Em visita ao Brasil a convite de Jair Bolsonaro, o presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, disse ao jornal Folha de S.Paulo que não se sentiu incomodado em ser recebido por anfitriões sem máscaras e que teria ficado ofendido caso o líder brasileiro estivesse com o item de proteção.
"Quando veio aqui o presidente [de Portugal] Marcelo Rebelo de Sousa, [Bolsonaro] não usou máscara. Foi o mesmo com o presidente de Cabo Verde [Jorge Carlos Fonseca]. Por que usar comigo? Por que usar comigo? Se ele usasse comigo, eu poderia ficar ofendido", afirmou Embaló.
O presidente africano e toda a sua comitiva usavam máscaras na primeira recepção feita no Palácio do Planalto, na terça-feira (24). Já o chefe do Executivo do Brasil estava sem a proteção, a exemplo de parte de seus ministros. "Sobre as máscaras, não tenho opinião a dar. Eu uso máscara. Não me incomoda. Quem quer que use. Às vezes também não uso, quando estou no meu carro", afirmou o líder africano.
O país de 2 milhões de habitantes elegeu Embaló, um general da reserva do Exército, no fim de 2019. Desde então, sua gestão tem sido considerada autoritária, com repressão a protestos, intenção de mudar a Constituição, ocupação de cargos-chave por militares e pouco apreço à democracia, segundo críticos.
Admirador de Bolsonaro pelo fato de ambos serem militares e se ancorarem no discurso político da disciplina, Embaló, 48, veio ao país a convite do brasileiro em visita que prossegue até sexta (27).
Para tal, Bolsonaro enviou um avião da FAB (Força Aérea Brasileira) para buscar o visitante e sua comitiva, um gesto incomum. "Não temos aviões. Nós poderíamos alugar, mas existe essa prática de solidariedade entre povos irmãos", afirmou Embaló à Folha de S.Paulo no início da noite desta quarta-feira (25). O jornal O Globo participou da entrevista, feita no hotel em Brasília onde o presidente está hospedado.
Apesar da proximidade com o estilo militar que Bolsonaro cultiva politicamente, Embaló considera um exagero a alcunha "Bolsonaro da África". "Já me chamaram de [Vladimir] Putin [presidente da Rússia] da África, de Kim Jong-un [ditador da Coreia do Norte] da África. Não gosto de desordem. Isso é do militar. É difícil que civis nos entendam. Civis gostam muito de bagunça, são pessoas que não gostam de regra."
Assim como recusa o apelido que o aproxima do líder brasileiro, Embaló rejeita atos negacionistas na pandemia. São diversos os sinais de sua gestão, relatados por ele, que vão na contramão do que pensa ou faz Bolsonaro. "Eu aprisionei as pessoas. Prendemos mesmo quem não obedecia, quem não usava máscaras ou organizava festas contra as decisões do Estado", afirmou ele.
Bolsonaro é crítico de ações restritivas adotadas por governadores para tentar evitar a disseminação do coronavírus. E não se resume à crítica: o presidente já agiu contra a prática, com ações junto ao Supremo Tribunal Federal. Em outra demonstração, o presidente africano disse que já tomou as duas doses da vacina fabricada pela AstraZeneca contra a Covid-19. Bolsonaro diz que se recusa a tomar imunizantes.
"Na Guiné, quase toda a população está sendo vacinada. Recebemos várias doações e compramos também", afirmou Embaló. No entanto, dados do projeto Our World in Data, ligado à Universidade de Oxford, indicam que apenas 1,28% da população recebeu ao menos uma dose de imunizantes contra a Covid. Quando consideradas as duas doses, esse percentual cai para 0,15%. "Infelizmente, fui um dos primeiros a pegar Covid, na Nigéria, ainda em março de 2020. Ia morrer de Covid, fiquei muito mal, atingiu meu pulmão e não conseguia andar. Fui para Paris me tratar. A população e eu ganhamos consciência."
Segundo o presidente guineense, cerca de 80% dos imunizantes foram fruto de doações -como, por exemplo, do consórcio Covax Facility, da OMS (Organização Mundial de Saúde), e de países como Portugal, África do Sul e EUA. Os outros 20% foram comprados, afirmou.
"Sou um grande incentivador, o primeiro incentivador da vacina. Na Presidência, nos hospitais, nos ministérios, nos quartéis e nas escolas ninguém entra sem mostrar o cartão de vacina. Em todos os locais públicos são necessárias as duas doses no cartão", disse Embaló.
Questionado sobre a diferença em relação ao comportamento de Bolsonaro, que rejeitou vacinas e que até hoje faz discursos contra a eficácia dos imunizantes, o presidente da Guiné-Bissau afirmou: "Não estou aqui para julgar um presidente. Lá, eu impus a regra. Eu decido, os outros executam."
Os números, ainda de acordo com o Our World in Data, mostram 108 mortes por Covid-19 e 5.590 casos de infecção no país. Há, no entanto, uma grande subnotificação de casos em países africanos.
O presidente africano afirmou que Bolsonaro visitará seu país ainda neste ano. Antes de voltar a Guiné-Bissau, Embaló vai a São Paulo, para uma visita ao novo Museu da Língua Portuguesa e um encontro com o governador João Doria. O líder africano, que se define como um político de centro, e não de direita, diz que disputará a reeleição. "Vou embora depois de dois mandatos. Para colocar o país na linha."