Ao mesmo tempo em que a Prefeitura de Goiânia planeja isentar por 15 anos o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) para estacionamentos do Centro da capital, parte dos estabelecimentos se encontra fechada e outros com demanda especialmente voltada para trabalhadores e moradores. Proprietários dos comércios reclamam da falta de clientes rotativos, prejuízo e queda na arrecadação diante da baixa movimentação local.
A reportagem percorreu nesta quarta-feira (25) as ruas da região, localizadas entre as avenidas Goiás e Anhanguera e a Rua 20, e constatou ao menos três estacionamentos fechados, sendo dois na Rua 18. Um empresário deste tipo de serviço, localizado na mesma via, e que mantém o comércio aberto, aponta perdas financeiras diante das altas taxas de impostos, aluguel, e a falta de clientela, afirmação reforçada por outros dois donos. Outros quatro pontuam que as vagas são ocupadas por mensalistas, e que há poucos clientes pontuais.
A proposta de isenção fiscal faz parte do projeto Centraliza: Centro Vivo para Todos, apresentado pelo prefeito Rogério Cruz (Republicanos) na última segunda-feira (23), com o objetivo de promover a requalificação do setor Central de Goiânia. A ideia é conceder benefícios fiscais a comerciantes, além da revitalização de espaços com relevância histórica, cultural e econômica. As ações são voltadas ao setor produtivo e ao estímulo para novos moradores.
Dentro dos seis eixos temáticos do programa, o segundo é voltado à mobilidade. Entre as soluções apresentadas, está o incentivo a estacionamentos horizontais e verticais privados, por meio da isenção total do IPTU por 15 anos e do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), nos casos de compra e venda. O cronograma de implantação deve ser divulgado no próximo mês. Um projeto de lei com as isenções fiscais previstas no Centraliza, a serem acrescidos no Código Tributário, deve ser enviado à Câmara Municipal até o começo de novembro.
Ainda sem saber informações sobre a possibilidade de ter o imposto isento, o aposentado Paulo Antônio de Vicente, de 69 anos, que mantém um estacionamento na Rua 18, ao lado do antigo Banana Shopping, reclama da falta de clientela. “Está dando prejuízo manter”, conta. Hoje, o ganho mensal de cerca de R$ 2,8 mil tem sido pago integralmente para manter o estabelecimento. Há 10 anos com o imóvel, ele mostra o faturamento da última sexta-feira (19) e sábado (20): nenhum real.
“Antes tinha fila para entrar porque meu preço era melhor”, explica Vicente, ao acrescentar que o local está parado desde a retirada do VaptVupt, da Lotérica, da grande maioria das lojas e do cinema, todos que ocupavam o shopping. “Estou passando por sérias dificuldades, tendo de tirar dinheiro da aposentadoria para cobrir aqui”. Conforme ele, o gasto quando havia grande receita era de R$ 10 mil “e ainda tirava meu dinheiro para o mês”. “Agora tem mais de dois anos que não dá nada”, conclui.
O aposentado destaca que ainda não obteve mais informações sobre a isenção de IPTU, anunciada pela Prefeitura, mas que “acredita que algo de bom esteja vindo”. Questionado se há demanda na região para estacionamentos, ele aponta que a busca “depende do ponto”, citando, a exemplo, a Rua 3, onde fica o Mercado Municipal.
Nesta quarta-feira, a reportagem localizou um estacionamento cheio na via mencionada por ele. Por outro lado, o gestor do estabelecimento, Cosmo Carvalho, de 59 anos, conta que o dia foi atípico. Isso porque a Prefeitura deu início ao programa de Recuperação Fiscal (Refis), com edição realizada no Mercado Popular. A medida deu movimento à região Central. No entanto, em outros dias, ele aponta que a movimentação é baixa. “Está dando prejuízo. Difícil de manter. Desde agosto caiu muito (a busca), mais de 50%”, diz.
