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População em situação de rua em Goiânia sofre com descaso e violência

Diomício Gomes
Número da população em situação de rua em Goiânia é estimado em 2,5 mil pessoas. Em Goiás, seriam 4 mil

Na noite desta segunda-feira (22) um morador em situação de rua foi agredido por um policial militar na Rua 3, Centro de Goiânia, nas imediações do Mercado Central. A ação foi presenciada por uma equipe da Pastoral de Rua da Arquidiocese de Goiânia que distribuía cobertores aos sem tetos que dormem sob marquises na região central da capital. Áudios sobre a abordagem truculenta foram compartilhados em aplicativos de mensagens de instituições que atuam junto a essa população.

Conforme os relatos, cerca de 15 homens dormiam sob uma marquise quando chegou uma viatura da Polícia Militar (PM). “Como já estamos acostumados, ficamos aguardando a abordagem para continuar nosso trabalho. Achei que seria tranquilo, mas do nada um policial deu um tapa na cara de um dos moradores e ele caiu. Foram vários tapas”, contou um integrante da Pastoral de Rua. Segundo ele, o policial pisoteou nas garrafas plásticas com água potável e pediu ao morador para tirar a camiseta e o fotografou. “Qual a razão disso?”, questionou.

Maria Madalena, que há mais de 40 anos atua na Pastoral de Rua, disse que diante da violência da abordagem, a equipe começou a discutir com os policiais. “Essas abordagens são normais e não somos contra, até para evitar atritos entre os próprios moradores de rua, mas essas pessoas não podem ser tratadas como se fossem ratos da sociedade”, comentou. Após embate verbal entre os membros da Pastoral e os policiais, o militar agressor foi afastado pelo coordenador da operação e houve diálogo.

“Cada vez mais eu percebo que falta um olhar humano para essas pessoas. A gente tem de investir no amor. Elas estão na rua porque o amor quebrou lá atrás”, afirma a superintendente de Direitos Humanos da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Seds), Ana Luísa Freire Andrade Pinto. Coordenadora do Comitê Estadual de Monitoramento de Políticas para a População em Situação de Rua (Ciamp Rua), que reúne representantes de órgãos governamentais e instituições da sociedade civil, ela tomou conhecimento do que ocorreu na Rua 3 e deve discutir o assunto em reunião extraordinária. A coordenadora do Ciamp confirmou que os relatos de abordagens truculentas ainda são frequentes.

Ana Luísa, que nesta terça-feira (23) estava em Brasília participando de reunião com o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, comentou que a situação da população de rua foi um dos temas em destaque. “No Brasil, essa população aumentou 38%, segundo o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea)”, afirmou. Em Goiás, os números são estimados. A superintendente de Direitos Humanos da Seds explicou que pelo CadÚnico o número oficial de moradores de rua em Goiás é de 2.111 pessoas. “Mas, sabemos que muitas nem sabem o que é CadÚnico, por isso acreditamos que estejam vivendo nessa condição de vulnerabilidade no estado cerca de 4 mil pessoas, 2.500 em Goiânia.”

Endereço

O último levantamento sobre a população em situação de rua na capital foi realizado em 2019 pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Criminalidade e Violência (Necrivi), da Universidade Federal de Goiás (UFG). Naquele período, Goiânia contava com 1.200 pessoas em situação de rua. A partir de 2020, com a pandemia da Covid-19, o crescimento de pessoas em situação de vulnerabilidade nas ruas é evidente. A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano e Social (Sedhs) de Goiânia, que percebeu aumento nos atendimentos para esse público nas unidades da pasta, planeja um novo censo ainda para este ano junto com o Necrivi, coordenado pelo sociólogo Dijaci David de Oliveira.

Dijaci, doutor em Sociologia, confirma que o Necrivi está em tratativa com a Sedhs para desenvolver um novo censo. Para ele, falta habilidade nas abordagens policiais, um assunto que tem sido sistematicamente discutido por todos os envolvidos com o tema, mas o debate precisa ser mais amplo. O sociólogo defende uma interação e diálogo maior entre estado e município para a execução de políticas públicas efetivas. “Não basta fazer um levantamento. É preciso compromisso. Vários países, ao invés de espancar moradores em situação de rua estão apostando no que é melhor para mudar suas vidas: um endereço, o maior passo para a dignidade.”

O coordenador do Necrevi enfatiza que dar um local de moradia para esse público fica mais barato para os governos e aumenta a chance de mudança. “Espancadas, essas pessoas necessitam de um posto de saúde, de medicamentos e de serviços de assistência social e psicológica. Qualquer pessoa que procure um emprego ou escola para os filhos precisa de um endereço fixo para se cadastrar. Essa percepção tem sido muito clara em outros países.” A Sedhs que executa na capital as políticas de atenção às pessoas de situação de rua oferece acolhimento provisório, alimento, documentação e outros tipos de apoio, mas constitucionalmente não pode obrigá-las a aceitar os encaminhamentos propostos.

Para Dijaci Oliveira, é preciso garantir uma política consistente para a população de rua e não somente na região metropolitana da capital. Ana Luísa Freire, do Ciamp Rua, que também defende um lugar de moradia para essa população, concorda. À frente do projeto Dignidade na Rua, da Seds, ela contou que em uma única edição a equipe convenceu quatro pessoas a buscar outros caminhos, como o retorno ao lar, um tratamento ou trabalhar. “Um dos moradores comentou comigo que há dias ninguém olhava em seus olhos. São pequenos cuidados que fazem a pessoa mudar.” A sexta edição do projeto está marcada para o dia 31 deste mês em Anápolis.

Conforme Ana Luísa Freire, a pedido da superintendência dos Direitos Humanos da Seds, o Instituto Mauro Borges de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos está realizando um estudo para identificar o número real de pessoas que vivem nas ruas não somente da capital, mas também nos demais municípios. “Se não temos estatísticas, não temos como criar políticas públicas”, afirma Ana Luísa.

A reportagem entrou em contato com a Polícia Militar do Estado de Goiás sobre a abordagem em frente ao Mercado Central de Goiânia, mas até o fechamento desta edição não obteve retorno.

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