A prefeitura de Cavalcante de Goiás vai leiloar cerca de 60 búfalos. Os animais foram doados pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Semad). Os bovinos estão no Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga (SHPCK) e foram levados para lá pelo proprietário de um imóvel rural, o que é proibido.
Os búfalos foram deixados no território em outubro de 2022. À época, a comunidade calunga acionou a Semad pedindo providências, pois os animais causam destruição da fauna e de nascentes e também ameaçam a alimentação dos residentes. Nesta quinta-feira (16) a tutela deles foi repassada para a prefeitura local pela secretaria.
Em entrevista à reportagem na quinta, o prefeito Vilmar Kalunga afirmou que já conversou com um leiloeiro. “Ele me disse que acredita ser viável a gente conseguir comprador para os búfalos”. Questionado se caso o leilão dos animais der errado, o gestor da cidade disse que poderia ver com a comunidade calunga o possível interesse nos mesmos para abate e alimentação.
Os búfalos ainda estão no território. “Nós vamos tocar eles e cercá-los para contenção”, explica o prefeito. A intenção de Kalunga é reverter os recursos financeiros do leilão para a aquisição de um micro-ônibus que sirva à comunidade calunga, ainda que isto necessite de complemento da prefeitura.
A Semad afirmou que a formalização do ato se deu por meio da assinatura de um termo. Ainda segundo a secretaria, após a doação, a prefeitura será notificada e terá 30 dias para recolher os búfalos. O número divulgado pela Semad é de ao menos 63 bovinos. No entanto, já está acordado que outros, que possam ser encontrados posteriormente, já estão contemplados no documento.
Em um perfil de rede social da Semad, a divulgação do assunto levantou a curiosidade de usuários. Eles questionavam o que a prefeitura faria com os búfalos. A decisão de doar os animais, segundo a secretaria, foi tomada com amparo legal no artigo 44 da Lei estadual 18.102. “Os animais de que trata o inciso II (apreendidos, sejam domésticos ou exóticos) deste artigo, depois de avaliados, poderão ser doados, mediante decisão motivada da autoridade ambiental, sempre que sua guarda ou venda forem inviáveis econômica ou operacionalmente”,estipula a lei.
O presidente da Associação Quilombo Kalunga (AQK), Carlos Pereira, afirma que a comunidade discutiu o assunto com a administração municipal e vê na medida uma solução para o problema que a incomodava desde o ano passado. “O que nós queremos é a retirada destes animais o mais rápido possível do nosso território porque eles já causaram muita destruição.”
“A nossa intenção é que os búfalos que ficarem para trás após o leilão sejam destinados para consumo durante festividades”, acrescenta Pereira.
Em abril de 2021, os búfalos já preocuparam a comunidade. Os bovinos foram levados para o território, mas tiveram o desembarque impedido pelos próprios calungas. Eram 21 animais.
Os animais que foram deixados no território em outubro do ano passado foram noticiados em dezembro. A AQK já havia notificado a Semad e cobrava providências.
Fiscalização
O proprietário da Fazenda Choco I;II e IV, Marcos Rodrigues da Cunha, foi notificado pela Semad em dezembro passado para retirar os búfalos. Naquele mês ele também teve a atividade de supressão de vegetação embargada, bem como a atividade de pecuária extensiva.
Na ocasião foram lavrados dois autos de infração. Pela criação proibida dos animais o valor foi de R$ 300,5 mil. A respeito do desmatamento foram R$ 6,5 mil. Também foram apreendidos os animais, que somavam 38. Após deixar os animais no território calunga, o dono da propriedade rural os abandonou.
A reportagem tentou contato com o proprietário da fazenda no início da noite desta sexta-feira, mas a chamada não foi atendida pelo mesmo.
A fazenda está em fase de desapropriação pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) por ser área de preservação permanente.
A preocupação da comunidade com os animais existe porque se trata de um animal de grande por que é difícil contenção. A região é de um Cerrado com características próprias, menos denso e solo mais frágil. No ano passado, parte deles foi flagrada, por meio de drones da associação, em uma área de nascentes.
Os calungas temiam ainda que poderiam perder as lavouras que estavam plantadas para alimentação na próxima estação, caso os búfalos alcançassem estes locais.
Com cerca de 300 anos de ocupação, Kalunga é o maior território quilombola do Brasil com 262 mil hectares. Mais de 1,5 mil famílias vivem em 39 comunidades espalhadas em três municípios do Nordeste de Goiás: Cavalcante, Monte Alegre e Teresina de Goiás, na região da Chapada dos Veadeiros.