GABRIELLA BRAGA
Após descartar o uso de 300 pesticidas no envenenamento de Leonardo Pereira Alves, de 58 anos, e da mãe dele, Luzia Tereza Alves, de 85, a Polícia Técnico-Científica do Estado de Goiás (PTC-GO) confirmou ter encontrado a substância utilizada no crime. Sem citar o nome, justificando medida de “segurança pública”, a corporação informou que um produto altamente letal e tóxico, sem odor e sabor, foi identificado nos corpos e em dois bolos em potes adquiridos pela suspeita, a advogada Amanda Partata Mortoza, de 31.
O crime ocorreu durante um café da manhã na residência das vítimas, no dia 17 de dezembro, em Goiânia. A advogada está presa desde o dia 20 por suspeita de ter envenenado os alimentos consumidos por Leonardo e Luzia. Câmeras de segurança de um estabelecimento comercial do Setor Marista registraram a mulher comprando bolos em potes e outros alimentos e bebidas no local, que foram levados para a casa da família. Mas, antes de ir, ela ainda teria passado em um hotel onde estava hospedada, no Setor Bueno.
O inquérito policial sob responsabilidade da Delegacia Estadual de Investigação de Homicídios (DIH) da Polícia Civil do Estado de Goiás (PC-GO), que investiga causas e circunstâncias das mortes, ainda está em andamento e será complementado com os laudos periciais produzidos pela PTC-GO. Nos laudos produzidos pelos institutos de Criminalística e Médico Legal, foi apontado que a substância utilizada no envenenamento é um óxido inorgânico com alto grau de letalidade e toxicidade, mesmo em baixas quantidades.
Chefe do Laboratório de Química e Toxicologia Forense, a perita criminal Mayara Cardoso aponta que mesmo a venda da substância não sendo proibida, é de difícil acesso. O uso, em geral, fica restrito à indústria. “É uma substância natural, encontrada no meio ambiente de forma rara, e no passado foi muito utilizada como pesticida, mas foi sendo descontinuado seu uso. Hoje a aplicação principal é na indústria, principalmente de semicondutores, fabricação de alguns tipos de vidros, preservante para madeira”, explica.
Conforme ela, não é possível dizer se o produto foi utilizado em forma líquida ou em pó. Mas destaca que, pela facilidade, a hipótese seria o uso em pó. “Substância sem sabor e sem odor, muito potente, e em pequenas quantidades já consegue causar efeito tóxico irreversível.” O óxido inorgânico também foi encontrado nas análises de sangue e estômago das vítimas. A suspeita é que a substância estava em alta concentração, pois foi encontrada “grande quantidade, principalmente nas amostras biológicas” das vítimas.
Dessa forma, os laudos comprovaram que a causa da morte foi intoxicação exógena, ou seja, por envenenamento. A causa havia sido levantada inicialmente pelos peritos criminais diante da exclusão da possibilidade de intoxicação ou infecção bacteriana, visto que o quadro evoluiu rapidamente para óbito, em um período inferior a 24 horas.
Sintomas gastrointestinais
Gerente do Instituto Médico Legal (IML), Ciro Mendes Vargas explica que, após a entrada das vítimas no hospital com fortes sintomas gastrointestinais, “houve evolução rápida para sintomas mais graves, como confusão mental, e progrediram para instabilidade nos parâmetros clínicos”. A morte de Leonardo foi registrada por volta das 22h do dia 17, e a de Luzia por volta de 3h do dia 18.
Médica legista da seção de Patologia Forense do IML, Rafaella Marques destaca que foram feitas análises nas vísceras das vítimas e que ambas continham “características semelhantes”, com diferença que, no caso de Luzia, as alterações foram mais significativas pelo maior tempo de ação do veneno.
Somado ao histórico de saúde, a medicina legal previamente já constatou que a morte não ocorreu por causas naturais. “Fica na conta do óxido encontrado. Eles faleceram por conta da ação (envenenamento)”, comenta. A substância causou lesões cardíacas, hepáticas, renais e neurológicas.
