GABRIELLA BRAGA
A expectativa de finalizar até dezembro deste ano a retirada de toda a fiação aérea em desuso deve não se concretizar no prazo previsto. Com o avanço do programa Cidade Segura, lançado pela Prefeitura de Goiânia neste mês, foi percebido que a situação dos cabeamentos nos postes públicos está pior do que se imaginava. A ideia de fazer a limpeza de mais de 170 mil postes da cidade deve resultar na coleta de ao menos 300 toneladas de fiação. Em 15 dias, já foram recolhidas sete toneladas.
Durante o lançamento do programa, no dia 15 de agosto, o DAQUI mostrou que os mais de 170 mil postes na capital são disputados por cabos da concessionária Equatorial Energia, e de outras 200 operadoras de telefonia e internet. O intuito é retirar fiações caídas e sem uso, e ainda identificar quais são aquelas usadas pelas empresas de telecomunicações, de forma a evitar risco de acidentes com transeuntes e, também, coibir a poluição visual causada pelo excesso de cabos.
Coordenada pela Secretaria Municipal de Governo (Segov), a ordenação dos cabos era estimada até o final deste ano. Conforme o titular da pasta, Jovair Arantes, as operadoras de telefonia, que estão fazendo a retirada, não devem finalizar no prazo inicial. “Não dá para fazer até o final do ano. Estava louco para fazer, mas já deu para perceber que as operadoras não tem capacidade técnica para isso”, pontua. E acrescenta: “Está muito bom o andamento nesta primeira etapa, (já que) não sabíamos como seria.”
No primeiro momento, que seria a fase experimental para avaliação dos serviços de retirada e da situação atual da fiação, o foco é em cinco setores: Vila Mutirão I e II, na região Noroeste, Jardim Europa, Jardim Planalto e Vila União, na região Sudoeste. Apenas nessas localidades já foram retiradas ao menos sete toneladas de cabos, que são recolhidos à Companhia Municipal de Urbanização de Goiânia (Comurg). Parte será doada a cooperativas de reciclagem, e o restante será incinerado.
“Na semana que vem certamente (a ação) vai estar entrando nos (bairros) vizinhos ali. E aí vamos fazer a expansão, que vai ser depois da prestação de contas dessa primeira fase”, explica o secretário. Conforme ele, um balanço inicial do programa será apresentado no dia 16 de setembro, na data em que marca um mês do início dos serviços dentro do Cidade Segura.
Nos locais onde já fizeram a remoção, Arantes pontua que as operadoras estão enumerando os fios, como referencial à Equatorial, para que se identifique quem faz o uso de cada cabo. Para o primeiro mês de programa, a expectativa é que sejam recolhidas até 14 toneladas.
O titular da Segov destaca ainda que a ação do Cidade Segura irá abranger todos os mais de 800 bairros da capital. “(O programa) vai chegar em todos. O trabalho é o mesmo em todas as regiões, mas tem algumas que são mais complicadas e outras que são menos”, diz. Além disso, Arantes aponta que, a partir do dia 17 de setembro, será criado um telefone para fazer denúncias de postes em situação precária. “Não dá para fazer agora, pois hoje todo mundo vai telefonar dizendo que está um desastre. (É em) todos os bairros, está um pior que o outro.”
Cidade Segura
A ação da Prefeitura de Goiânia surgiu por meio de parceria com o Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO), as empresas de telecomunicações, e a Equatorial. Na ocasião do lançamento, foi destacado que o programa cumpre a Resolução Conjunta 04/2014, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). A normativa exige que os pontos de fixação utilizados pelas operadoras de telefonia e internet sejam todos identificados.
Com oito meses de atuação no estado, após substituir a Enel Goiás, a Equatorial informou, em nota, que “segue com ações contínuas de fiscalização das estruturas dos postes e notificação das empresas responsáveis” e que, apenas neste semestre, realizou mais de “70 mil fiscalizações nos postes da companhia, gerando notificações para cerca de 300 empresas de telecomunicações em todo o Estado.”
