A tatuadora Camila Gama, de 41 anos, vive um drama desde que decidiu fazer uma cirurgia de lipoescultura, em Goiânia. Moradora da cidade de Raleigh, nos Estados Unidos, Camila é nascida e foi criada na capital de Goiás e veio ao Brasil para fazer o procedimento. Dias depois, teve o braço direito amputado por conta de complicações.
“Eu sofro por ter perdido a minha profissão. Eu amo morar nos Estados Unidos, a oportunidade aqui é lenta, você demora muitos anos para chegar ao seu sonho e, quando eu estava explodindo, no ápice, meu sonho foi arrancado de mim”, desabafou.
Camila descreveu que fez a cirurgia em um hospital particular na capital, cinco dias depois começou a passar mal, foi diagnosticada com anemia e precisou tomar um medicamento na veia. A tatuadora disse que, por um possível erro na aplicação do remédio, ela desenvolveu uma trombose, que causou a amputação.
“Eu não posso apontar culpados, mas tudo começou depois do medicamento, aquele médico [um anestesista que estava de plantão] pegou a veia que era perto da artéria e deixou cair resíduos do remédio nela”, falou.
A reportagem ouviu um cirurgião cardiovascular que explicou que, apesar de raro, um erro na própria punção (o ato de colocar a agulha) pode causar trombose, independente da medicação.
O caso começou a ser investigado pela Polícia Civil neste mês. Ao g1, o delegado Wellington Ferreira, responsável pelo caso, disse que já começou a investigação, que Camila foi ouvida e passou por um exame de corpo de delito, mas aguarda o laudo pericial.
O crime denunciado foi lesão corporal, mas ainda não há informações de qual médico vai responder, se o que fez a plástica, ou que aplicou o remédio, o que receitou o medicamento ou algum outro profissional envolvido.
O que dizem o hospital, o médico e a defesa de Camila
Em nota, o hospital disse que se sensibiliza com o caso de Camila e que fez a melhor prestação de serviços, que não houve falha no atendimento do médico anestesista que fez o acesso à veia de Camila e nem da equipe de enfermagem que aplicou o remédio. O hospital disse que não tem vínculo empregatício com o cirurgião plástico, “afastando, qualquer responsabilidade objetiva da unidade hospitalar” e que o anestesista faz parte de uma empresa contratada pelo hospital.
O hospital afirmou ainda que está colaborando com as investigações e a conduta do médico será analisada por autoridades oficiais (veja nota completa no fim da reportagem).
A defesa do cirurgião plástico disse que não pode dar detalhes técnicos sobre o caso por conta do sigilo médico, mas que o que aconteceu com Camila é uma complicação que não tem ligação com a cirurgia e todos os cuidados foram tomados durante o atendimento. O médico informou que está à disposição da Justiça para esclarecimentos (leia nota completa no fim da reportagem).
A reportagem pediu um posicionamento à empresa em que o anestesista é contratado, mas não teve retorno até a última atualização desta reportagem.
Advogado de Camila, Fabrício Póvoa disse que fez uma representação criminal e registrou um boletim de ocorrência para apurar eventual erro médico ou conduta negligente. À TV Anhanguera, o profissional disse que é preciso investigar o que causou o mal estar de Camila após a cirurgia, que sujeitou a aplicação do remédio na veia.
“Segundo informação da Camila, foi medicado um anticoagulante, passado para ela logo após a cirurgia plástica e, segundo ela, esse medicamento deveria ser receitado com 30 dias de antecedência”, pontuou.
Cirurgia
Camila disse que o médico que fez a cirurgia plástica ficou ao lado dela durante todo o processo, até na amputação, mesmo não sendo ele o responsável pelo procedimento. A tatuadora narrou que conheceu o profissional por meio de indicações de amigas e da família e fez todos os exames necessários antes da lipoescultura.
“Antes disso eu não tinha nada, já fiz mais de 8 cirurgias antes, até plástica, minha família não tem histórico de trombose, depois disso tudo fiz 19 exames de trombose e todos deram negativo. Um laudo sobre a mão amputada deu que a minha artéria estava destroçada por ‘algo desconhecido’”, contou.
Detalhes do caso
Camila contou que chegou ao Brasil no dia 9 de março deste ano, fez alguns exames e operou no dia 13 do mesmo mês. Segundo a tatuadora, cinco dias depois “começou o terror”, após ela passar mal e voltar ao hospital. Lá, ela disse que foi diagnosticada com anemia, tomou duas bolsas de sangue e voltou para casa.
Em casa, Camila contou que continuou passando mal e começou a perder os movimentos do corpo. Por isso, voltou ao hospital. O médico que fez a plástica não estava, por isso ela teve que ser atendida por um plantonista, que receitou um remédio a base de ferro, conforme o relato da tatuadora.
