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Saiba os perigos do uso do PMMA para fins estéticos

Reprodução/Redes sociais
Morte da modelo e influenciadora digital Aline Ferreira reacende o alerta para os perigos do uso do PMMA para fins estéticos.

O caso da morte da modelo e influenciadora digital Aline Ferreira, de 33 anos, reavivou o alerta para os perigos do uso do PMMA para fins estéticos. O polimetilmetacrilato foi injetado nos glúteos de Aline em uma clínica estética de Goiânia por Grazielly da Silva Barbosa, que não possui formação acadêmica e se autointitulava biomédica para realizar os atendimentos. A substância, no entanto, é contraindicada em procedimentos estéticos pelas entidades médicas pelos riscos à saúde, principalmente pelo fato de ser um preenchedor definitivo (que não é absorvido pelo corpo). O risco é ainda maior quando o produto é administrado por pessoas sem preparo.

A advogada Katia Diniz, de 60 anos, procurou um médico em 2019 para realizar um procedimento em seu rosto para amenizar rugas e linhas de expressão na região conhecida como ‘bigode chinês’, próxima à boca e nariz. “Tive informação que foi usado um tipo de colágeno no meu rosto”, conta. Ela foi enganada. Após apresentar as primeiras complicações, cerca de um ano depois, exames de imagem revelaram que a substância usada em Katia era, na realidade, o PMMA.

Dores, inchaço e edemas no rosto levaram a advogada a procurar os médicos para entender o que estava acontecendo. Na maioria dos casos, é preciso um procedimento cirúrgico para fazer a retirada do produto. O quadro de Katia pôde ser revertido com o uso de um medicamento chamado tofacitinibe, em um tratamento experimental.

O polimetilmetacrilato (PMMA) é um componente plástico com diversas utilizações na área de saúde e em outros setores, com uso em lentes de contato, implantes de esôfago, cimento ortopédico, entre outros. Uma das aplicações desse tipo de produto é para o preenchimento cutâneo, com uso específico por profissionais habilitados. A Anvisa esclarece que o produto não é contraindicado para aplicação nos glúteos para fins corretivos, porém, não há indicação para aumento de volume, seja corporal ou facial. Cabe, portanto, ao profissional médico responsável avaliar a aplicação de acordo com a correção a ser realizada e as orientações técnicas de uso do produto.

O cirurgião plástico Marcelo Soares, membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), destaca que “novas formas de PMMA”, que surgem vez ou outra, seguem não sendo seguras para fins estéticos. “O PMMA tem ciclos. Depois de repercussões dos problemas causados pela substância, esquecem de tudo, ele ressurge como se tivesse uma nova roupagem, mas segue sendo o polimetilmetacrilato, não é um PMMA diferente”, diz. Ele lembra também do caso de recente de Wesley Murakami, médico que foi denunciado por 14 pacientes por complicações após o uso do PMMA.

Complicações

O PMMA pode causar complicações semelhantes às de outros preenchedores, esclarece a médica dermatologista e professora da UFG Mayra Ianhez. No entanto, pelo fato de ser um preenchedor definitivo, as complicações são permanentes. “A mais grave delas é a embolia pulmonar, que pode ocorrer quando se injeta grandes quantidades para volumização”, diz. Ela lembra do caso do ‘Doutor Bumbum’, que escandalizou o País há três anos. O médico Denis Cesar Barros Furtado, conhecido por Doutor Bumbum, realizava os procedimentos na sala de um apartamento e foi responsável pela morte de uma mulher após a aplicação de PMMA, que teria ocasionado uma embolia pulmonar.

“Só que no caso de outros preenchedores, como o ácido hialurônico, é possível dissolver a substância com um antídoto, no caso a hialuronidase”, explica. As complicações pelo PMMA são permanentes, não possuem um “antídoto” e nem um método eficaz para a retirada do produto, pois a cirurgia consegue remover apenas parcialmente.

Aplicado na face, o produto pode provocar necrose de nariz, lábios e até a cegueira também é uma reação temida. Novamente: tal complicação pode ocorrer com qualquer tipo de preenchedor, mas no caso do PMMA não há tratamento que seja eficaz para impedir o dano ao tecido isquêmico. O caso de Mariana Michelini, de 35 anos, que perdeu o lábio superior após preenchimento com PMMA, também teve grande repercussão recente.

