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Vítimas sofrem com sequelas um ano após queda de rampa no Serra Dourada

José Washington/TV Anhanguera
Do alto, a rampa que protagonizou o acidente, no Estádio Serra Dourada

GABRIELLA BRAGA

Passado exatamente um ano desde o desabamento de uma rampa no Rap Mix Festival, vítimas ainda precisam conviver com as sequelas físicas adquiridas. Naquele 9 de julho de 2023, a expectativa para ao menos 75 pessoas era de um dia de diversão junto a familiares e amigos no evento que lotou o Estádio Serra Dourada, em Goiânia. Mas, no fim daquela noite, o cenário se transformou em desespero. Escoriações, fraturas expostas e até traumatismo craniano foram consequências para essas pessoas, após a estrutura metálica que ligava o gramado à arquibancada desabar de uma altura de até cinco metros.

Após a queda da rampa, a Delegacia Estadual de Investigações Criminais (Deic) deu início às investigações para apurar causas e responsáveis pelo ocorrido. Um laudo pericial feito ainda no mês do desabamento demonstrou que a causa foi a montagem inadequada da estrutura. Já em abril deste ano, o inquérito foi remetido ao Judiciário, com o indiciamento de oito funcionários de empresas de montagem e de segurança. Nenhum proprietário foi indiciado.

Para as vítimas, o relatório final do inquérito não foi o esperado. “Acho injusto o resultado. Se o funcionário fez, foi porque a ordem veio de cima, dos responsáveis das empresas. Eles é quem deveriam responder, já que estavam à frente”, comenta a autônoma Letycia Oliveira, de 24 anos. O resultado da queda, para a jovem, foi uma fratura na coluna, além de rompimento dos ligamentos da vértebra e outros ferimentos.

“Coloquei seis parafusos na coluna. Sinto dores todos os dias. Os parafusos doem no frio, minha coluna trava, não posso pegar peso, não aguento andar grandes distâncias, sinto desconforto a maior parte do tempo. E precisei ficar afastada do trabalho, no meu próprio salão. Hoje não consigo atender da mesma forma, minha renda diminuiu muito”, lamenta, ao acrescentar que o último ano tem sido para “reaprender a viver”.

Diante da sensação de injustiça, Letycia buscou um advogado para ingressar com processo judicial cobrando indenização por danos morais e materiais. “Não tivemos nenhuma decisão. Fazem pouco caso de nós, me sinto humilhada, como se a culpa fosse minha por ter caído daquela estrutura. A culpa não é minha, mas deles, que foram extremamente irresponsáveis e hoje ficam agindo como se a gente nem existisse.”

Tia e sobrinho, Adriana da Cunha, de 45 anos, e Marcos Paulo Torquato, de 20, subiam do gramado para a arquibancada quando o chão cedeu. “Estava no alto, já no final, indo embora, quando senti o chão mexer e olhei para baixo. Daí, vi um buraco se abrindo embaixo dos meus pés e não tinha nada para segurar. Pensei que iria morrer”, relata. Ela teve fratura no tornozelo, além de tíbia e fíbula. No joelho, fratura exposta. “Uso dois pinos no joelho. No tornozelo são muitos, e placas também.”

Para Adriana, o pós-festival se resumiu a exames e consultas médicas e, ainda, quatro cirurgias. “Vivi os piores dias da minha vida. Foram três meses em uma cama e depois usei muleta e cadeira de rodas. Até hoje minha perna incha muito e dói se eu ficar muito tempo de pé. Quando fico em repouso, tenho dificuldade para andar logo que coloco o pé no chão. Preciso ir devagar para aquecer e andar mais tranquila”, relata.

A mulher rechaça ainda o resultado do inquérito. “Acho que os organizadores do show são os responsáveis, porque foi neles que confiei quando comprei o ingresso. Eles tinham de contratar pessoas capacitadas. Eu não contratei engenheiro, foi o evento que contratou. A responsabilidade é deles”, conclui Adriana.

O sobrinho dela também tem convivido com sequelas, mesmo que mais amenas. “Não sinto toque em algumas regiões abaixo do joelho (direito). Fiquei um bom tempo sem praticar alguns esportes e sem trabalhar também. Foi bastante complicado, acabei perdendo o serviço por faltas, porque senti muitas dores por meses”, comenta Marcos Paulo.

A designer de sobrancelhas Marcela Silva Noleto, de 22 anos, estava com o marido quando o desabamento da estrutura ocorreu. Após a queda de cerca de quatro metros de altura, teve fratura no fêmur e precisou passar por duas cirurgias. Ele quebrou o pé. “Faz um ano e ainda parece que foi ontem. É um dia que jamais vai ser esquecido. Na época eu amamentava meu neném e tiver de o desmamar, porque fiquei internada no hospital.”

A jovem acrescenta ainda que teve de buscar alternativas para conseguir adquirir itens essenciais, como medicamentos e fraldas, já que o casal não teve ajuda da organização. E, por conta dos ferimentos, tiveram de deixar o trabalho e morar com a sogra dela, que ficou responsável pelos cuidados dos feridos. “Já entramos na Justiça, mas até agora nada, não quiseram acordo. É muito difícil, sinto dor na perna todos os dias, tenho certas limitações, não posso correr ou ficar em pé por muito tempo. É uma coisa que ficará marcada para o resto da minha vida, fora os traumas psicológicos. Só quero justiça.”

Em consonância com a história de Marcela, todas as outras vítimas ouvidas pelo jornal relatam que não obtiveram auxílio por parte da organização do evento. Algumas comentaram que foram procuradas, mas, mesmo assim, não conseguiram a ajuda necessária para prosseguir com os tratamentos. A reportagem buscou a assessoria de imprensa do evento para comentar o caso, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.

Polícia

O jornal questionou à Polícia Civil (PC-GO) o motivo de o inquérito ter indiciado só funcionários e não proprietários das empresas. No relatório final assinado pelo delegado Leonardo Dias, consta que os donos das empresas de montagem não foram indiciados por terem contratado profissional habilitado para a execução do serviço. Já aqueles das empresas de segurança “não tiveram condutas delineadas que se amoldam ao tipo penal, pois apenas figuram como proprietários”.

A proprietária da Winner Records, Maria Viviane Santos de Araújo, e seu irmão Marcos Aurélio Santos de Araújo, detentor da marca Rap Mix, também não foram indiciados e sequer compareceram em sede policial, respondendo apenas por depoimentos escritos. No inquérito, foram apontados como testemunhas de fato e constam como possível “polo passivo em ações de indenização na esfera cível”.

Vale destacar que o inquérito estava, até então, com o delegado Thiago Martiniano. Em abril deste ano, a investigação foi repassada a Dias, que concluiu o inquérito no mesmo mês. A reportagem também questionou à corporação o motivo da mudança. Em resposta, a PC-GO disse que “todas as diligências necessárias para a elucidação do fato foram devidamente realizadas, com o inquérito policial concluído, e remetido ao Poder Judiciário”. O jornal também buscou a assessoria de imprensa do evento, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.

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