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Perfil do CAC em Goiás é de homem do agro e morador da Região Sul

Diomício Gomes
Painel publicitário em loja de armas em Campinas: 9mm é a favorita

Homem, casado, trabalhador do agro, com ensino médio completo e morador da região Sul de Goiás. Esse é o perfil da maioria dos Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs) que participaram do recadastramento de armas de fogo promovido pelo governo federal no ano passado. A pistola 9mm figura como o armamento preferido da categoria formada majoritariamente por atiradores.

O perfil dos CACs em Goiás foi traçado com base nos dados do recadastramento de 75,7 mil armas de fogo no estado. O jornal obteve acesso às informações via Lei de Acesso à Informação (LAI). A ação foi promovida pela Polícia Federal no começo do ano passado, após o presidente Lula (PT) editar um decreto que determinou o recadastramento de todas as armas compradas por CACs a partir de maio de 2019, quando Bolsonaro alterou o decreto e facilitou a aquisição de armas. Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), 99% dos armamentos foram recadastrados.

Autor do livro ‘Armas para quem?: a busca por armas de fogo’, Roberto Uchôa pesquisou o perfil de quem tinha armamentos na região Norte do Rio Janeiro, uma área ligada à agropecuária, e o resultado encontrado em 2018 foi semelhante ao verificado em Goiás durante o recadastramento. “Não é um perfil novo. O que temos de novidade é a entrada de um público com a renda mais baixa”, esclarece. Em Goiás, 12% das armas recadastradas pertencem a pessoas com ensino fundamental ou médio incompleto.

Uchôa, que também é policial federal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), explica que o tiro esportivo sempre foi um esporte caro e nichado. “Pouco acessível”, diz. Ele diz que as mudanças começaram a partir de 2017, quando o porte de trânsito foi liberado por Michel Temer, presidente do Brasil à época. Ele permitia que CACs transportassem armas municiadas e prontas para uso entre locais de guarda e locais de competição e treinamento.

Posteriormente, Bolsonaro ampliou as flexibilizações. Para Uchôa, foi assim que o certificado de CAC passou a ser atrativo para pessoas que não estavam interessadas em praticar o esporte. “Pessoas que queriam andar armadas, não por uma questão de segurança pública, mas sim por uma questão de relação de poder”, comenta Uchôa.

O especialista acredita que essa necessidade de uma relação de poder pode ser percebida, por exemplo, pela constatação de que os CACs são majoritariamente homens. “Apesar de o discurso armamentista argumentar pelo uso de armas para a defesa das mulheres, vemos que elas não estão tão interessadas assim”, avalia. Em Goiás, apenas 3% das armas recadastradas pertencem a mulheres.

Além disso, Uchôa chama atenção para o fato de que a maioria dos CACs tem ligação com o agro. “O agro foi muito próximo do governo (Bolsonaro), que não só flexibilizou (o acesso a armas de fogo), mas foi um promotor”, diz. Em Goiás, metade das cidades com a maior quantidade de armas recadastradas ficam na região Sul (veja quadro), que tem a economia baseada no agronegócio. Jataí se destaca com 5.111,1 armas recadastradas a cada 100 mil habitantes.

Calibre restrito

O armamento predileto dos CACs que fizeram o recadastramento em Goiás foi o modelo G2C, uma pistola calibre 9mm da Taurus Armas S.A. Antes do governo Bolsonaro, esse calibre era de uso restrito às forças de segurança, o que foi retomado pelo presidente Lula. “No governo do ex-presidente, um CAC podia ter até 30 armas de uso restrito”, diz Uchôa. Os CACs que possuem armas de calibre de uso restrito podem continuar com elas, mas atualmente há dificuldade para obter munição, cujas vendas foram restringidas.

Segundo Uchôa, a decisão de tornar o calibre 9mm de uso restrito passa principalmente pelo fato da variedade de plataformas em que ele pode ser utilizado. “Em submetralhadoras, pistolas e carabinas. Uma mesma munição em várias plataformas. Existe muito interesse do crime organizado. É um calibre com uma energia muito maior do que o .380, historicamente o mais permitido no Brasil.”

Desde o Estatuto do Desarmamento, em 2003, o governo federal possui uma campanha permanente de desarmamento. O valor pago na entrega de armas varia, mas é inferior a R$ 500. Nesse sentido, Uchoa tece críticas à falta de um novo programa de recompra de armas de fogo, o que poderia tirar armamentos de uso restrito de circulação. “O valor atual é muito irrisório.”

Segundo ele, isso aumenta o risco dessas armas irem parar no mercal ilegal. “A pessoa pode fazer um registro de furto e vender essa arma. O número de série será raspado e a Polícia Civil dificilmente vai conseguir investigar”, comenta Uchôa. No mês passado, a Polícia Civil desarticulou um esquema do tipo no Tocantins. Na ocasião, foi descoberto que CACs estavam fazendo o registro de boletins de ocorrência falsos que simulavam o furto ou roubo dos artefatos para que eles fossem vendidos no mercado paralelo.

Uchôa ainda destaca que a presença dessa grande quantidade de armas no cotidiano das pessoas, muitas delas circulando de maneira ilegal, vão ter impacto a longo prazo. “Armas duram décadas. Para de ter ideia, infelizmente ainda vemos crimes sendo cometidos com armas das décadas de 70 e 80”, finaliza.

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