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Pesquisadores descobrem crânios milenares em Serranópolis, no Sudoeste de Goiás

Acervo Projeto Serranópolis
Crânios encontrados no sítio de Serranópolis: estimativa é que eles tenham entre 3 e 4 mil anos

Dez crânios humanos milenares acabam de ser localizados numa única quadrícula de 1 metro quadrado, em Serranópolis, Sudoeste de Goiás, por arqueólogos liderados pelos professores doutores Júlio Cezar Rubin de Rubin e Rosiclér Theodoro da Silva, do Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia (IGPA), da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás). A descoberta, inserida no projeto Escavação do Sítio Arqueológico Serranópolis Goiás: Novas Perspectivas, é comemorada por ampliar o conhecimento referente ao povoamento humano do Planalto Central Brasileiro e, por consequência, de toda a América do Sul.

A equipe, formada por cerca de 20 pessoas, entre estudantes e professores, escavam desde 2020 no Sítio GO-Ja-02, do complexo do Diogo, dando continuidade às pesquisas iniciadas na década de 1970 pelo padre jesuíta e arqueólogo gaúcho, professor doutor Pedro Ignácio Schmitz, e seguidas no início dos anos de 1990 pelo fundador do IGPA, o professor doutor Altair Sales Barbosa, um dos mais importantes estudiosos do Cerrado. Eles foram os principais identificadores de quase 40 sítios arqueológicos da região onde viveram grupos humanos caçadores-coletores e agricultores ceramistas, uma referência para pesquisadores de todo o mundo.

Já na quarta etapa e com término previsto para 2023, o projeto envolve pesquisadores de oito instituições acadêmicas e públicas do Brasil e do exterior: a PUC Goiás; a Universidade Federal de Goiás (UFG), câmpus Jataí; a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade de Paris (França); a Universidade Tecnológica de Pereira (Colômbia); a Universidade Central da Província de Buenos Aires (Argentina); o Museu Nacional de História Natural (França); e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A iniciativa tem a aprovação do Iphan e do Centro Nacional de Arqueologia (CNA).

O conjunto arqueológico de Serranópolis, bem cultural acautelado pelo Iphan e considerado um dos mais importantes da América Latina, se destaca pelas grutas com pinturas e gravuras rupestres, remanescentes de aldeias e acampamentos e cemitérios que comprovam a presença humana na região há milhares de anos. Passaram por ali grupos de caçadores-coletores da Tradição Itaparica, que ocuparam o Planalto Central há milhares de anos. Foi no Sítio GO-Ja-01, no complexo do Diogo e a 500 metros do atual local de escavação, que foi encontrado, em 1996, pela equipe do arqueólogo Altair Sales, o esqueleto que ficou conhecido como o Homem da Serra do Cafezal, ou Zé Gabiroba, datado de mais de 11.500 anos, hoje exposto no Museu Histórico de Jataí.

A estrutura funerária recém-localizada possui uma datação relativa a 3 ou 4 mil anos, segundo o geoarqueólogo Julio Rubin. Ela estava a 70 centímetros da superfície, o que indica não se tratar de indivíduos da Tradição Itaparica. Uma das coordenadoras do trabalho de campo, a doutoranda Jordana Batista Barbosa explica que são duas áreas de escavação, uma de 1,70 m de profundidade, e outra de 6 m2, com 70 cm. Os crânios estavam concentrados num espaço de 1 m2. Com eles havia um colar de contas de molusco e fragmentos de ossos e de vértebras da mão. “Os crânios podem estar associados a uma prática funerária já que não encontramos outras partes do esqueleto”, diz Jordana Barbosa.

Rosiclér Theodoro lembra que ainda não há respostas definitivas. “Estamos pressupondo, porque este material ainda não foi investigado.” Por uma questão de preservação, as estruturas foram desenterradas e levadas para laboratório onde vão passar por uma série de análises. Julio Rubin explica que os escritos deixados pelo padre Schmitz indicavam um sepultamento duplo na região. “Ir atrás não era nosso objetivo. Quando trabalhamos num contexto como esse, encontrar qualquer vestígio nos emociona. Importante não é só achar algo monumental, pequenos detalhes são fundamentais para nós.”