Reações tardias também podem ser ocasionadas pelo uso do PMMA, como os nódulos inflamatórios, não inflamatórios e migração do produto, que podem acontecer de meses até anos depois da injeção do produto. “Já acompanhamos pacientes internados com infecções repetidas, que usam corticoides a vida inteira para controlar as inflamações e acabam desenvolvendo outros problemas, como diabetes, osteoporose e glaucoma por conta da medicação”, diz.

Mayra lida com complicações relacionadas a preenchedores há muitos anos, mas somente há dois anos tomou conhecimento de uma outra complicação pelo uso de PMMA: insuficiência renal. A Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) está realizando um estudo sobre alterações renais ligadas à substância, que podem acontecer de meses a anos após a injeção do produto. “No momento, estou tratando quatro pacientes em consultório com o problema.”

Casos como o da influencer não são uma novidade em Goiânia. Em outubro de 2014 houve uma grande repercussão devido à morte de Maria José Medrado de Souza Brandão, 39, após uma aplicação de hidrogel para aumentar o bumbum em uma clínica estética capital. Na época, a família informou que o procedimento havia sido realizado por uma mulher que se apresentou como biomédica. Durante a investigação, a polícia constatou que a mulher não era biomédica, e simplesmente havia feito um curso de bioplastia estética com duração de 15 dias. Mais de 15 pacientes prestaram depoimento relatando complicações.

Apesar dos alertas desde então, os problemas continuam recorrentes no noticiário. No mês passado, a Polícia Civil cumpriu dois mandados de busca e apreensão contra uma enfermeira em Goiânia, suspeita de causar lesões e infecções em pacientes ao fazer uso de PMMA em procedimentos estéticos em diversas regiões do corpo das vítimas, como glúteos, coxas, peitos e partes íntimas.

Em dezembro de 2022, o cantor Naldo Benny dividiu em suas redes sociais uma complicação após uma bioplastia no nariz, também chamada de rinomodelação. A intervenção causou um princípio de necrose do nariz e foi feita com aplicação de ácido hialurônico de alta densidade. O procedimento também é frequentemente feito com PMMA, algo denunciado pelo perfil Vítimas da Bioplastia no Instagram (@vitimasdabioplastia). Na bio da página há um formulário para que pacientes com complicações pelo uso de PMMA contribuam para um estudo sobre reações adversas e riscos à saúde.

Cuidado

A Anvisa orienta que o produto só pode ser administrado por profissionais treinados e, para cada paciente, o médico deve determinar as doses e o número de injeções necessárias, dependendo das características de cada paciente, das áreas a serem tratadas e do tipo de indicação.

“O carro sempre foi o mesmo, o problema é quem dirige. As complicações de preenchedores estão ligadas principalmente a infecção e técnica inadequada. Vimos recentemente o caso do uso do fenol, que usamos há mais de 50 anos na medicina e agora estamos proibidos de usar por causa da morte pelas mãos de uma pessoa que não é capacitada”, diz Mayra.

Registro

Além de não possuir curso superior algum, a dona da clínica Ame-se, em Goiânia, Grazielly da Silva Barbosa, responsável pela morte da influenciadora Aline Maria Ferreira, afirmava ser biomédica. O Conselho Regional de Biomedicina (CRBM) de Goiás afirmou que não foi encontrado nenhum registro profissional no nome de Grazielly. O presidente do CRBM, Renato Pedreiro Miguel, esclarece que a atuação dos biomédicos em estética está restrita a procedimentos não invasivos de acordo com a resolução nº 241. 
"As pessoas não podem agir de forma leviana. É preciso procurar um profissional devidamente habilitado. Essa pessoa que se intitulou biomédica sequer estudou", comenta.  Ele orienta a população que antes de se submeter a procedimentos do tipo e colocar a saúde e a vida em risco, entre no site dos conselhos regionais para consultar o nome e/ou CPF do profissional para conferir se é habilitado ou não. 

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