Através do Sistema Único de Saúde (SUS), um paciente do Amapá será o primeiro a usar produto medicinal à base de cannabis produzido pela Indústria Química do Estado de Goiás (Iquego).Esta é a ação inicial após o acordo, assinado em março deste ano, entre o laboratório público goiano e a empresa Golden BRZ, para transferência de tecnologia.
Em razão das leis vigentes no Brasil, por enquanto a Iquego só fornece o produto atendendo demandas de órgãos públicos.
Desde que a parceria com a Golden BRZ foi anunciada, pessoas físicas têm procurado insistentemente a Iquego em busca do produto medicinal. “Não dispensamos de maneira direta. O paciente precisa procurar um ente público e este fará a requisição junto à Iquego”, explica o diretor-presidente da empresa, José Carlos dos Santos.
A Golden BRZ é um braço da Golden CBD+, empresa com escritório em Orlando (EUA), criada há três anos pelo brasileiro Vitor Feital que se especializou em medicina e cuidados médicos via cannabis pela Universidade de San Diego (Califórnia).
A Iquego é o primeiro laboratório público brasileiro a firmar uma parceria com uma empresa especializada em cannabis medicinal. O objetivo é facilitar o acesso ao produto a um maior número de pessoas, de maneira desburocratizada e via SUS. “Queremos democratizar os benefícios que vimos durante esses anos de trabalho. Para isso acontecer, prospectamos laboratórios públicos para que possamos transferir conhecimento e tecnologia ao Brasil”, explicou o CEO da Golden CBD+, Vitor Feital, ao site Cannabis&Saúde, logo após assinar o acordo com a Iquego.
No caso do Amapá, o governo daquele estado adquiriu inicialmente 22 frascos de Full Spectrum Canabidiol, 12 de 30 ml 6000 mg e 10 de 30 ml 3000 mg para atender um paciente com diagnóstico de malformação do sistema nervoso central e epilepsia de difícil controle. A família ganhou na Justiça o direito de usar o produto que será adquirido pelo governo estadual. O diretor-presidente da Iquego lembra do rigor no fornecimento do produto.
“Ele é dispensado em nome do paciente, com quantitativo definido. Deve ser apresentado CPF e receituário, um processo rigoroso que dá credibilidade, demonstrando que o uso é medicinal”, informa José Carlos.
O acordo entre Iquego e Golden BRZ prevê dez anos de trabalho. Nesse primeiro momento, o laboratório goiano recebe o produto pronto, ficando responsável pela comercialização a preço mais acessível para órgãos públicos.
Além do Amapá, há seis outras prospecções que deverão ser definidas pela empresa goiana nos próximos dias. José Carlos relata que, desde que a oferta da parceria surgiu há um ano, o corpo técnico e administrativo da Iquego tem mergulhado no assunto. “Não estamos preocupados com fatia de mercado, mas com a saúde pública, com a qualidade de vida do paciente. A cannabis medicinal dá resultado e precisa ser discutida sem tabu.”
Conforme José Carlos, nas próximas etapas haverá capacitação do corpo farmacêutico e de técnicos de laboratório até chegar o momento em que a Iquego poderá fazer o cultivo e a estratificação.
“Acreditamos que isso irá ocorrer somente entre os anos seis ou sete previsto no acordo. Atualmente, a não ser com decisão judicial, o Brasil não pode fazer plantio, estratificação, manuseio ou armazenagem de produtos à base de cannabis, mesmo para uso medicinal. As leis existentes hoje, inclusive em Goiás e Goiânia, são somente para o fornecimento.”
Milhares de brasileiros usam canabidiol
A planta de cannabis contém mais de 100 fitocanabinóides diferentes. A maior parte das pesquisas são relacionadas ao Delta 9- tetrahidrocanabinol (THC) e canabidiol (CBD). O CBD que é encontrado naturalmente na planta é uma substância que não possui propriedades psicoativas, ao contrário do THC que contém propriedades psicotrópicas e alucinógenas.
Desde 2015 a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) libera a importação de produtos à base de CBD para administração terapêutica encarecendo o custo final no País.
A Anvisa estima que no Brasil mais de 100 mil pacientes fazem uso de canabidiol. No último ano, a importação cresceu 93%, revelando que o número de adeptos pode ser subestimado.
O diretor-presidente da Iquego, José Carlos dos Santos, aposta nesse movimento que ele considera sem volta. “Quando um agente público compra de um laboratório também público, reduz etapas, evita uma série de tratativas no processo convencional. O paciente terá esse produto de uma forma rápida. A demanda existe, por isso acredito que o volume de fornecimento vai crescer de forma exponencial.
Atualmente, no Brasil, a aquisição de produtos medicinais à base de cannabis medicamentos só pode ocorrer pela importação de produtos, pela compra nas farmácias, pelas associações canábicas ou por meio de autocultivo, desde que seja garantido por habeas corpus.
Desde abril de 2021, por iniciativa do vereador Lucas Kitão (PSL), o município de Goiânia possui uma lei que autoriza a regulamentação e distribuição de medicamentos à base de cannabis. A lei foi promulgada pela Câmara de Vereadores após veto do então prefeito Iris Rezende.
Em maio deste ano, o governador de Goiás Ronaldo Caiado (UB) sancionou a Lei Nº 21.940, proposta do deputado estadual Lincoln Tejota (UB), que instituiu o fornecimento gratuito de medicamentos fitofármacos e fitoterápicos prescritos à base da planta cannabis nas unidades de saúde públicas estaduais e privadas conveniadas ao Sistema Único de Saúde (SUS).