É o que também enfatiza Rosiclér Theodoro. “Neste momento a visibilidade está nos indivíduos, nesses crânios, e encontrá-los é incrível. Mas não é apenas isso. Queremos entender como o espaço foi ocupado, como viviam essas pessoas, o que comiam. São muitas perguntas e em cada etapa surgem novas para serem respondidas”, afirma. Doutor em Zoologia, Matheus Godoy Pires, responsável pela identificação de elementos da fauna, tem encontrado no abrigo moluscos, elementos ósseos de roedores, de aves, de pequenos répteis, vértebras de serpentes e detritos vegetais. “Vamos construir um panorama para entender como as pessoas se apropriavam do ambiente ao redor.”

A professora doutora Maira Barbieri reforça que é grande o volume de material obtido nas escavações. “Os vestígios líticos (instrumentos elaborados com pedras lascadas), as gravuras, as pinturas e outros fragmentos nos ajudam a entender o contexto daquelas populações.” Ela acredita que após 50 anos da fase inicial dos estudos em Serranópolis, ainda há muito o que descobrir. “É trabalho para muito tempo, para muitas gerações de pesquisadores.”

Preparação precedeu início da pesquisa

A retomada das pesquisas em Serranópolis exigiu um longo tempo de preparação. “É muita responsabilidade”, justifica Julio Rubin, sobre o cuidado em seguir os passos traçados pelo padre Schmitz e por Altair Sales e pela importância do conjunto arqueológico. “Antes de criar coragem, fizemos pesquisa em outros lugares, como o Vale do Araguaia. Somente quando a equipe estava qualificada, com vários egressos para nos dar suporte, iniciamos o projeto”. Jordana e a outra coordenadora de campo, a mestranda Joanne Ester Ribeiro Freitas, que tem feito grande parte dos registros fotográficos, saíram do quadro de discentes da PUC.

Financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg), pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela PUC, o projeto segue adiante com menos de R$ 200 mil. “É pouco, mas ficamos extremamente felizes em conseguir esses recursos. Embora a dificuldade seja grande, achamos que somos privilegiados”, afirma Julio Rubin. Segundo ele, parceiros indiretos, sempre dispostos a suprir necessidades, como o empréstimo de veículos para o deslocamento até Serranópolis, e apoio da própria PUC, ajudam a superar os entraves. 

“Estamos trabalhando com o orçamento desatualizado”, explica Rosiclér Theodoro. A proposta, apresentada em 2016, previa dez datações - exame que determina a idade do objeto ou fóssil, por meio da quantidade de carbono 14 - que são feitas fora do Brasil, mas até agora, depois de dois anos de trabalho, somente três foram concluídas. “Elas não são baratas. As três datações custaram R$ 9 mil.” E há muitas outras despesas como estadia, transporte, combustível, alimentação que desafiam diariamente os coordenadores do projeto.

Município espera por construção de museu

A descoberta foi apresentada em primeiro lugar à comunidade de Serranópolis em agosto, durante uma audiência pública no Armazém de Cultura da cidade. Estiveram presentes autoridades municipais e representantes do Ministério Público e do Iphan. “Os pesquisadores tiveram a grandeza de manter a descoberta em segredo e nos comunicar em primeira mão”, agradece o secretário de Cultura e Turismo do município, Delídio Nery. “Serranópolis ganha muito com isso. É de grande importância porque já temos o Zé da Gabiroba (Homem da Serra do Cafezal), o que denota que o início da civilização sul-americana passa pelo nosso município. Agora temos novas evidências.”

“O que foi encontrado na Gruta do Diogo 2 é completamente diferente de tudo o que foi revelado nas escavações anteriores. É um importante marco para a arqueologia brasileira e ajudará a impulsionar o turismo em Serranópolis”, afirma o geógrafo Élio Amorim Lima, integrante da Associação dos Condutores de Turismo de Expedição de Serranópolis (Acotes). 

Delídio Nery explica que a luta agora é pela construção de um museu adequado para receber estruturas fósseis e artefatos encontrados no município, com espaço de exposição. “As negociações nesse sentido estão adiantadas com a empresa Atiaia Renováveis, que pretende construir uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH) na região”. De acordo com o secretário, a empresa concordou em assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) junto ao Ministério Público e ao Iphan com essa contrapartida para minimizar os danos ambientais. A expectativa é que, com a construção do museu, o esqueleto do Zé da Gabiroba, hoje em Jataí, seja levado de volta a Serranópolis.

