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Prefeitura de Goiânia comprou livro motivacional de R$ 1,2 mil para 5 mil servidores

Diomício Gomes

A prefeitura de Goiânia pagou R$ 6,14 milhões em julho deste ano por cinco mil livros para “melhorar a postura e o desenvolvimento emocional” de servidores municipais, o que representa cerca de R$ 1,23 mil por unidade adquirida. A justificativa da compra, feita sem licitação, foi a identificação de profissionais em diversas pastas da administração municipal com “problemas relacionados à socialização, sinergia no ambiente de trabalho e queda de produtividade” após a pandemia da Covid-19.

O livro “Next - Seu Próximo Passo” é da Viver Editora, com sede em Manaus e em São Paulo, mas a aquisição foi por meio de uma adesão à ata de um pregão eletrônico promovido pelo Consórcio Intermunicipal da Região Central de São Paulo (Concen) e vencido pela Multiverso das Letras, uma distribuidora com sede na capital paulista. No final de setembro, a Secretaria Municipal de Educação (SME) de Goiânia aderiu a esta mesma ata para uma compra de R$ 26,93 milhões em livros paradidáticos a serem distribuídos aos alunos em 2025.

Não são os primeiros contratos que a prefeitura faz com a Multiverso. Em dezembro de 2023, por meio de uma adesão à ata de outro pregão eletrônico também vencido pela empresa no Concen, a SME adquiriu por R$ 20,3 milhões em livros paradidáticos que foram distribuídos para os alunos de 1º ao 5º ano da rede municipal neste ano. Agora em setembro, a pasta da Educação está comprando para o próximo ano letivo os mesmos livros para os alunos do 1º ao 5º ano e acrescentando obras para os do 6º ao 9º ano. Foram 349 mil unidades adquiridas em 2023 contra 463,5 mil agora.

Os livros paradidáticos são da Casulo Editora e da Editora Via Lúdica, cujos sócios são os mesmos da editora que produz o livro de motivação emocional, os empresários Jader José de Oliveira e Antonio Braga de Moura Filho. A Casulo também tem sede em São Paulo e em Manaus, sendo que na capital amazonense o endereço é o mesmo da Viver. Já a Multiverso das Letras consta como sendo do empresário Jeremias Paim. Não consta no site do Concen informações sobre todos os livros (e suas respectivas editoras) oferecidos pela distribuidora no pregão.

O “Next” é vendido pela Viver Editora como um método de ensino, no qual consta um livro de 304 páginas, 42 vídeos que somam 18 horas de aulas gravadas, links com leituras adicionais e realização de exercícios em uma plataforma. Um dos professores que aparecem no vídeo é justamente Antônio, um dos sócios da Viver. Ele se apresenta como professor Braguinha e é teólogo, com pós-graduação em Terapia Familiar Sistêmica. “Ao final, servidores acomodados, desanimados e desmotivados se revelam profissionais proativos e inovadores”, promete a editora, em seu site.

“Economia”

Em nota ao jornal, a Sedhs afirmou que, junto com a pasta da Saúde (SMS), identificou “problemas relacionados à socialização, sinergia no ambiente de trabalho e queda de produtividade entre servidores públicos municipais no contexto pós-pandemia”. “Esses problemas, ligados à saúde mental, afetam o bem-estar dos indivíduos e a qualidade dos serviços públicos prestados. Embora haja foco em capacitações e metas, pouco se discute sobre a saúde emocional dos servidores, que enfrentam desafios como desmotivação e falta de empatia.”

A partir disto, a secretaria decidiu por oferecer a estes servidores “um material pedagógico focado na inteligência emocional, utilizando uma plataforma interativa para promover o aprendizado autônomo”. Ainda segundo a secretaria, a aquisição do livro, com acesso à plataforma, foi motivada “pelo compromisso com o bem-estar de nossos servidores” e a opção por pegar carona na licitação feita pelo Concen se deu pela economia da compra, com desconto oferecido no preço da capa do livro. No site da Viver, o Next é vendido por R$ 2,1 mil.

A Sedhs não quis responder qual o critério de distribuição dos 5 mil livros nem como se deu o levantamento para identificar quais os servidores que enfrentavam problemas emocionais em decorrência da pandemia. A pasta também foi questionada sobre como se deu a implementação do método previsto no livro e se houve alguma espécie de monitoramento e avaliação sobre como cada servidor o estava aproveitando, porém também ficou em silêncio. Não houve resposta também sobre como se deu a escolha do método. As perguntas foram enviadas em 30 de setembro.