“As enfermeiras furaram várias vezes e não conseguiram [achar a veia], desci para o centro cirúrgico e tinha um anestesista de plantão, ele pegou a veia e começou o pesadelo. Começou a doer e pouco tempo depois a minha mão já tava toda preta necrosada”, contou.
Para Camila, houve negligência por parte do hospital que fez a plástica. “Eu gritava de dor, minha mãe apertava o botãozinho, as enfermeiras não vinham, elas falavam que era normal sentir dor com esse medicamento, o hospital não teve um pingo de empatia. Eu pedia para tirarem e elas falavam que era normal”, falou.
Após uma mensagem da mãe de Camila, o médico responsável pela plástica chegou rápido ao hospital acompanhado de um cirurgião cardiovascular e uma ambulância. A tatuadora foi transferida para outro hospital onde fez duas cirurgias, mas disse que os médicos não sabiam mais o que fazer com o caso dela e a família decidiu levá-la para um terceiro hospital.
“Fiquei 11 dias na UTI tomando morfina 6 vezes ao dia, com muita dor, até que eu não aguentava mais. Os médicos disseram que teria que amputar de todo jeito, mas estavam tentando amputar menos, porque a trombose já estava no ombro, a um passo de ir para o coração ou cérebro”, explicou.
De acordo com Camila, ela tomou um medicamento dos Estados Unidos durante os 11 dias de internação para tentar “diminuir” a trombose. Foi então que os médicos conseguiram amputar não no ombro, mas do cotovelo para baixo.
Ajuda
A tatuadora desabafou sobre ter perdido sua fonte de renda. Para ajudar Camila a se reerguer, o filho criou uma vaquinha, que é divulgada no Instagram dela. Camila disse que precisa comprar uma prótese de braço que, nos Estados Unidos, custa mais de $ 100 mil.
“Eu era muito popular aqui nos Estados Unidos, tinha um estúdio maravilhoso, tinha muitos clientes, eu não perdi só o braço, eu perdi o meu sonho de 9 anos, meu estúdio, minhas clientes, a forma que eu me mantinha…”, lamentou.
Nota do Hospital na íntegra
O hospital a respeito da cirurgia estética de lipoescultura e bodytite, que atua, por sua vez, na eliminação da gordura de forma minimamente evasiva, realizada em sua sede, no dia 13/03/2023, inicialmente, se sensibiliza, em absoluto, com a paciente Camila Gama Braga de Oliveira.
No contexto relacionado às boas práticas hospitalares, foi realizada a melhor prestação de serviços, sem nenhuma responsabilidade civil, negando-se, com veemência – a partir da punção da artéria por anestesista (acesso venoso periférico em membro superior direito), conforme prescrição médica, com a respectiva administração do medicamento (NORIPURUM) pela enfermagem e sem intercorrências – qualquer defeito nos serviços ali prestados, não se olvidando que não há vínculo empregatício ou subordinação com o cirurgião plástico, afastando, com isso, seja como for, qualquer responsabilidade objetiva da unidade hospitalar.
A conduta do médico será analisada, em perícia, por órgãos e autoridades oficiais, e trará, por certo, ao fim e ao cabo, uma razão de juízo acerca de causas e efeitos do caso concreto, mostrando, à evidência, se há ou não nexo de causalidade, com ações negligência, imprudência ou imperícia.
Tem-se por óbvio que qualquer pré-julgamento acerca de fatos não comprovados, se trata de mera especulação.
O hospital, em reiteração, lamenta profundamente o ocorrido, embora evidente a sua ausência de responsabilidade, seja de natureza civil ou mesmo penal, e informa que colaborará com as investigações conduzidas pelas autoridades competentes.
Aguarda-se, portanto, o pronunciamento final das autoridades policiais, para que se possa se manifestar tecnicamente.
Nota do cirurgião plástico na íntegra
O médico cirurgião plástico esclarece, através de sua advogada Vera Lúcia Sanches Santos, OAB/GO 33.476, que está à disposição da justiça para maiores informações acerca do atendimento prestado a paciente Camila Gama Braga de Oliveira.
A paciente em comento questiona atendimento prestado quando de procedimento cirúrgico realizado. Ocorre que, em razão do dever de sigilo, o médico não poderá fornecer maiores detalhes técnicos sobre o caso, sob pena de infringir disposições éticas do Código de Ética Médica bem como do Código Penal Brasileiro.
Todavia, devemos aqui esclarecer que o que acometeu a paciente foi uma complicação que não se refere ao ato operatório, e que todos os cuidados foram adotados quando do atendimento do médico em comento.
Assim, o médico fica à disposição da justiça e da senhora Camila para qualquer esclarecimento maiores.