A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano e Social (Sedhs) de Goiânia mudou a empresa que fornece as cestas básicas distribuídas principalmente nos mutirões feitos pela prefeitura e aumentou em 155,6% o valor a ser pago por cada cesta, indo de R$ 148,77 para R$ 380,35. A justificativa é que a troca se deu por necessidade de aumentar o valor nutricional do pacote de alimentos, “com adequação à cultura local”, além da inclusão de itens de higiene. Assim como foi feito com a empresa anterior, o novo contrato não envolveu um processo licitatório, mas, sim, a adesão a uma ata de licitação feita por outro órgão público, no caso um consórcio mineiro.
Com a mudança, sai a Quit Alimentos, de Brasília, que havia assinado um contrato de R$ 5,58 milhões em junho de 2023 para entregar 37,5 mil cestas básicas, e entra a W&C Alimentos, por R$ 4,56 milhões e 12 mil cestas. Nestes últimos 12 meses, a Quit forneceu apenas 6.630 cestas, sendo que a maior parte foi distribuída pela prefeitura nos mutirões, para entidades parceiras na área de assistência social ou em eventos pontuais da Sedhs nas unidades dos centros de referência em assistência social (Cras). Pelo volume entregue, a empresa de Brasília recebeu R$ 986,4 mil.
Apesar de a atual gestão afirmar que existe uma política pública de entrega de cestas a famílias carentes, o Daqui entrou em contato com os Cras nesta semana e os funcionários destas unidades indicaram que fosse procurada a Organização das Voluntárias de Goiás (OVG), do governo estadual, para obter gratuitamente os pacotes de alimentos. Questionados sobre as entregas feitas nos Cras, estes funcionários informaram que se tratavam de ações pontuais em parceria com a OVG ou outras entidades, ou mesmo algum evento específico da prefeitura.
Em dezembro, a Sedhs informou de forma mais detalhada como estava a distribuição das cestas compradas da Quit. Na época, havia sido entregues 3.696 cestas, sendo 35,2% delas em dois mutirões da prefeitura e 26,4% para entidades do terceiro setor. O restante foi dado a famílias nos Cras e unidades similares.
O último informativo da prefeitura envolvendo distribuição de cestas básicas sem ser nos mutirões dos bairros, um evento usado pela atual gestão para melhorar a imagem do prefeito Rogério Cruz (SD), foi em 18 de abril, no Cras do Jardim do Cerrado 3. Na ocasião foram entregues 500 cestas a famílias em situação de vulnerabilidade social assistidas pelo programa de segurança alimentar do Paço Municipal. A nota distribuída à imprensa não informa o que motivou a entrega nesta data nem um cronograma para outras regiões.
Sem licitação
O extrato do contrato com a W&C junto à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano e Social (Sedhs) foi publicado nesta quinta-feira (20) no Diário Oficial do Município (DOM). A pasta não divulga os contratos na íntegra no portal de transparência da prefeitura ou em qualquer outro meio na internet. No dia 14, saiu também no DOM um extrato da rescisão com a Quit. O Daqui não conseguiu falar com as empresas.
A W&C é uma empresa de Estival Gerbi (SP), uma cidade que fica a 780 quilômetros de Goiânia. A contratação foi por meio de uma adesão à ata de registro de preços de um pregão presencial feito pelo Consórcio Intermunicipal Multifinalitário dos Municípios do Extremo Sul de Minas (Cimesmi), formado por sete municípios mineiros. O valor total da ata é de R$ 76,8 milhões e por lei a adesão máxima permitida é de até metade disso. Quem adere, entretanto, pode pegar uma quantidade menor, desde que combinado com a empresa previamente.
Para vencer o pregão que resultou na ata, a W&C disputou com outras três empresas, todas de Minas Gerais, mas não ficou em primeiro na primeira rodada. Outras duas empresas apresentaram melhores propostas, mas foram desclassificadas por não entregarem no prazo documentação que comprovasse a capacidade técnica para fornecer as cestas. Na segunda rodada, a empresa paulista venceu a concorrente. A reportagem não conseguiu contatar a Cimesmi.
Urgência alegada
Já a Quit é de Brasília e quando assinou o contrato com a Sedhs por meio de uma adesão à ata de um pregão feito pela Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado de Goiás (Seds). A justificativa dada na época ao jornal pela então titular da pasta municipal, Maria Yvelônia Barbosa, é que havia uma demanda urgente para entrega de alimentos a famílias carentes da capital e o estoque do município estava zerado.
Ainda em relação ao contrato com a Quit, a Sedhs chegou a afirmar ao jornal em 2023 que as cestas seriam usadas para “suprir a necessidade dos usuários” de unidades municipais que atendem pessoas em situação de vulnerabilidade, como pessoas em situação de rua e órfãos, além das unidades de proteção básica de assistência social, tipo os Cras, e também indígenas, venezuelanos e demais estrangeiros em situação de vulnerabilidade. Em 12 meses, entretanto, a Sedhs distribuiu apenas 17,7% do total de cestas previstas no acordo com a empresa de Brasília.
A Quit havia assinado um contrato anterior, em 2021, para fornecer cestas básicas no valor total de R$ 2,2 milhões, após vencer um pregão eletrônico feito pela prefeitura. Seriam 26.250 cestas por R$ 84,57 cada uma.
No ano seguinte, o Daqui mostrou que as cestas estavam sendo usadas em eventos de cunho político eleitoral e em mutirões com a presença do prefeito, no qual ele posava para fotos e vídeos entregando o alimento a algum morador.
Também no contrato de 2021, a imprensa mostrou que as cestas chegaram a ficar meses estocadas em um galpão emprestado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) sem previsão de distribuição. Após a notícia, a prefeitura fez mutirões para distribuir 10,8 mil cestas em apenas quatro dias.
Continuidade
A Sedhs informou em nota que a rescisão com a Quit foi de forma bilateral e amigável, “sendo motivada pelo conteúdo das cestas básicas” e que o processo de distribuição ainda está em continuidade por meio dos Cras. O Daqui pediu informações sobre quando se deu a última entrega e se havia previsão de novas datas, mas a secretaria afirmou apenas que “a entrega ocorre continuamente para as famílias assistidas” nos Cras por meio da inscrição no Cadastro Único do governo federal.
Sobre o contrato por adesão, a Sedhs justifica que “segue fluxo administrativo conforme parâmetros estabelecidos” e que “tem por objetivo o fornecimento de cestas básicas de alimentos, contemplando itens de higiene para suprir as necessidades dos Programas de Assistência Social das Proteções Social Especial e Básica”.
A secretaria garante que a distribuição é contínua para as famílias assistidas pelas 24 unidades dos Cras e das duas unidades dos centros de convivências. “As entregas são realizadas por meio do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF) e Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV).”