Atualizada às 21h58
O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) aposentou compulsoriamente o juiz da Comarca de Corumbá, Levine Raja Gabaglia Artiaga, de 42 anos, suspeito de participar de uma quadrilha que esvaziava contas bancárias milionárias sem movimentação por meio de decisões judiciais. Levine estava afastado desde dezembro de 2020 e, segundo a defesa dele, vai entrar com recurso.
A aposentadoria compulsória é a pena máxima prevista contra um magistrado dentro de um Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD). Levine segue alvo de uma denúncia apresentada pelo Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) contra 19 pessoas em setembro deste ano e pode responder a ação penal, na qual pode ser condenado a perder o cargo e ter a aposentadoria suspensa.
O desembargador Luiz Eduardo de Souza, relator do PAD contra Levine, considerou procedentes as acusações de envolvimento do juiz com a quadrilha e foi acompanhado no voto por outros 15 colegas do órgão. Dois deles se abstiveram de votar. Durante a leitura dos votos, alguns desembargadores aproveitaram para destacar o fato de estarem aplicando a pena máxima prevista legalmente e se prevenir contra possíveis críticas por Levine continuar recebendo salário agora como aposentado.
O último a ser punido com essa medida no TJ-GO foi o juiz Felipe Alcântara Peixoto, em fevereiro de 2018. Ele respondia pela Comarca de Porangatu na época e foi condenado por violar os deveres de imparcialidade, urbanidade e comportamento irrepreensível na vida pública e particular. Com a aposentadoria, o salário de Felipe caiu de R$ 25,5 mil para R$ 12,5 mil.
As punições administrativas contra um magistrado são cinco, e vão de uma mera advertência ou censura, a remoção compulsória, disponibilidade ou aposentadoria forçada. Esta última está prevista tanto na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) como em uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Questionado sobre a lógica da punição máxima ser uma aposentadoria na qual o magistrado continua recebendo o salário, mesmo que proporcional, o TJ-GO destacou que a sanção administrativa não impede que o juiz possa ser responsabilizado financeiramente em outras vias, como ação civil ou penal. “Observa-se que o Ministério Público pode ajuizar ação buscando a perda da aposentadoria proporcional em casos dessa natureza”, informou.
Entenda o caso
Investigações conduzidas pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP-GO apontam Levine como líder do núcleo jurídico de uma quadrilha cuja atuação se baseava em encontrar contas bancárias com valores milionários e paradas e bolar estratégias para sacar estes recursos com ajuda de decisões judiciais.
O delegado aposentado Hylo Marques Pereira liderava junto com o agente aposentado Alexandrino Araújo Oliveira Neto o núcleo articulador do grupo, enquanto o pastor Efraim Soares de Moura era responsável por fazer a ponte entre os dois núcleos.
Além destes, havia auxiliares e um grupo de advogados arregimentados para entrarem com processos que seriam validados por Levine na Comarca de Corumbá, onde ele atuava.
Os promotores identificaram cerca de R$ 1,8 milhão que teriam sido repassados para Levine como a parte dele em seis dos processos sob suspeita de terem sido fraudados pelo juiz junto com o grupo.
“Coincidência”
O julgamento durou cerca de quatro horas e o relator da PAD gastou mais de uma hora para ler o voto. Luiz Eduardo destacou que as fraudes só prosperaram por causa das ações do juiz processado e que as estratégias usadas pelos advogados para conseguirem acesso às contas bancárias eram muito fáceis de serem notadas por um juiz que não estivesse pactuado com a quadrilha. Ainda segundo o desembargador, as investigações apontaram que Levine só tomava providências quando as fraudes eram descobertas.
Também chamou a atenção do relator o que ele chamou, ironicamente, de “coincidência” o fato de os empréstimos feitos por um dos suspeitos ao juiz, como a defesa alegou no processo para justificar os repasses que apareceram na conta de Levine, ocorrerem sempre quando havia liberação de “valores vultosos” das contas bancárias alvo da quadrilha investigada.
A defesa de Levine informou que respeita a decisão do Órgão Especial, mas que entende não ser correta e irá recorrer para revertê-la. “As provas produzidas contra o magistrado são ilegais, produzidas em procedimento totalmente nulo. O magistrado reitera sua inocência, visto que não recebeu qualquer valor de forma irregular, tendo pautado sua carreira em muito esforço e seriedade”, afirmou o advogado Dyogo Crosara, que representou Levine no julgamento.
