O impasse criado pela disputa judicial sobre a transferência de crianças de unidades municipais de educação infantil para as de ensino fundamental de Goiânia tem confundido e preocupado os familiares.
O caso chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu, no fim da última semana, manter a proibição de que a Prefeitura efetive as transferências. Isso porque ação do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) argumenta que o remanejamento é uma manobra da gestão municipal para criar vagas de forma artificial e que isso acarreta efeitos negativos.
As transferências fazem parte de uma reorganização das unidades que busca dar lugar a novas vagas em Centros Municipais de Educação Infantil (Cmeis). A gestão municipal precisa cumprir um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que determina a criação de 7 mil vagas em Cmeis até 31 de março deste ano.
Para isso, determinou o remanejamento de espaços em unidades de ensino fundamental para que esses sejam transformados em novas salas de aula, incluindo o fechamento de salas de leitura - item negado pelo município. De forma que essas unidades teriam mais vagas, que seriam então preenchidas por crianças de 4 a 5 anos vindas de Cmeis e assim abrindo novas vagas nos locais destinados à educação infantil.
Em ação de execução ajuizada pelo MP-GO, a Justiça concedeu liminar que, entre outros pontos, determinou que a administração municipal suspendesse a remoção de crianças de 4 a 5 anos dos Cmeis para as escolas fundamentais com o intuito de criação forçada de vagas para crianças de 0 a 3 anos. Na decisão, a juíza Maria Socorro de Sousa Afonso da Silva reconhece que a transferência só poderá ser feita diante da vontade dos pais.
Por nota, a Secretaria Municipal de Educação (SME) da capital diz que, a despeito das reclamações, o planejamento prevê a matrícula de crianças com idade adequada para a pré-escola em unidades que já atendem “há anos” esta modalidade de ensino “para um melhor acolhimento pedagógico”. Afirma, então, que a decisão do TJ partiu de um pressuposto equivocado do MP-GO. Aponta, sobretudo, que a decisão não altera o planejamento da rede.
Na prática os pais não sabem como devem proceder. A funcionária doméstica Rosimeire Assis, de 43 anos, é mãe de um menino de 5 anos que poderia ficar matriculado por mais um ano no Cmei Tio Romão. No entanto, por instrução da unidade, a mãe diz que já realizou a matrícula do filho em uma escola de ensino fundamental. “A informação é de que é para levar para a escola. Mas a diretora do Cmei disse que se tiver alteração, ele terá a vaga de volta”, afirma.
A professora Grasielle Verônica Rosa, de 37 anos, também tinha uma filha de 5 anos matriculada em Cmei e que agora pode ser transferida para uma escola. “A rematrícula no Cmei foi negada, porque as crianças de 4 e 5 anos deveriam ser transferidas para uma escola de educação infantil. Esta mudança foi avisada faltando apenas um mês e meio para finalizar o ano letivo. Tivemos um choque muito grande uma vez que sabemos que esta mudança irá prejudicar muito o processo de ensino e aprendizado da nossa filha”, considera.
A principal preocupação, conforme explica Grasielle, que tem um grupo com dezenas de outros pais na mesma situação, é principalmente com a estrutura das novas unidades e com o fato de elas não serem de tempo integral, assim como os Cmeis.
“É um retrocesso da Educação de Goiânia e um desrespeito e não comprimento dos direitos das crianças ferindo as leis que regem a Educação Nacional. Toda a criança tem direito à educação integral e de qualidade, e foi tirado de nossas crianças esse direito adquirido”, reclama.
No grupo de pais de Grasielle, um pai questionou, durante a tarde desta segunda-feira (9), como ficaria a situação do filho. Como a criança já está matriculada em uma escola, o temor do pai é de que haja risco de desassistência caso ele busque mantê-la no Cmei. “Quando a decisão do STF for realmente acatada pela Prefeitura, meu filho poderá retornar ao Cmei mesmo já estando decorrendo o ano letivo?”, perguntou para os demais pais, que responderam com questões também incertas.
A promotora Maria Bernadete Ramos Crispim, titular da ação acatada pelo TJ e ratificada pelo STF, diz que a questão principal não é a irregularidade ou não nas transferências, mas que também esta questão é passível de análise. “O ponto é que a Prefeitura assinou um TAC para criar novas vagas e não cumpriu e agora busca fazer isso de forma artificial que está trazendo dificuldade para os pais, que estão em desespero”, explica a promotora.
