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Pesquisa da UFG amplia aplicações de abelhas sem ferrão

Wildes Barbosa
Meliponário da UFG onde são criadas as abelhas sem ferrão

Embora presentes nas civilizações desde os primórdios da humanidade, as abelhas sem ferrão vêm ganhando muita atenção nos últimos anos pela sua importância na manutenção da vida no planeta como grandes polinizadoras. Na Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Goiás (UFG), um estudo conduzido pela professora doutora Virgínia Farias Alves visa identificar microrganismos provenientes dessas espécies com possibilidade de aplicações biotecnológicas em áreas como a saúde humana e das próprias abelhas, como também de alimentos.

Graduada pela UFG e com doutorado e mestrado em Microbiologia de Alimentos pela Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto, Virgínia não esconde a paixão pelo tema. Ao lado de um aluno de doutorado, outro de mestrado e o terceiro de iniciação científica, ela está mergulhada na pesquisa, que tem o objetivo de avaliar uma parte pouco estudada das abelhas sem ferrão, a microbiológica. “Estudamos a microbiota (flora intestinal) e o mel produzidos por elas para identificar microrganismos que possam ser utilizados em plataformas biotecnológicas em saúde, para produtos farmacêuticos (probióticos) que possam ser aplicados tanto nelas quanto em seres humanos.”

Financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg), o estudo identificou a presença de microrganismos nas abelhas sem ferrão capazes de inibir outros microrganismos que causam doenças em humanos. “Ainda temos de identificar, mas são bactérias lácticas, como as utilizadas na produção de alimentos como iogurtes e queijos, que inibem, por exemplo, a ação de uma bactéria patogênica chamada Listeria monocytogenes”, explica a pesquisadora. Essa bactéria causa a listeriose, doença que se manifesta por febre alta, dores musculares, diarreia e vômitos. Em casos mais graves, atinge o sistema nervoso e pode causar meningite.

Virgínia destaca que nos últimos anos tem sido observado um grande interesse pela busca de compostos bioativos a partir de fontes naturais pouco exploradas, para aplicações biotecnológicas. “Há um grande potencial para a obtenção desses compostos a partir de mel de abelhas sem ferrão em nosso País, tendo em vista as propriedades medicinais reconhecidas deste produto.” Para ela, um conhecimento mais profundo dos microrganismos presentes nas abelhas e seus insumos pode criar oportunidades estratégicas para a meliponicultura e a biodiversidade.

Mais de 500 espécies de abelhas sem ferrão já foram descritas em todo o mundo, sendo cerca de 260 espécies nativas da fauna brasileira. Elas dominavam o meio ambiente até a chegada, entre os séculos 16 e 17, da espécie Apis mellifera L. , introduzidas a partir da Europa e da África e que hoje respondem pelo maior volume de mel produzido no país.

As abelhas sem ferrão, também conhecidas como meliponinas ou melíponas, sempre estiveram presentes nas comunidades tradicionais e há estudos que apontam serem elas as principais responsáveis, entre todos os tipos de abelhas, pela polinização de muitas espécies arbóreas nativas.

Como as abelhas com ferrão, da espécie Apis mellifera L., as meliponinas apresentam produtos e subprodutos valorizados, como mel e própolis. Seu manejo é mais fácil e mais barato por não precisar de equipamentos de proteção para evitar as ferroadas. “A gente sabe que as abelhas, de um modo geral, estão sofrendo um declínio por causa das ações antropométricas, como o desmatamento e o uso de agrotóxicos, e ainda pelos eventos climáticos. Minha expectativa é desenvolver probióticos que possam ser utilizados para melhorar a saúde e a produtividade da espécie”, enfatiza Virgínia.

A pesquisadora lembra que a maior vantagem das abelhas sem ferrão é que elas podem ser criadas em espaços menores, como pequenas chácaras e fundos de quintais. “É um grande ganho para pequenos agricultores.” Virgínia conta que estudos feitos na Amazônia, com produtores de açaí, revelam que os produtos das abelhas sem ferrão complementam a renda dessas pessoas em até R$ 1 mil mensais. “No futuro queremos oferecer cursos para agricultores familiares”, avisa a pesquisadora, que sonha com um meliponário na própria faculdade onde é docente. “São muitas as perspectivas, não apenas microbiológicas.”

Brasil tem mais de 1,6 mil espécies descritas; no mundo, são 20 mil

Segundo a Associação Brasileira de Estudos das Abelhas, em todo o mundo existem cerca de 20 mil espécies do inseto. No Brasil, foram descritas 1.678, mas os cientistas calculam que existam em nosso território mais de 2.500 espécies, uma das maiores diversidades do planeta. A mais popular é a Apis mellifera, também conhecida como melífera, europeia ou africanizada. Ela é famosa pelo ferrão e sua picada dolorida, e por produzir a maior parte do mel que consumimos. 

As abelhas sem ferrão, também como abelhas indígenas ou meliponíneos por pertencerem à tribo Meliponini, são pouco conhecidas do público leigo, mas não dos indígenas, que desde os primórdios criam várias espécies para a produção de mel. Até hoje são popularmente conhecidas pelos nomes dados pelos índios, como jataí, uruçu, tiúba e mombuca. As abelhas sem ferrão são mais encontradas em regiões tropicais e subtropicais. Já foram descritas 505 espécies, mais de 400 delas nas Américas Central e do Sul. Só no Brasil foram contabilizadas quase 250 espécies. 

De acordo com a entidade, o mel das abelhas sem ferrão é muito valorizado pela alta gastronomia e pode custar até quatro vezes mais do que o mel da Apis mellifera. É um mel mais líquido, com 27% de água em sua composição, menos doce e mais ácido. Contém ainda um teor natural de bactérias e leveduras, microrganismos que induzem a sua fermentação, exigindo um tratamento diferenciado. 

Projeto utiliza a arte para alertar sobre preservação

A microbiologista Virgínia Farias Alves integra o projeto de extensão de conscientização da comunidade sobre a importância da preservação ambiental por meio da arte, coordenado pelo também docente da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Goiás (UFG), Pierre Alexandre dos Santos, com a colaboração dos professores doutora Tatiana de Sousa Fiuza e doutor Pedro Vale de Azevedo Brito, entre outros. Através de registros fotográficos associados a informações científicas, a iniciativa visa chamar a atenção da população para as belezas e a importância do bioma Cerrado, para a economia climática e hídrica. 

A equipe montou uma exposição de fotos de abelhas sem ferrão nativas do Cerrado na Faculdade de Farmácia da UFG, na Praça Universitária, localizada no Setor Leste Universitário, em Goiânia. A exposição pode ser conferida pelo público em geral. 

A mesma mostra será apresentada no Congresso de Ciências Farmacêuticas do Brasil Central, em maio, no Castro’s Hotel, também em Goiânia, e no Simpósio Latino Americano em Segurança dos Alimentos, no mês de novembro, em Santos (SP). 

Wildes Barbosa
Virgínia Alves coordena a pesquisa com três alunos da universidade
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