Carlos Augusto Manço nasceu três décadas antes da televisão chegar ao Brasil e hoje, com a pandemia, precisa se adaptar às aulas online da faculdade. Aos 92 anos e em isolamento por causa do novo coronavírus, o vovô está no terceiro ano de Arquitetura e sente falta do contato presencial com os colegas do curso, mas não se abate com os desafios da quarentena para estudar.
Mesmo com dificuldades para digitar, problemas de audição e sem costume de mexer no computador, ele se reinventa com a tecnologia para conquistar o sonho de se tornar arquiteto. “Tem horas que dá vontade de parar pelo volume de estudos, mas a vontade de continuar é maior”, diz. “Para entrar no sistema [de videoconferência], minha neta está me ensinando um pouco a cada dia.”
Morador de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, o idoso não conseguiu fazer o ensino superior na juventude por questões financeiras. "Só tinha curso profissionalizante na cidade e eu não tinha condição de estudar fora. Então, resolvi trabalhar e fazer o que estava ao meu alcance [técnico em edificações]", explica. Por 50 anos, trabalhou com desenho urbano, ajudou a projetar as obras do hospital universitário da USP, no campus de Ribeirão, e hoje se dedica a trocar conhecimentos com seus colegas de classe, inclusive nas aulas pelo computador.
Assim como era presencialmente, Carlos está sendo um aluno exemplar. Não falta um único dia e mantém uma rotina regrada: acorda cedo para a aula, estuda no período da tarde e, mesmo acompanhando as notícias sobre a covid-19, busca tranquilizar os estudantes mais jovens com a sabedoria de quem já viu outras crises de saúde pública ao longo de quase um século de vida.
“Isso vai passar. Temos que manter a rotina em casa e deixar a mente funcionando. Quanto mais estudamos, mais temos conhecimento. Quando as aulas [presenciais] voltarem, poderemos compartilhar experiências diferentes”, afirma. A positividade se soma à esperança com o futuro: quando tudo isso acabar, ele pretende estagiar em obras de hospitais — desejo que nutre consigo há muitos anos.
Carlos acredita que a falta de convivência física com os colegas e professores é um problema. Mas, enquanto as coisas não voltam ao normal, sua neta, Isabella Bucci, ajuda o avô a preencher as lacunas do ensino a distância. “De tarde fazemos as lições juntos para ele reforçar o exercício proposto. Ele lê os textos e faz resumos. Leio também para poder trocar ideias sobre o tema como se estivéssemos na faculdade discutindo o assunto”, conta.
‘Sou uma jovem de 90 anos’
É assim que Neuza Guerreiro de Carvalho se define. Mantendo com firmeza suas atividades acadêmicas na pandemia, ela se formou em História Natural (atual Ciências Biológicas) na Universidade de São Paulo (USP), em 1951, e decidiu voltar 54 anos depois, em 2005, por meio do projeto para terceira idade USP 60+, no qual fez mais de 50 cursos semestrais até 2015.
De lá para cá, ela coordena um curso de Memória Autobiográfica para idosos, hoje ministrado online devido ao novo coronavírus. “Fazemos as aulas no Zoom e Google Meet. Está sendo um sucesso, com nenhuma falta dos participantes”, diz ela. “Domino bem o que preciso [de tecnologia]. Tudo é questão de interesse, necessidade, curiosidade em estar atualizada. Com o uso dessa modernidade, aumentei meu vocabulário em pelo menos 100 palavras.”
O médico e coordenador do USP 60+, Egídio Dorea, explica que uma virtude comum dos 3,5 mil idosos que participam do programa é a resiliência. Nas aulas presenciais da Universidade de São Paulo, é comum entre as pessoas da terceira idade sentar na frente, participar mais das aulas que os jovens e entregar atividades no prazo por livre e espontânea vontade. Além disso, a maioria interage mais com os professores, de uma forma alegre e informal.
“Mesmo na pandemia, eles continuam presentes, dando sugestões e comentando todas as atividades que publicamos. Essa postura nos estimula a estarmos sempre procurando maneiras de ajudá-los a manter a qualidade de vida nesta quarentena”, afirma Dorea.