O Sindicato Municipal dos Servidores da Educação de Goiânia (Simsed) diz que a postura da Prefeitura tem sido irresponsável. Segundo o sindicato, a gestão municipal está ignorando e não acatando a decisão do STF quanto às mudanças das crianças da Educação Infantil para as escolas de ensino fundamental.
Acordo de 2019 previa criar vagas na educação infantil
O TAC em questão foi assinado pelo Paço em abril de 2019, durante a gestão municipal anterior. Pelo acordo, havia ficado definido que o Município assumiria a responsabilidade de ofertar, no mínimo, 10.796 novas vagas para o atendimento da educação infantil em creches e no mínimo 4.813 novas vagas para o atendimento da educação infantil em pré-escola, para o período compreendido entre os anos de 2018 a 2021, o que não foi cumprido.
No entanto, passado esse período, a situação na rede municipal de ensino não apresentou qualquer evolução, mantendo-se o ponto crítico que já vinha se desenrolando nos anos anteriores, chegando a um déficit de 8 mil vagas para a educação infantil, de acordo com dados da própria secretaria. Diante disso, segundo a promotora, ficou evidente o prejuízo irreparável causado aos alunos em razão do atraso generalizado de ingresso na rede de ensino.
Assim, acatando tais argumentações, a juíza fixou um prazo até 31 de março de 2023 para que o Município de Goiânia oferte 7.096 novas vagas de educação infantil para creches (crianças de 0 a 3 anos) e 2.233 novas vagas para pré-escola (crianças de 4 a 5 anos), sob pena de pagamento de multa por dia de descumprimento.
Ao analisar a questão, a ministra Rosa Weber, do STF, verificou que a medida proposta pela Prefeitura de Goiânia para cumprimento do TAC não atende adequadamente a devida ampliação das vagas escolares, isto porque, conforme o plano detalhado na ação do MP-GO, prejudicaria as crianças com a retirada das bibliotecas e salas de leitura.
Ao recorrer contra a decisão do TJ, o município argumentou ao STF que a decisão prejudica a população local, porque interfere em políticas públicas de competência municipal.
Segundo a ministra, a medida para abertura de vagas deve continuar, mas não no modelo proposto. Em seu entendimento, a decisão não prejudica a população local, como alega o município, mas a situação em que se busca o adequado cumprimento do plano de expansão de vagas da educação infantil municipal é que causa danos à ordem pública.
Mudança na função de salas foi anunciada no ano passado
Em novembro do ano passado, a Secretaria Municipal de Educação pegou a comunidade escolar de surpresa ao anunciar o fechamento de salas de leitura em cerca de 50 das 173 escolas municipais para transformar estes espaços em salas de aula. Cerca de dez unidades conseguiram reverter a decisão.
Após o anúncio, o Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás (TCM-GO) se posicionou de forma contrária e determinou em medida cautelar para que nenhuma sala de leitura fosse fechada. Já a promotora Maria Bernadete Ramos Crispim, entrou com a ação para tentar impedir o fechamento destes espaços, o que foi acatado pelo TJ.
Desde o momento em que a Prefeitura anunciou a medida, diversas instituições acadêmicas e especialistas da área da educação repudiaram o fechamento das bibliotecas e salas de leitura. Segundo a maioria que se posicionou, a mudança afetaria os alunos que não têm acesso a livros fora da escola, seja por falta de bibliotecas públicas ou por não terem condições financeiras para comprá-los.
A SME diz que em nenhum momento foi cogitado o fechamento das bibliotecas de nenhuma escola. No entanto, a gestão mudou de versões diversas vezes sobre o que seria feito nas estruturas escolares. Entre as justificativas está a de que os espaços estavam sendo remanejados para, na verdade, ampliar os espaços de leitura.
Sobre a criação de novas vagas na educação infantil, a gestão municipal diz que segue atuando para a concretização de esforços, com a retomada de obras paralisadas e a entrega de novas unidades educacionais. “Em 2022 foram ofertadas 9.927 vagas em Cmeis e CEIs. Para 2023, com a política de ampliação de vagas, 14.976 vagas serão ofertadas para a educação infantil”, destaca.