Além dos bolos em potes e das amostras biológicas das vítimas, foram analisadas pela perícia três colheres utilizadas no café da manhã e a garrafa de um suco integral de uva. Ao contrário da primeira suspeita de que o suco, comprado por Amanda Partata, seria o produto envenenado, os laudos periciais apontaram que a substância tóxica foi inserida nos bolos em potes.
Dos quatro potes recolhidos pelos peritos criminais no dia seguinte ao crime, na segunda-feira, dia 18, apenas dois tiveram resultado positivo para a contaminação. Outros dois não estavam envenenados. A perita criminal Mayara Cardoso apontou que no lote enviado pela doceria, que fabricou os bolos, à PTC-GO também não foi localizado o óxido inorgânico.
A constatação do trabalho pericial, já apontada pela PC-GO, é que o envenenamento ocorreu após a aquisição dos alimentos. O perito criminal Daniel Veríssimo, especialista em locais de crime, explicou que um dos quatro potes encontrados na residência das vítimas não estava com o lacre rompido.
“Havia tentativa de rompimento, mas não havia sido rompido, porém facilmente conseguia abrir o pote. Posteriormente, em testes com recipientes semelhantes aos utilizados pela doceria, constatamos que é possível abrir o pote sem romper o lacre”, explicou. Ainda não se sabe, entretanto, como a substância foi colocada sem levantar suspeitas das vítimas.
Os advogados de defesa de Amanda Partata, Carlos Márcio Rissi Macedo e Rodrigo Lustosa, informaram que ainda não tiveram conhecimento formal do resultado das perícias. “Aguardamos o devido acesso para nos manifestarmos quanto a este ponto. De toda forma, isto não modifica a situação quanto a patente ilegalidade da prisão de Amanda. Nós esperamos ter bom êxito na obtenção de sua liberdade”, finaliza a nota conjunta.
Depoimentos
Única testemunha ocular do crime, o marido de Luzia e pai de Leonardo, João Alves, de 81 anos, prestou depoimento à DIH na manhã desta quarta-feira (27). O advogado da família das vítimas, Luís Gustavo Nicoli, contou que o idoso relatou como Amanda Partata chegou ao local naquele dia, os alimentos que ela levou e como foi a interação entre eles.
“Receberam ela, montaram a mesa”, comenta. João foi o único que não comeu durante o café da manhã. Nicoli explica que, por ser diabético, o idoso evita ingerir doces e, como também já havia se alimentado naquela manhã, preferiu não comer os produtos levados pela principal suspeita. Ela permaneceu na residência por volta de 3h. “Chegou às 9h30 e foi embora 12h”, explica o advogado.
Outros familiares já foram ouvidos pela polícia. Na manhã desta terça-feira (26), o ex-namorado de Amanda e filho de Leonardo, o médico Leonardo Pereira Alves Filho, a irmã Maria Paula Alves e a mãe dele, Eliane Lino, também prestaram depoimento. Na porta da delegacia, ele disse que nunca imaginou algo que “justificasse tamanha brutalidade.”
O advogado da família também destacou que aguarda a polícia ter acesso ao celular da suspeita. Conforme ele, a corporação aguarda autorização judicial para fazer a perícia do aparelho. “Tenho certeza que com a abertura do celular muita coisa vai ser revelada. Se ela não temesse, ela entregava a senha”, comenta.
O delegado responsável pelo caso, Carlos Alfama, informou durante entrevista coletiva na quinta-feira (21) que Amanda se recusou a dar a senha do aparelho telefônico. Com a prisão temporária com validade de 30 dias, a DIH tem o mesmo prazo legal para finalizar o inquérito policial, que está sob segredo de justiça. Um dos objetos de investigação é justamente o celular.
Na entrevista coletiva, o delegado também apontou que o filho de Leonardo era ameaçado de morte desde o final de julho por perfis falsos nas redes sociais e por ligações de números distintos. A PC-GO havia constatado que tanto os perfis falsos quanto os números distintos, feitos por meio de um aplicativo para mascarar o contato original, eram de Amanda.
A motivação do crime, conforme as investigações, foi vingança pela rejeição sentida com o fim do relacionamento entre a advogada e o médico. A relação teria durado cerca de um mês e meio e, após o término, ela contou que estava grávida. Por isso, a família do homem mantinha proximidade com a principal suspeita.