O MP-GO aponta, também em nota, que acompanha o programa por meio da 8ª Promotoria de Justiça de Goiânia, cujo titular é o promotor Carlos Alexandre Marques, e que um relatório mais detalhado sobre as ações deve ser encaminhado após uma reunião entre as partes, agendada para o dia 11 de setembro.
Continuidade
Para o presidente da Associação Brasileira de Engenheiros Eletricistas (Abee) em Goiás, Petersonn Caparrosa, a ideia do programa Cidade Segura é “o início da solução” do problema da fiação em Goiânia. No entanto, acrescenta que, após a retirada dos cabos inutilizados, será necessário fazer o monitoramento da situação para evitar que retome.
“É um trabalho que, se a Prefeitura não tomar a sério, e de maneira contínua, vai ser simplesmente para inglês ver. Alcançadas as metas do programa, (a necessidade) passa a ser a manutenção, com rigor”, diz. E acrescenta: “Retirar vai ser fácil, mas quem vai fiscalizar isso (depois), seja da Equatorial, ou da Prefeitura?.”
Ainda conforme o engenheiro eletricista, “a ideia é muito boa, é algo que não consegui ver em outros estados e nem aqui (antes)”. “É a primeira vez, de maneira mais efetiva aqui na capital. Mas tem que ser planejado e contínuo. Se o município não tiver interesse de manter isso, de forma coletiva, porque sozinho não consegue, não vai dar certo. Aí resolve de um lado, e aparece de outro”, diz.
Além da manutenção preventiva, após essa fase de retirada das fiações, Caparrosa aponta que é essencial identificar as empresas de telecomunicações com atuação local, e aplicar multas ou outras sanções para coibir os problemas. Um deles, a exemplo, são os postes que começam a ceder pela quantidade de peso. Isso ocorre, ainda, pois, explica ele, parte das operadoras não fazem a remoção dos seus próprios cabeamentos. “Não retiram os cabos em excesso, e fica ocupando espaço. É um serviço que deveria ser feito pelas empresas de telefonia e provedoras de internet. Não fazem e o serviço público está tendo que fazer”, conclui.
Legislações
Após a Prefeitura de Goiânia divulgar o Cidade Segura, o deputado estadual Bruno Peixoto (UB) apresentou uma emenda a um projeto de lei do governo estadual para obrigar a Equatorial a implantar toda fiação da rede de energia elétrica em modelo subterrâneo a partir de 2024, com prazo de 15 anos para finalização da mudança. Atualmente, a rede é, basicamente, aérea.
Os artigos que constam sobre a emenda aditiva do parlamentar foram vetados pelo governador Ronaldo Caiado (UB). Na justificativa, consta a inconstitucionalidade da legislação. Isso porque é competência exclusiva da União de legislar sobre energia elétrica. “Não é o estado ou município. Teria que ser a Aneel, ou uma lei federal”, explica o advogado Gill Marcos Oliveira, presidente da Comissão Especial de Direito de Energia da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Goiás (OAB-GO).
Conforme ele, mesmo com uma determinação da União, outros pontos precisam ser ponderados, visto que a rede subterrânea é mais onerosa. “Custa 10 vezes mais que a rede aérea. E de onde vem esse recurso? Da tarifa do consumidor”, explica. Ainda de acordo com Oliveira, essa medida deve ser implementada ainda no planejamento das construções civis, visto que, em locais já construídos, há limitações para a implementação. “Dependendo do local vai estar no mesmo nível da água e esgoto, e não pode passar cabo nesses lugares.”
Na capital, o DAQUI mostrou, no dia 8 de julho, que uma lei municipal de 2016 já determinava que os fios fossem “esticados, alinhados em perfeito estado estético e de conservação, visando dar mais segurança”. Em 2018, a lei sofreu alteração para obrigar a concessionária, à época a Enel Goiás, a fazer a fiação subterrânea na rede de alta tensão, em até 20 anos. No entanto, não houve andamento na implantação. Além disso, conforme a análise de Oliveira, a legislação seria inconstitucional.