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Prefeituras de Goiás mandaram pacientes para clínica ilegal de recuperação

Wildes Barbosa
Clínica em Abadia de Goiás: local foi alvo de operação da polícia

As prefeituras de Caldas Novas e Montividiu já encaminharam cinco pacientes para a comunidade terapêutica que ficava em Abadia de Goiás, na Região Metropolitana de Goiânia, e funcionava como uma clínica ilegal de internação forçada de dependentes químicos. Os contratos somam R$ 43,5 mil. A internação nesses lugares é vedada por lei, sendo ambientes de permanência voluntária.

O pastor suspeito de participar do sequestro de pelo menos duas pessoas para serem levadas para o local foi preso no último sábado (6). Ele ainda é citado na investigação de um terceiro caso semelhante. Uma das abordagens resultou na morte de um homem após ele receber um golpe de ‘mata-leão’. Alécio Gomes Vieira Júnior, de 42 anos, estava foragido desde o dia 1º de agosto, quando a Polícia Civil do Estado de Goiás (PC-GO) deflagrou a Operação Falsos Profetas, responsável por desarticular o funcionamento do estabelecimento. Outras cinco pessoas foram presas.

A Lei nº 10.216, de 2001, também conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica, preconiza que a internação, em qualquer de suas modalidades, só seja indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. A Lei nº 13.840, de 2019, que a altera a Lei nº 11.343, de 2006 (Lei de Drogas), determina que a internação seja realizada somente em unidades de saúde ou hospitais gerais, dotados de equipes multidisciplinares. Ela precisa, obrigatoriamente, ser autorizada por um médico.

Dois dos casos de Caldas Novas dizem respeito à contratação, por parte da prefeitura, da comunidade terapêutica para prestar o serviço de acolhimento e tratamento psiquiátrico em favor de dois pacientes encaminhados pelo Centro de Atenção Psicossocial (Caps). Os contratos têm vigência de seis meses e foram publicados no Diário Oficial do Município (DOM) em 22 de maio de 2023. Cada um tem o valor total de R$ 8,3 mil.

O outro caso se trata de um termo aditivo contratual, publicado no DOM de 12 de julho de 2023, para o tratamento de um paciente que é dependente químico. O documento, no valor de R$ 4,5 mil, tem vigência de 11 de julho até 31 de outubro deste ano.

Já o contrato entre a prefeitura de Montividiu e o estabelecimento foi firmado em 13 de junho deste ano. O valor global é de R$ 21,6 mil e a vigência vai do dia 5 de junho a 5 de dezembro de 2023. O documento diz respeito à internação de dois pacientes em razão do cumprimento de sentenças judiciais.

A reportagem obteve acesso ao processo de um dos pacientes. No dia 24 de maio deste ano, o juiz Cláudio Roberto dos Santos Silva fixou o tratamento para dependência química como uma das medidas cautelares para a revogação da prisão preventiva de um homem, de 19 anos, acusado de ter envolvimento em um assassinato.

Na decisão, o juiz detalha que “dada a manifesta incapacidade econômica do acusado, cumpre ao Município de Montividiu-GO, enquanto responsável solidário a implementar o direito fundamental à saúde, disponibilizar vaga em clínica de reabilitação ao acusado, preferencialmente na rede pública ou, na sua impossibilidade, em clínica particular, às expensas do Poder Público”.

A reportagem questionou as prefeituras de Caldas Novas e Montividiu sobre a contratação da comunidade terapêutica para prestar o serviço de internação, mas até o fechamento desta edição não obteve retorno.

Comunidades

Além da internação forçada por meio de sequestro, internos da comunidade terapêutica localizada em Abadia de Goiás eram impedidos de ter contato com as próprias famílias e relataram que receberam dosagens excessivas de medicamentos e sofriam com ameaças e violência psicológica durante as internações. Com a desativação do espaço, eles foram encaminhados para as famílias.

Reportagem do DAQUI publicada na segunda-feira (7) mostrou que, desde 2019, Goiás já repassou R$ 6,5 milhões para comunidades terapêuticas no estado. Entretanto, especialistas em saúde defendem o fim do financiamento público aos estabelecimentos. Eles apontam que comunidades possuem problemas ligados à regulação, fiscalização e desrespeito aos direitos humanos.

Febract

A representante da Federação Brasileira de Comunidade Terapêutica (Febract) em Goiás, Norma Silva, informou que a instituição não aceita práticas como as promovidas pelo estabelecimento que estava funcionando com uma clínica ilegal e que todas comunidades devem seguir a legislação, com atendimento voluntário.

Desde 2018, a Secretaria de Estado da Saúde de Goiás (SES-GO) assumiu a responsabilidade de acompanhar, monitorar e fazer o repasse de contrapartida às comunidades. No início, 23 estabelecimentos firmaram contrato com o Governo de Goiás. Atualmente, apenas 16 estão regulares. Segundo o governo estadual, já está em fase de finalização um edital de chamamento para seleção de novas comunidades terapêuticas.

Norma comunicou ainda que todos os serviços que recebem verbas públicas são fiscalizados pelo governo e as comunidades não são diferentes. “Temos fiscalização dos órgãos de controle. A Febract não é responsável pela fiscalização de comunidade e sim apoio. Nós assessoramos para que nossas filiadas se prezem por boas práticas de atendimento, acolhimento e reinserção social”, disse por meio de nota.

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