Pastor falava em nome de Levine
Interceptações feitas com autorização da Justiça pelo Ministério Público junto ao celular do pastor Efraim Soares Moura, acusado de ser a pessoa que fazia a ponte entre o núcleo que articulava as estratégias para esvaziar as contas bancárias milionárias e o juiz Levine Artiaga, mostram que o pastor tinha uma relação com o acusado que ia além da amizade.
Efraim aparece em conversas com outras pessoas falando em nome do juiz e agendando encontros para tratar de interesses em comum. Em conversa com uma autoridade política, Efraim diz que ficou dois dias com o juiz em Brasília, sem especificar os assuntos que foram tratados por lá. A defesa de Levine alega que eles são amigos e que nos últimos anos negociaram empréstimos e a venda de um apartamento.
Outro lado
A defesa de Levine informou que respeita a decisão do Órgão Especial, mas que entende não ser correta e irá recorrer para revertê-la. “As provas produzidas contra o magistrado são ilegais, produzidas em procedimento totalmente nulo. O magistrado reitera sua inocência, visto que não recebeu qualquer valor de forma irregular, tendo pautado sua carreira em muito esforço e seriedade”, afirmou o advogado Dyogo Crosara, que representou Levine na sessão de julgamento.
Relatos apontam série de falhas de juiz
Relator da PAD contra Levine Artiaga, o desembargador Luiz Eduardo de Souza chamou a atenção para uma série de pontos nas decisões do juiz investigado que reforçam a suspeita de que ele tinha ligação, sim, com a quadrilha conforme foi levantado em investigações do Ministério Público.
Uma das primeiras observações foi de que no caso de contas bancárias de correntistas que já estavam mortos o juiz determinava a intimação da pessoa falecida e não de seu espólio.
Ele também rebateu o argumento que teria sido usado pelo investigado de que trabalhava demais e não tinha tempo de analisar detalhadamente os documentos. “Um juiz que não abre o processo, que não vê isso, é um juiz que fere sem sombra de dúvidas o código de ética.”
O relator frisou que muitas das atitudes do juiz não tinham justificativas, como colocar todos os casos envolvendo os advogados da quadrilha sob sigilo sem motivo aparente, não tomar decisões para averiguar informações apresentadas sem provas e dar celeridade aos processos além do normal.
Ele citou um caso em que o advogado alegou que o cliente teve uma conta bloqueada com recursos da venda de um apartamento e que Levine pediu a liberação da mesma ao banco sem que fossem incluídas no processo provas de quem era o dono ou mesmo da suposta negociação. “A fraude só prosperou por causa do juiz processado, se ele detecta isso, ele fecha a porta.”
O desembargador também afirmou que o juiz teve durante todo o processo amplo espaço para se defender e lembrou de momentos em que Levine tentou postergar o trâmite do PAD, seja adiando oitiva por motivos de saúde, proibindo os porteiros de receberem notificações ou se recusado a receber um oficial de Justiça.
Defesa vai recorrer no TJ-GO e no CNJ e insiste em falta de provas
O advogado Dyogo Crosara, que defendeu o juiz Levine Artiaga no julgamento da PAD, diz que pretende entrar com recursos para reverter a aposentadoria compulsória do magistrado, tanto no próprio TJ-GO, com embargos declaratórios, como no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com um pedido de revisão disciplinar. Ele diz que pretende insistir no argumento de nulidade de provas e de ausência de ligação do juiz com os envolvidos na fraude.
Ao defender o juiz no julgamento, o advogado argumentou que não havia nenhuma prova de que Levine participou dos esquemas fraudulentos ou mesmo que tinha relação com qualquer um dos outros envolvidos diretamente no golpe. Em relação ao pastor Efraim Moura, ele argumenta que ali havia uma relação de amizade e que ambos mantinham negociações financeiras dentro da lei, envolvendo empréstimos e venda frustrada de um apartamento.
Dyogo argumentou que a quadrilha agia em vários estados, simulando documentos para entrar com ações no intuito de sacar valores elevados de contas bancárias de um banco público e que não era possível verificar numa primeira avaliação qualquer irregularidade nos processos apresentados pelos advogados. Ele garante que quando algum problema era detectado, Levine tomava as providências. “O juiz, quando foi avisado, ele imediatamente comunicou a Polícia Civil.”
O advogado também alega que Levine foi prejudicado na oitiva de testemunhas de defesa, com a inclusão na véspera de nomes pelo MP-GO, e que uma investigação feita pela Polícia Federal não poderia estar entre o material dentro do PAD.