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Pessoas que vivem com HIV contam como enfrentam a desinformação

Divulgação
Lucas Manga: “Toda a história que envolve a epidemia do HIV ensinou a gente a sofrer muito, a ter medo, a se isolar”

“O meu caso foi como o da maioria das pessoas que se infectam: eu não sabia de nada. Estava dentro de uma bolha e, no momento que recebi o diagnóstico, eu achei que morreria”, relata o DJ e produtor cultural Lucas Manga, de 35 anos, que vive com HIV desde junho de 2018. “Mas foram os únicos 5 minutos em que estive sozinho. Desde o início, contei com pessoas me dando suporte em tudo”, continua.

Dividir a notícia com pessoas próximas e perceber os estigmas que carregaria a partir dali foi o início de um processo que, hoje, é assunto que trata publicamente nas redes sociais. A própria reação inicial ao diagnóstico e, imediatamente depois, a bagagem de estudos que precisou adquirir, fizeram ele compreender a dimensão do problema que é a desinformação. “As minhas posições de privilégio me fizeram pensar na minha postura enquanto comunicador e em como as plataformas que eu uso para levar mensagens poderiam ser usadas para impactar a comunidade e compartilhar um pouco do meu lugar”, explica.

Essa exposição, no entanto, era um processo interno e complicado. A sua intenção era expressar normalidade ao fato de que ele é uma pessoa que vive com HIV; mais do que isso, que ele vive bem e com saúde. A partir daí, publicou, em 14 de junho, o primeiro vídeo em seu perfil do Instagram com o título Vivo com HIV, e Aí?.

Falar abertamente acabou funcionando também como uma estratégia para a sua vida pessoal. “Toda a história que envolve a epidemia do HIV ensinou a gente a sofrer muito, a ter medo, a se isolar. Em casos de relacionamentos, por exemplo, passei por situações muito chatas”, relata. “Não tenho a obrigação de compartilhar a minha sorologia; mas, ao mesmo tempo, estar me envolvendo afetivamente com uma pessoa e ter um segredo com ela me faz ter de ‘sair do armário’ toda vez que conheço um cara. É sempre uma situação dolorosa. A gente está sempre à espreita da rejeição”.

Antes de tornar o assunto público, no entanto, Lucas precisou compartilhar com a família que ele vive com HIV. “Foi um momento muito bonito de reconexão, porque eu tinha me afastado do meu círculo familiar por conta disso”, conta. Hoje, é a mãe que o acompanha nas suas consultas, que acontecem de seis em seis meses. “Trazer minha família para dentro desse universo foi muito bom. Por isso, deixei o tratamento aí em Goiânia”, conta ele, que mora em São Paulo.

Canal aberto

A ideia de dividir seu caso já existia, mas envolvia uma série de fatores: exposição, rejeição, preconceito. “Tive alguns gatilhos que me levaram a começar a falar sobre isso. Perdi um amigo no ano passado para o HIV e para a aids”, conta. Nesse meio tempo, Lucas acompanhou outros amigos passando pelo mesmo processo, mas de forma muito solitária. “Foi quando eu percebi que a maioria das pessoas que tinham de lidar com o HIV não sabia de nada. Não sabiam a diferença entre HIV e aids, não conheciam a PrEP, que é a Profilaxia Pré-Exposição ao HIV. Entendi que era aí que poderia estar o meu lugar”, comenta.

“A pandemia do coronavírus também trouxe um olhar diferente do que a gente pode fazer de diferença frente a uma infecção que atinge o mundo inteiro”, continua. “Estamos falando de uma infecção crônica 100% controlável. Na categoria da OMS, estamos falando do mesmo patamar de diabetes. Por que, então, uma pessoa com diabetes pode falar sobre com toda a naturalidade e eu não? Esse era o meu desafio”, argumenta. Depois do primeiro vídeo - uma espécie de revelação-desabafo -, ele passou a produzir também conteúdos informativos tirando as principais dúvidas sobre o HIV, mas sem pretensão de atingir um público amplo. “O objetivo é falar para o público LGBTQ que me segue, que sabe o que eu estou passando e que pode estar passando pelo mesmo”, explica.

A principal tecla que ele bate é a da rotina de testagem. “O que eu falo para todo mundo que chega a mim em alguma rede social, que teve relação desprotegida e está com medo de se testar, é: a infecção, se ela aconteceu, foi lá na relação sexual. Você tem duas opções: saber e começar a se tratar ou saber que não é reagente e se prevenir melhor daqui para frente. Mas a única ferramenta é a testagem”, comenta. “Se eu convencer um moleque de 23 anos, sexualmente ativo há cinco, que nunca se testou a ir se testar, o meu papel já está cumprido”, ressalta.

Desde a primeira postagem, um canal de contato com quem é alcançado pelas publicações se abriu. “A mensagem que eu passei é que estou aberto a conversar. Meus amigos se preocuparam muito com o peso de eu me tornar um suporte psicológico para outras pessoas. Faço terapia, porque são questões de saúde mental também”, explica. Apesar disso, ele não abre mão dessa troca. “Muita gente já foi se testar por causa de mim e fico feliz de compartilhar essa construção”, avalia. Além do Instagram, Lucas utiliza o aplicativo de relacionamento Grindr, dedicado às comunidades gay, bi, trans e queer. “Faço um plantãozinho. Tiro um dia na semana, anuncio que estou aberto a falar sobre HIV e converso com as pessoas”, conta. “Estou dando um suporte de amizade. São coisas pequenas, mas que fazem a diferença.”

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