A Prefeitura de Goiânia já homologou a contratação direta para a locação de 21 motofogs, motocicletas adaptadas que são utilizadas para a aspersão do fumacê no combate a proliferação do Aedes aegypti. O aluguel dos veículos vai custar R$ 2,8 milhões aos cofres públicos por 180 dias. A autorização ocorre em um momento em que os casos de dengue estão em queda sustentada na capital. Especialista aponta que a estratégia não é a mais adequada considerando o cenário epidemiológico atual.
Conforme o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), a homologação aconteceu na última segunda-feira (17). No site, não existem detalhamentos sobre a participação das empresas e ainda não consta o contrato, mas a Mata Pragas Dedetizadora, empresa goianiense, aparece como fornecedora. A empresa possui um contrato em vigência com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS). O contrato foi firmado em junho de 2023, no valor de R$ 187,1 mil, para a limpeza de fossas sépticas.
Goiânia registra casos de dengue o ano inteiro, mas a densidade do vetor (mosquito) é maior no período chuvoso, entre novembro e maio. Assim, a incidência da doença aumenta neste período. A proliferação do Aedes é favorecida por ambientes úmidos e quentes, mas os ovos conseguem resistir a períodos mais secos e voltam a eclodir quando entram em contato com a água.
Os casos de dengue na capital começaram a aumentar de forma consistente logo no início deste ano e se mantiveram em alta entre fevereiro e abril, quando começaram a cair. Mais recentemente, na 23ª semana epidemiológica deste ano, que compreende o período entre 2 e 8 de junho, foram 841 casos notificados, de acordo com o Painel da Covid-19, da Secretaria de Estado de Saúde de Goiás (SES-GO).
O número ainda é 32,8% maior do que os 633 casos registrados em igual período de 2022, um dos anos mais críticos da doença até então. Mas é preciso considerar que 2024 já foi considerado pelo governo estadual como o ano com o pior cenário da dengue desde a década de 1990, o que faz com que o volume de notificações aumente.
Mesmo sendo uma doença endêmica, a dengue deve ser combatida o ano todo. Com o avanço da estiagem e o inverno prestes a começar, o infectologista Marcelo Daher avalia que a estratégia mais acertada para combatê-la no momento é intensificar ações de manejo, como a limpeza de lotes e desassoreamento de cursos d’água, além de dar continuidade nas inspeções dos agentes de endemias em residências.
O fumacê é usado para combater o Aedes aegypti adulto. Entretanto, ele tem pouca eficácia comprovada no combate ao mosquito, principalmente por conta da dinâmica das residências brasileiras, que costumam possuir muros e árvores na frente, dificultando que o veneno alcance o vetor da doença.
Em fevereiro deste ano, o jornal mostrou que a Prefeitura de Goiânia estava usando bombas costais motorizadas para fazer o bloqueio de casos de dengue na capital. Na época, o diretor de Vigilância em Zoonoses de Goiânia, Murilo Reis, comentou sobre a eficácia de ações direcionadas. “Essa pulverização intradomiciliar é eficaz no bloqueio. Em contrapartida, o fumacê tem um impacto ambiental grande e baixa eficiência, já que costumam existir muitas barreiras físicas”, disse.
No contexto das motofogs, o infectologista Edvaldo Romeiro dos Santos chama a atenção para o risco dos condutores das motocicletas sofrerem intoxicação com os inseticidas aspergidos, com potenciais danos ao fígado e ao sistema nervoso. “Pode dar muitos problemas”, destaca. Segundo o infectologista, a bula do inseticida precisa ser apresentada para o médico do Trabalho que cuida de toda a cadeia de servidores envolvida na manipulação do produto químico.
Contratação
A autorização da contratação foi publicada no Diário Oficial de Município (DOM) na última sexta-feira (14). Ela é fruto de um aviso de contratação direta publicado no dia 20 março deste ano, que aconteceu no contexto do decreto de situação de emergência em saúde pública por conta da dengue. O documento foi publicado pela Prefeitura de Goiânia no DOM em 13 de maio. A decisão foi motivada pelo aumento de casos e confirmação de uma morte pela doença na capital naquele momento. O decreto facilita a aquisição de insumos e materiais, além da contratação de serviços. Cerca de 40 dias antes, o governo estadual já havia decretado situação de emergência em Goiás.
Questionada sobre o prazo de quase três meses entre o aviso e a autorização da contratação direta, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) explicou que para que “ocorra dentro da legalidade e sem vícios”, o processo precisa de pareceres de outras áreas, como a Procuradoria Geral do Município (PGM), e que cada área tem o próprio tempo de trâmite.
Em janeiro deste ano, o jornal mostrou outra contratação polêmica por parte da Prefeitura de Goiânia no combate à dengue. Na ocasião, a SMS comprou por R$ 12,2 milhões um pacote com 8 mil armadilhas contra o mosquito transmissor da dengue e 90 mil sachês com refil, o mesmo produto cuja aquisição pela Prefeitura de São Paulo foi alvo de uma investigação por suspeita de ato de improbidade administrativa, já que há no mercado nacional uma opção similar desenvolvida pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) por R$ 10 que já vem com um refil.
A compra foi por meio de um pregão eletrônico no sistema de registro de preços. Na época, a SMS argumentou que a escolha pelas armadilhas foi feita levando em consideração a tecnologia do item e qual o estágio de desenvolvimento do mosquito que ele combate.
A SMS admitiu que o período crítico da dengue passou, mas afirmou que “a proliferação do mosquito continua”, um fato que “pode ser constatado pelas equipes de campo e também pelos dados dos sistemas que apontam onde estão concentrados os casos possíveis e onde são registrados dos dados da doença na capital e que são divulgados por meio do Boletim Epidemiológico Arboviroses”.
A pasta comunicou que atualmente, em aproximadamente 90% das armadilhas onde ocorre a troca de filtro são encontradas larvas do Aedes, “o que significa que o mosquito está circulando”. A SMS informou ainda que “os principais criadouros ainda são encontrados nas residências, principalmente em caixas d’água sem tampa, vasilhas, pratos de plantas e em recipientes nos quintais”.
A secretaria destacou que durante o ano todo são realizadas ações de combate à dengue, “como os bloqueios, controle químico e inspeção dos agentes de endemias em residências” e que “a adoção de novas tecnologias, novas formas de combate são investimentos que resultam positivamente na redução de Aedes circulando quando o período o chuvoso chega”.
De acordo com a SMS, esse cenário justifica “a ampliação das medidas de controle do mosquito Aedes aegypti”, sendo que o motofog será “estrategicamente usado em locais onde há maior transmissão da dengue, nas áreas mais críticas” e “com eficácia comprovada no combate a vetores, o motofog é considerado pela secretaria como mais uma ferramenta importante na luta contra a dengue na capital”.