As imagens de nuvens de poeira gigantes cobrindo cidades do interior de São Paulo entre o fim de setembro e o início deste mês causaram espanto por todo o Brasil. O fenômeno raro deixou sujeira e danos materiais e humanos por lá.
Em Goiânia, um vento forte na sexta-feira da semana passada (1º) levantou a curiosidade dos goianienses a respeito do fenômeno. Mas aqui, a ocorrência apresentou significativas diferenças na comparação com o que aconteceu no Sudeste do País. Um dos principais motivos é que a principal força, uma frente fria, entrou no estado com intensidade menor.
Em São Paulo, os meteorologistas são taxativos ao afirmar que as imagens impressionantes se referiam a uma tempestade de poeira. A manifestação é resultado da simultaneidade de dois processos distintos. O primeiro deles é o avanço da frente fria com frentes de rajada, o que implica em uma velocidade maior. A frente fria em questão se formou no Sul do Planeta e avançou pelo Oceano Atlântico, em seguida alcançou o continente, onde deu origem às tempestades.
Neste caso em questão, ela atuou sobre Santa Catarina, Paraná, São Paulo, parte de Minas Gerais, Mato Grosso e de Goiás. O avanço de frentes frias costuma provocar instabilidades, que podem culminar em tempestades, na grande maioria das vezes, de água.
Quando o ar frio desce e o ar quente sobe, dá-se o nome a esta combinação de sistema convectivo. Ele é o que mais atua nas chamadas chuvas de verão. Nos dias em que houve as tempestades de poeira, o ar quente estava sobre o solo muito quente e descoberto. Quando houve o deslocamento para cima, a poeira e a fuligem de campos descobertos em São Paulo levou estas partículas para o alto.
“Se tiver uma mata, o vento não vai levantar poeira. Se tiver descoberto, e nós estamos na fase entressafra, com muito solo nu ou com áreas afetadas por queimadas, esse vento vai levantar isso e formar aquela nuvem”, explica o coordenador-geral substituto de Operações e Modelagem do Cemaden, o meteorologista Giovanni Dolif.
Com a força da frente fria, houve ventos fortes que empurraram o material em suspensão adiante, atingindo alguns municípios, principalmente os do Oeste paulista.
Capital
Em Goiânia, também houve um sistema convectivo, no entanto, a ocorrência que elevou a poeira pode ser melhor classificada como vendaval. Embora o solo estivesse quente, a dinâmica não pode ser comparada com uma tempestade de poeira, conforme os meteorologistas.
“Nós estamos no período de estiagem. Lotes, obras da Prefeitura e áreas abertas foram afetados por rajadas. O vento bateu e levantou a poeira para a atmosfera”, explica o gerente do Centro de Informações Meteorológicas de Hidrológicas de Goiás (Cimehgo), André Amorim.
Naquela tarde, a temperatura medida pela estação do Instituto Nacional de Meteorologia marcou máxima de 35,8°C. Os ventos tiveram rajadas de até 77 km/h. Para se ter ideia, no dia anterior a velocidade foi cerca de um terço disto: 26 km/h.
Apesar das imagens de poeira no ar, a chuva não se consolidou em Goiânia. Naquela data, no entanto, outros municípios registraram precipitações em decorrência do avanço da frente fria. Em Anápolis foram 22 milímetros (mm) e, em Rio Verde, 77 mm, uma boa precipitação para esta época do ano no município do Sudoeste goiano. A expressividade do resultado fica visível quando feita a comparação com a média para o mês de novembro, por exemplo, 272 mm, um mês no qual já há regularidade nas precipitações.
Professora do Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa) da Universidade Federal da Goiás (UFG), Juliana Ramalho Barros afirma que a ventania vista em Goiânia no último dia 1º pode se repetir. “Se a gente olhar as primeiras chuvas, é comum observar que caem árvores, levanta telhado de casa, entre outras ocorrências. A cidade está mais quente. À medida que a cidade cresce, aumenta a probabilidade de isto acontecer”, esclarece a especialista, que também é doutora em Geografia e pesquisadora em clima.
A respeito da ocorrência conceitual de uma tempestade de poeira, Juliana considera menos provável que isto aconteça em Goiás. “Estas frentes (de rajada) não chegam com tanta força aqui (em Goiás), como lá em São Paulo.” Para o gerente do Cimehgo, a hipótese não é tida como certeira, mas ele não descarta a possibilidade.
Caso uma tempestade de poeira ocorra em Goiás, as características de relevo, plano, podem favorecer o avanço do fenômeno. “Você tem algumas destas tempestades que se organizam em forma de linha, estas geram o vento com mais força, ele vai se propagando por quilômetros e quilômetros e, quando ele encontra uma região, por exemplo, montanhosa, de relevo mais elevado, ele dá uma freada, vai quebrando esta estrutura”, explica o coordenador do Cemaden.
Previsão
A meteorologia trabalha com muitas informações acompanhadas por satélites. Boa parte delas se dão na atmosfera, a elevadas altitudes. “É muito difícil prever a exata localização destas tempestades e as previsões não consideram a previsão de superfície”, explica Dolif.
Preservação deve receber mais atenção
Os meteorologistas fazem um alerta sobre a necessidade de preservação ambiental como forma de proteção contra eventuais tempestades de poeira. O Coordenador-geral substituto de Operações e Modelagem do Cemaden, meteorologista Giovanni Dolif, afirma que as condições do solo têm papel fundamental para o fenômeno. Por este motivo, ele defende a manutenção das características naturais dos biomas.
“Esses biomas (preservados) são importantes para mitigar, minimizar e também reduzem a secura do solo. A presença de vegetação diminui a perda de umidade na seca e favorece a umidade por meio da evapotranspiração (liberação de água pelas plantas)”, diz.
Alerta semelhante faz a professora do Instituto de Estudos Socioambientais da UFG, Juliana Ramalho Barros. “A gente precisa ter esse olhar (de preservação) para a cidade, cuidado com o uso e a cobertura do solo, pensar em políticas para reduzir estas consequências. Eu digo todo mundo, não só nós, mas grandes empresas também.”
Dolif pontua ainda que não é prudente associar as tempestades de poeira ou a maior ocorrência delas à crise climática. No entanto, ele ressalva que a estiagem mais severa contribui para que o solo esteja mais seco, um dos elementos do fenômeno. “A escassez hídrica na região ajudou a ter isso, ela apresenta sinais de compatibilidade com a mudança climática.”