A Justiça mandou para júri popular os sete policiais militares acusados de matar quatro pessoas em uma chácara em Cavalcante, no nordeste goiano, em janeiro deste ano. Na decisão de 28 páginas, o juiz Rodrigo Victor Foureaux Soares, da Comarca de Cavalcante, autorizou a transferência do processo para que se realize o julgamento em outra comarca e pede para o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) que defina a comarca, sugerindo a de Goiânia como mais adequada.
Os sargentos Aguimar Prado de Morais e Mivaldo José Toledo, o cabo Jean Roberto Carneiro dos Santos e os soldados Luís César Mascarenhas Rodrigues, Ítallo Vinícius Rodrigues de Almeida, Welborney Kristiano Lopes dos Santos e Eustáquio Henrique do Nascimento são acusados de armar uma emboscada para matar Saviano Souza Conceição, de 63 anos, Ozanir Batista da Silva, o Jacaré, de 46, Alan Pereira Soares, de 28, e Antônio Fernandes da Cunha, o Chico Calunga, de 35. Os policiais também respondem por fraude processual.
O crime teve grande repercussão na região da Chapada dos Veadeiros, causando forte comoção popular, o que motivou uma investigação pela Polícia Civil sob supervisão do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO). Os policiais estão detidos desde o fim de fevereiro e na decisão que os levou ao júri o magistrado manteve a prisão preventiva de todos.
Os policiais são acusados de simular um flagrante de apreensão de pés de maconha após uma suposta denúncia anônima para invadir as chácaras de Salviano e Ozanir, render as quatro vítimas e matarem todas com quase 60 tiros disparados. Os acusados alegam que foram os civis que começaram a atirar durante a abordagem, mas não foi encontrada nenhuma prova de que os quatro estavam armados ou mesmo que tenha havido outros disparos senão os das armas da PM.
A denúncia feita pelo MP-GO aponta que os policiais ficaram por cerca de uma hora e meia na chácara e após renderem as vítimas foram ouvidas duas levas de tiros, com um intervalo de 10 minutos entre elas. Uma mulher grávida que estava na chácara foi deixada com vida. A presença dela foi omitida no registro inicial da ocorrência pelos policiais, mas foi incluída no interrogatório.
Outra testemunha que estava trabalhando na chácara ouviu os gritos dos policiais e das vítimas e conseguiu se esconder sem ser notada por estar mais afastada na hora que a abordagem ocorreu.
Na versão dos policiais, eles colocaram as quatro vítimas em uma única viatura ainda com vida após os disparos, mas antes de levá-las a um hospital a 36 quilômetros dali, fizeram uma revista na propriedade, atearam fogo nos supostos pés de maconha e ainda pararam no caminho para pedir para que a grávida voltasse para a chácara.
Versão contestada
Na sentença proferida nesta quinta, o juiz negou o pedido de nulidade da denúncia por não individualizar a conduta de cada um dos policiais e do inquérito por supostas falhas processuais alegadas pela defesa dos réus. Também disse haver provas e indícios suficientes para materialização de um crime e de autoria ou participação dos réus, o que justifica a pronúncia dos mesmos para o júri.
O magistrado também argumenta que os fatos apresentados pelos policiais não foram comprovados e que mesmo que realmente o local fosse utilizado para plantação de maconha para tráfico não “exime a responsabilidade penal, em tese da conduta perpetrada” na chácara. “As testemunhas presentes no local narraram, de maneira uniforme (confirmando as oitivas em sede policial), que nenhuma das vítimas estava armada, não houve resistência ou qualquer violência perpetrada contra os policiais.”
Victor também destaca que as versões apresentadas pelos sete policiais conflitam entre si. Ele cita como exemplo quando um deles citou que antes da abordagem às vítimas encontraram uma testemunha dentro da propriedade vizinha que indicou onde estariam as drogas, enquanto outros contaram que foram diretamente à chácara de Salviano, onde teriam sido recebidos a tiros.
O juiz também avaliou ainda haver motivos para manter os sete policiais presos. Além de verificar os fatores legais necessários para justificar a manutenção, Victor diz que as prisões se fazem “necessárias à garantia da ordem pública, mormente considerando a perturbação da tranquilidade da população local”. Ele também diz que os policiais teriam demonstrado alta periculosidade, “uma vez que agiram munidos de arma de elevado potencial lesivo, com grande número de disparos e em face de vítimas desarmadas.”
Desaforamento
O pedido de desaforamento do processo, que envolve a transferência do júri para outra comarca, foi aceito pelo juiz. Ele pede que o TJ-GO decida qual a melhor delas para o julgamento e sugere Goiânia como a ideal, por ser a capital e ter mais estrutura e mais opções neutras para compor o quadro de jurados. “O julgamento por juízo imparcial é uma garantia constitucional e convencional e abrange todos os réus, independentemente, de qualquer circunstância, da gravidade do crime, da origem, da profissão.”
Ainda segundo o magistrado, a chacina causou forte comoção da população local, que por diversas vezes demonstrou publicamente sua indignação. “No crime apurado nestes autos, verifica-se que a população se manifestou em diversas oportunidades, demonstrando repúdio e emitindo inúmeros juízos de valor, que, considerando o número de habitantes da cidade de Cavalcante podem afetar o julgamento imparcial pelo Tribunal do Júri”, escreveu.
Ainda sobre o pedido de desaforamento, Victor é incisivo sobre a dificuldade de um julgamento imparcial em Cavalcante ou mesmo na região. “Não há condições de se garantir um julgamento imparcial pelo Tribunal do Júri, em razão da grande revolta da população local com diversas manifestações atrelado ao fato do município contar com cerca de 10 mil habitantes, o que somente reforça o poder de influência nos jurados decorrente dos protestos.”