Antes mesmo de chegar até o supermercado, a enfermeira Lorrayne Pereira Muniz, de 33 anos, já começa a sentir as palpitações no corpo. “Esqueci o álcool em gel? A máscara está presa o bastante? Será que o mercado vai estar cheio demais?”, pensa impaciente.
A goiana sofre com crises de ansiedade que se intensificaram nos últimos meses por conta do isolamento social e da pandemia do novo coronavírus.
Uma pesquisa feita pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) nos meses de maio, junho e julho de 2020 revela que 80% da população brasileira tornou-se mais ansiosa na pandemia.
Os estudos também mostram que 65% dos entrevistados têm sentimento de raiva; 63% sintomas somáticos, que podem ser sensação de dor, mal-estar gástrico, qualquer coisa orgânica resultante de um quadro de ansiedade; e 50% tiveram alteração do sono.
Apesar de trabalhar no setor administrativo, Lorrayne acompanhou de perto histórias de colegas da área da saúde no combate contra a Covid-19. Também precisou mudar toda a rotina em casa. “Fiquei durante muitos meses trancada e sinto que a ansiedade aumentou. Não voltei ainda para os exercícios físicos, que me ajudavam muito, mas tenho tentado trabalhar a respiração”, explica a enfermeira.
No corre-corre do cotidiano, o frio na barriga e o receio de situações percebidas como ameaçadoras tiram as noites de sono. Quem sofre da chamada ansiedade generalizada não dorme bem, não come direito nem produz corretamente. A autoestima cai, a angústia e a frustração aumentam e a resistência imunológica do corpo fica mais suscetível a distúrbios cardiovasculares, depressão e infecções.
De acordo com a doutora em Psicologia Clínica da Universidade de São Paulo (USP) e terapeuta cognitiva-comportamental, Fabiana Gauy, a insegurança e incerteza são geradoras de ansiedade durante a pandemia.
“O isolamento rompe o vínculo de apoio social, o contato físico, o que, associado ao momento incerto, é uma bomba de ansiedade. Pouco sabemos, é melhor ficar isolado totalmente? Quando teremos a vacina? Ela de fato resolverá? Se eu pegar a Covid o que devo fazer? O quanto posso me arriscar e que sacrifícios terei que fazer?”, indaga.
Após meses de quarentena, há aqueles que experimentam a ansiedade de retomar ritmos anteriores, o medo de sair e há ainda aqueles que descobriram que a vida em casa não é tão ruim quanto parecia no começo.
Segundo Fabiana, o retorno ao normal não é apreciado por todos, devido à pressão de ter que voltar ao mundo e retomar a rotina habitual. “Nossas casas, nesse período, tornaram-se uma espécie de refúgio, mantiveram-nos a salvo do vírus, mas também longe do mundo. Estabelecemos um perímetro de segurança e agora devemos abandonar a atmosfera de incerteza”, explica.
As sequelas psicológicas da pandemia provavelmente persistirão por meses e anos, segundo a pesquisadora. Estudos indicam que a pandemia está associada a angústia, ao aumento da violência doméstica, ao luto, à ansiedade, ao medo de contágio, à depressão, à insônia e ao suicídio.
“O isolamento social, o medo de contágio, as incertezas, o estresse crônico e as dificuldades econômicas podem levar ao desenvolvimento ou exacerbação de quadros emocionais, como depressão e ansiedade, uso de substâncias e outros transtornos psiquiátricos em populações vulneráveis”, destaca a psicóloga.
Controle
O primeiro passo para a melhora do quadro de ansiedade é, de acordo com Fabiana Gauy, reconhecer o problema, refletir sobre o que está acontecendo e por quê.
A dica é criar uma rotina executável no momento. Por isso, é necessário estabelecer uma que faça sentido e seja fácil de ser seguida, com a inclusão de exercícios e alimentação saudável na programação.
“Se cobrar ou cobrar do outro só dificulta a saída desse quadro ou até mesmo pode agravar os sintomas. Identifique o problema e divida-o em pequenos problemas. Você está no controle dos seus atos e não no controle da pandemia. Um passo de cada vez”, reflete.