O professor Julio Rubin comemora a possibilidade. “Nossa intenção é que todo o material coletado volte para o museu. E também vamos disponibilizar imagens do nosso acervo fotográfico produzido pelo projeto. Todos nós temos nos dedicado para que isso seja efetivado.” Para o pesquisador, é fundamental que, agregado ao museu, seja criado um centro de pesquisas, com alojamento e laboratórios, para receber estudiosos do mundo todo. “Vamos colocar Serranópolis em outro patamar. Tanto a comunidade local quanto a acadêmica merecem isso para que as novas gerações de pesquisadores não passem tanta dificuldade quanto nós.”

Iphan é responsável pela proteção de bens de valor arqueológico

Parte integrante do Patrimônio Cultural Brasileiro pela Constituição Federal, os bens de natureza material de valor arqueológico são protegidos pelo Iphan. Para os arqueólogos da superintendência do órgão em Goiás, Danilo Curado e Hellen Carvalho, as pesquisas em Serranópolis ratificam a importância da existência do próprio Iphan, enquanto órgão gestor do patrimônio arqueológico. “Sem a devida política de gestão dos sítios, eles se perderiam devido aos impactos decorrentes dos empreendimentos e do próprio desenvolvimento econômico”, salientam.

Os arqueólogos lembram que já se passaram 50 anos desde as pesquisas iniciais na região. “Hoje, novas tecnologias e recursos nos auxiliam a obter dados atualizados sobre o solo de ocupação e o DNA dos indivíduos que habitaram a área, o que nos possibilita obter mais informações sobre nossos antepassados”, complementam. 

O superintendente do Iphan em Goiás, Allyson Cabral, acredita que os novos vestígios localizados podem fomentar outros projetos. “O Iphan-GO tem estudado a destinação de recursos provenientes de TAC, de modo a gerar mais visibilidade científica para a região”, ressalta.


Trabalho de equipe e comemoração

Para os arqueólogos, a afinidade da equipe tem sido a grande responsável pelos resultados obtidos. “Sem a qualidade dos profissionais envolvidos e sem a integração, jamais faríamos um trabalho de excelência como esse. Todos já sabem o que fazer, são dedicados e ninguém cobra nada de ninguém”, comemora Julio Rubin. Maira Barbieri concorda. “É um trabalho prazeroso. A gente se ama como companheiros de trabalho e essa afinidade é fundamental e traz rendimento.” Do grupo fazem parte estudantes de Arqueologia da PUC que recebem ensinamentos em aulas de campo e se emocionam com as descobertas, como os demais.

O novo achado ósseo está relacionado à perspicácia e à provocação de um deles. Domingos de Souza Sobrinho Neto, no último período do curso, conta que no dia anterior escavava na área mais profunda quando percebeu algo branco. “Chamei todo mundo e a Jordana me pediu para fazer o teste com a ponta do pincel e era rocha. A turma ficou brava comigo. Eu pensei: ‘Amanhã eu me vingo’.” E não deu outra. No dia seguinte, já no espaço menor, novamente se deparou com algo branco e, já desacreditado, ninguém deu muita atenção. Mas o teste feito por Jordana confirmou que era osso. “Foi emocionante demais quando a caveira foi aparecendo. Foi como um nascimento”, detalha Domingos.
 
A comemoração teve como testemunhas passarinhos que sempre cantam nas imediações do abrigo. “Foi uma sensação incrível. Teve muito chororô”, lembra Domingos. Trabalhando a 1,70 m da superfície, o recém-formado Elton Ângelo Denardim gritava com os colegas para saber o que estava acontecendo. “Estamos num momento ímpar. Quando a gente discute rotas de migração e a população nas Américas, essas descobertas não só colocam Serranópolis numa escala regional, mas também nacional. É importante para nós porque valoriza a pesquisa, muda a perspectiva da ciência brasileira e também do município”, destaca Jordana.

Acervo Projeto Serranópolis
Vista do local onde estão sendo realizadas as escavações
Acervo Projeto Serranópolis
Material localizado por pesquisadores
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