dia 2 de setembro. Na segunda clínica, dois suspeitos fugiram, mas um deles já foi identificado pela Polícia Civil.
Apesar de em seu depoimento o pastor negar o envolvimento da esposa com as clínicas, o inquérito aponta que ela se apresentou como dona do espaço ao receber os policiais no dia 30 e que os internos foram unânimes em afirmar que o casal sabia das agressões e dos maus tratos que ocorriam lá dentro.
“O tratamento era tão desumano que muitos estavam feridos, precisaram de hospitalização e apresentavam hematomas, queimaduras, infecção, desnutrição, conforme laudo, relatórios e prontuários (feitos após a soltura deles pela Polícia) anexados nos autos”, informou o delegado no relatório.
Relatos
Manoel tomou o depoimento de internos e familiares e descobriu que o casal prometia “tratamento completo, incluindo assistência médica” e que restringiam as visitas com a desculpa de que poderia atrapalhar o atendimento, além de cobrar de um salário mínimo a R$ 2,5 mil por mês de cada família.
Porém, além da situação presenciada pela Polícia Civil, os internos afirmam que eram agredidos, amarrados e torturados, xingados, humilhados pelos quatro funcionários da clínica. Os relatos das vítimas, segundo Manoel, foram “detalhistas e contundentes”.
A situação da segunda clínica era ainda pior, segundo o relato policial. Os internos ficavam a maior parte do tempo trancados em quartos escuros, sem ventilação adequada e obrigados a fazer apenas duas refeições por dia, muitas vezes com alimentos vencidos.
Para o delegado, as provas juntadas a partir de depoimentos e de vídeos feitos no local, somados a um relatório feito pela Vigilância Sanitária de Anápolis na primeira clínica comprovam a materialidade e autoria dos crimes pelos quais os presos estão sendo indiciados. A equipe da vigilância não vistoriou a segunda clínica porque o espaço foi devolvido ao proprietário e reformado.
Eles vão responder por sequestro e cárcere privado, com agravantes punitivos para os casos de vítimas adolescentes e idosos, os de vítimas que estavam presas há mais de 15 dias, e que foram alvo de maus-tratos. Também responderão por tortura, com os mesmos agravantes. Foi pedida a prisão preventiva de um dos dois suspeitos da segunda clínica, identificado pela Polícia Civil.
As defesas de Jhonathan e Francisco alegam na Justiça que eles eram na verdade internos e, portanto, deveriam ser tratados como vítimas pela polícia e não como acusados. Já a de Suelen pediu a liberdade dela após a prisão do marido e alega que ela precisa de tratamento médico não disponibilizado na cadeia. A reportagem não localizou a defesa dos outros envolvidos.