Sem informações

O pregão vencido pela Multiverso das Letras ao qual aderiram a Sedhs e a SME neste ano previa a aquisição de até 8 milhões de kits literários. No site do Concen só consta que a distribuidora venceu a licitação com uma oferta de R$ 312,4 milhões, um valor 41,5% abaixo do estimado pelo consórcio, que é formado por 29 cidades da região central de São Paulo, sendo as maiores delas São Carlos e Araraquara. O volume de kits previstos no edital chamou a atenção de uma empresa de Curitiba, que entrou com uma impugnação contra o pregão alegando fraude.

A Futura Comércio de Materiais Educacionais afirmou que o volume de kits é muito superior ao total de alunos matriculados nas redes municipais de ensino das cidades filiadas ao Concen (em torno de 70 mil crianças e adolescentes) e que o edital não especifica como o consórcio chegou ao valor estimado em R$ 534 milhões para o montante de livros desejados. A empresa também questiona o fato de o edital não prever as áreas específicas de conhecimento dos livros a serem ofertados e ser negligente com a qualidade dos mesmos.

Em seu pedido, a Futura sugere que houve um superdimensionamento na licitação para que a empresa vencedora possa utilizar a ata de registro de preço (ARP) posteriormente em outros municípios fora do consórcio. Este tipo de licitação é previsto em lei, são pregões com registro de preço que originam atas às quais qualquer órgão público no Brasil pode fazer adesão. “O intuito em utilizar a ARP como um balcão de negócios em municípios não consorciados é clarividente”, acusa a Futura na impugnação.

Na resposta, o Concen negou os pedidos feitos pela Futura e acusou a empresa de fazer “ilações totalmente descabidas (...) com o intuito de macular os procedimentos realizados por esta entidade regional”. Sobre o volume de kits, disse que foi projetado “de acordo com as eventuais demandas dos municípios consorciados” e que a Futura esqueceu de somar o número de alunos matriculados em creches. Ainda segundo o consórcio seriam mais de 100 mil estudantes envolvidos. “É de bom alvitre mensurar um quantitativo expressivo quando se tem mais cem mil alunos da rede pública de ensino para consumo, além dos profissionais da educação básica.”

O Daqui não conseguiu contato com a Multiverso das Letras. Consta em um perfil da empresa em uma rede social que todas as editoras com as quais ela trabalha pertencem aos mesmos sócios, no caso Jader e Antonio. O jornal também não conseguiu localizar os dois empresários para comentar a ARP.

Não consta no site do Concen informações sobre a realização do pregão, quantas empresas participaram do processo licitatório nem quais as obras que estão disponíveis para aquisição na ARP. Desde o dia 30 de setembro, o Daqui tem entrado em contato com o consórcio, por telefone, whatsapp e email, porém o mesmo se recusa a passar estas informações.

Mais livros do que estudantes

O número de alunos do 1º ao 5º ano previstos pela Secretaria Municipal de Educação (SME) no contrato assinado em 2023 para aquisição de livros paradidáticos da Casulo Editora junto à distribuidora Multiverso das Letras foi 12,37% maior do que o de matriculados na rede municipal em 2024. Foram adquiridas obras para 57.815 alunos, porém só se matricularam na rede neste ano 51.448. No contrato feito para o ano letivo de 2025 consta a previsão de 56.265 alunos na rede.

A secretaria diz que usou para o contrato de 2023 a estimativa que tinham para 2024 e que para o próximo ano foi usado o número de matrículas efetivas em 2024 mais uma reserva técnica de 5%, o que daria, entretanto, 54.020 estudantes.

Para a SME, a distribuição dos livros distribuídos em 2024 foi bem-sucedida, pois permitiu um trabalho pedagógico individual e em grupo com propostas claras, de fácil compreensão e desenvolvimento, abrangendo o cotidiano familiar e social dos estudantes. 

“As obras são ricas em imagens e ilustrações. São realizadas ações formativas e oficinas pedagógicas, tanto síncronas quanto assíncronas, com o objetivo de auxiliar os professores no trabalho com a leitura infantil”, afirma a pasta.

Sobre a adesão a duas atas distintas do mesmo consórcio, ambas vencidas pela Multiverso, a secretaria diz buscar “as melhores condições para a aquisição dos livros” e que houve “descontos significativos” sobre o preço de capa dos livros. Os livros do 1º ao 5º ano são da Casulo Editora, enquanto os dos anos acrescidos no novo contrato são da Editora Via Lúdica. 

Ainda segundo a pasta, não houve antecipação da compra ao fazer o contrato em setembro e não em dezembro, pois está de acordo com o cronograma de planejamento para 2025. Isso porque a distribuidora tem 30 dias para entregar o material, que precisará ser conferido e organizado para a logística de distribuição nas 176 escolas da Rede, “o que demanda tempo”.

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