Na Avenida Araguaia, o empresário Aldo França, de 47 anos, também reforça a situação. Ele, que trabalha em um pet shop ao lado, conta que já decidiu fechar o estacionamento para rotativos e mantém apenas para mensalistas. O estabelecimento só não foi fechado, pois o gestor fez um pacote para a locação do imóvel onde funciona a loja de produtos para animais e para parada de veículos. “Na pandemia estava melhor que agora. Este ano caiu bem mais. Não está valendo a pena (manter).”
Proprietário de um comércio na Rua 15 há dois meses, Breno Rabelo, 35, relata que o investimento tem dado retorno. O lote foi adquirido no início do ano, e a ideia inicial era construir quitinetes. “Fiz o estacionamento para fazer um teste. Agora vou continuar.” Mas, conta, as vagas são ocupadas basicamente por mensalistas, visto que a procura por rotativos ainda é baixa. “Rotativo é o que dá dinheiro”, pontua.
Na Rua 18, o proprietário de um estabelecimento do tipo há 12 anos, Rone Moura Mendonça, 37, aponta que o movimento tem caído. “Há seis anos era melhor”, relata. Entretanto, ainda consegue manter o comércio por conta dos mensalistas que são, basicamente, funcionários de prédios próximos à Praça Cívica. Ao todo, ele conta com 48 vagas fixas mensal, e cerca de oito clientes rotativos. Porém, nem sempre há clientes pontuais.
Entre a Rua 2 e a Avenida Araguaia, Robson Araújo Santos, 33, mantém desde 2016 um estacionamento em três lotes. Ele conta que, antes da pandemia da Covid-19, o movimento “era bom”, mas com o fechamento de lojas a busca tem caído e “é raro de encher”, sendo a clientela composta, basicamente, por mensalistas. Para o empresário, que arca com cerca de R$ 30 mil ao ano com IPTU, manter o comércio não tem valido a pena por causa do imposto. “Se não tivesse IPTU sobrava mais, mesmo com movimento fraco.”
Na Rua 6, a proprietária Silvia Lima, de 46 anos, conta que a busca por rotativos varia. A receita, entretanto, é composta por pagamento de clientes mensais. Ela destaca que o movimento caiu após a mudança no sentido da Rua 2. “Morreu nossa rua”, conta, ao acrescentar que houve diminuição de 60% na demanda. Mesmo com a queda, ela ressalta que há pouco mais de um ano fez a locação do estacionamento localizado no lote ao lado, e que estava fechado, para conseguir dar espaço a todos os mensalistas. “Vale a pena”, conclui.
Prazo de 15 anos é questionado
Conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil — Seccional Goiás (OAB-GO), a advogada tributarista Eléia Alvim explica que a isenção fiscal por meio de lei está dentro da legalidade. “(O objetivo é) incentivar o comércio local, que acabou, e uma das maneiras de incentivar é reduzir a carga tributária, uma forma de chamar o comércio para aquele local.”
No entanto, para ela, o prazo de 15 anos corresponde a uma “isenção demasiadamente longa e desnecessária”, visto que o estacionamento não teria muito gasto para ser implantado. “Está muito discrepante das outras (isenções). Eu acho que seria uns dois ou três anos, acompanhando as outras isenções para que sejam similares e não fiquem discrepantes. Que seja dentro de uma razoabilidade”, aponta.
A reportagem tentou contato com o titular da Secretaria Municipal de Finanças (Sefin), Vinícius Henrique Alves, por meio de ligação telefônica e mensagem de texto. As chamadas não foram atendidas e não houve resposta para a solicitação por mensagem.
A assessoria da pasta também foi procurada. A resposta foi que, por conta do Refis, precisaria de mais tempo para levantar informações e que encaminharia uma resposta até esta quinta-feira (26).
Nesta terça-feira (24), a reportagem mostrou que, conforme o secretário, a compensação para a redução nos impostos se daria a partir dos investimentos que serão feitos na região Central.
Conforme dados da Junta Comercial do Estado de Goiás, houve aumento de 46% nos estacionamentos no Centro, de 2018 a 2023. No primeiro ano, eram 76 registrados, enquanto que, neste ano, já são 111.